Na tradicional audiência com o corpo diplomático da Santa Sé, Francisco concentra suas reflexões no tema da paz, condena a guerra e reforça Jubileu de 2025
Da Redação, com Vatican News
Em um dos seus discursos mais tradicionais e importantes do ano, o Papa Francisco voltou a se concentrar no tema da paz. O Pontífice discursou nesta segunda-feira, 8, aos embaixadores acreditados junto à Santa Sé, uma ocasião em que apresenta suas preocupações com relação a vários cenários da atualidade e os principais desafios da comunidade internacional.
Entre temas como tecnologia e inteligência artificial, migração, barrigas de aluguel, mudanças climáticas, educação, liberdade religiosa, democracia e desigualdade, o assunto que ficou em evidência foi a paz.
“Uma palavra tão frágil, que, ao mesmo tempo, se revela exigente e densa de significado”, comentou Francisco. “A ela quero dedicar a nossa reflexão de hoje, num momento histórico em que a mesma está cada vez mais ameaçada, fragilizada e parcialmente perdida. Aliás, é dever da Santa Sé, no seio da comunidade internacional, ser voz profética e apelo à consciência”.
“3ª Guerra Mundial aos pedaços”
O Papa citou o discurso de um dos seus predecessores, Pio XII, há oitenta anos, quando a 2ª Guerra Mundial aproximava-se do fim e a humanidade sentia a necessidade de uma “renovação profunda”. Este impulso, observou, parece ter se esgotado, e a “3ª Guerra Mundial aos pedaços” vem se tornado um verdadeiro conflito global.
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O primeiro conflito citado pelo Pontífice foi o em curso em Israel e na Palestina. “Repito a minha condenação” e “renovo o meu apelo para um cessar-fogo”, declarou. Ele também reiterou o apoio à criação de dois Estados e de um estatuto especial para a Cidade de Jerusalém, garantido internacionalmente.
O Santo Padre frisou que estes conflitos não envolvem apenas os soldados, mas também os civis. Neste sentido, reforçou que a violação do direito internacional humanitário é considerado crime de guerra. “Se conseguíssemos fixar cada uma das vítimas nos olhos, veríamos a guerra como ela é: nada mais que uma enorme tragédia e ‘um massacre inútil’, que fere a dignidade de toda a pessoa nesta terra”, declarou.
Menos armas, mais recursos no combate à fome
Francisco também criticou a indústria armamentista, uma vez que a existência das guerras deve-se à disponibilidade de armas. Diante disso, questionou quantas vidas poderiam ser salvas com os recursos destinados à produção bélica, renovando a proposta de constituir um Fundo mundial para eliminar a fome e promover um desenvolvimento sustentável de todo o planeta.
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Por fim, reiterou mais uma vez “a imoralidade de fabricar e possuir armas nucleares”, e mencionou outros lugares no planeta que sofrem com a guerra: Ucrânia, Líbano, Síria, Miamar, Azerbaijão, Armênia, Chifre da África, República Democrática do Congo, Venezuela e Guiana.
Democracia, crise climática e migrações
Voltando-se para o continente americano, o Papa expressou sua preocupação com os fenômenos de polarização que comprometem a harmonia social e enfraquecem as instituições democráticas, como vem acontecendo no Peru. Ele citou a Nicarágua, que vive uma crise que causa “amargas consequências” para a Igreja Católica e toda a sociedade. “A Santa Sé não cessa de convidar a um diálogo diplomático respeitoso pelo bem dos católicos e de toda a população”, exprimiu.
Em relação a catástrofes naturais e ambientais, o Pontífice sublinhou a crise climática e abordou o desflorestamento da Amazônia. Em relação à COP 28, realizada em Dubai, aprovou a adoção do documento final, que “constitui um passo encorajador e revela que, perante as inúmeras crises que estamos a viver, há a possibilidade de revitalizar o multilateralismo”.
Prosseguindo, falou sobre a migração forçada, causada pela fome, pela desigualdade e por desastres naturais. O deserto do Saara, as fronteiras da América Central e do Norte e o Mar Mediterrâneo são as regiões mais sensíveis, e muitas delas se tornaram “cemitérios”. “É fácil fechar o coração”, disse o Santo Padre, “mas nenhum país pode ser deixado sozinho”.
Respeito à vida e aos direitos humanos
Na sequência, Francisco afirmou que o caminho da paz exige o respeito pela vida humana, a começar pela do nascituro no ventre da mãe. Neste contexto, criticou a prática conhecida como “barriga de aluguel”, e pediu à comunidade internacional esforços para proibi-la em nível universal. “Um filho é sempre um dom, e nunca o objeto de um contrato”.
O caminho da paz exige ainda o respeito pelos direitos humanos, continuou, lamentando as tentativas para introduzir novos direitos, como a teoria de gênero. Da mesma forma, esta jornada passa pelo diálogo político e social – a democracia foi enaltecida pelo Papa. Por fim, ele deu destaque também ao diálogo inter-religioso, manifestando preocupação com a tutela da liberdade religiosa e o respeito das minorias, e condenou o antissemitismo e a perseguição e a discriminação contra cerca de 360 milhões de cristãos.
O Pontífice recordou suas viagens apostólicas em 2023, visitando República Democrática do Congo, Sudão do Sul, Hungria, Portugal, Mongólia e Marselha. Ao lembrar da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa, adentrou no desafio da educação, “o principal investimento no futuro e nas gerações jovens”. O tema envolve também a utilização ética das novas tecnologias e o perigo das fake news, motivo pelo qual a Mensagem para o Dia Mundial da Paz foi dedicada à inteligência artificial, “um dos desafios mais importantes dos próximos anos”.
Jubileu de 2025
Na conclusão de seu discurso, o Santo Padre falou sobre o Jubileu de 2025, que terá início no Natal do corrente ano. “Talvez hoje, mais do que nunca, tenhamos necessidade do ano jubilar”, refletiu. Perante tantos sofrimentos e face à obscuridade deste mundo, “o Jubileu é o anúncio de que Deus nunca abandona o seu povo e mantém sempre abertas as portas do seu Reino”.
“É um tempo de justiça, em que os pecados são perdoados, a reconciliação permite superar a injustiça e a terra repousa. Pode ser para todos – cristãos e não-cristãos – o tempo para quebrar as espadas e delas fazer arados; o tempo em que uma nação não mais levantará a espada contra outra nação, nem se aprenderá mais a arte da guerra (cf. Is 2, 4)”, concluiu Francisco.