MENSAGEM

Papa à COP 28: “o futuro de todos depende do presente que escolhermos”

Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin, leu o discurso preparado por Francisco exortando líderes globais a combater mudanças climáticas

Da Redação, com Boletim da Santa Sé

Discurso do Papa Francisco foi lido pelo secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin / Foto: Reprodução Reuters

Neste sábado, 2, o secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin, apresentou o discurso preparado pelo Papa Francisco para a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (COP 28). Diante do cancelamento da viagem do Pontífice para participar do evento devido a uma gripe e a uma inflamação pulmonar, o cardeal fez a leitura da mensagem escrita pelo Santo Padre para os líderes globais reunidos.

Estou convosco, porque, agora mais do que nunca, o futuro de todos depende do presente que escolhermos. – Papa Francisco

No início do texto, Francisco lamenta sua ausência, mas sinaliza que está junto de todos devido à urgência dos tempos atuais. “Estou convosco, porque, agora mais do que nunca, o futuro de todos depende do presente que escolhermos. (…) Escolhamos a vida, escolhamos o futuro! Escutemos os gemidos da terra, demos ouvidos ao grito dos pobres, prestemos atenção às esperanças dos jovens e aos sonhos das crianças! Temos uma grande responsabilidade: garantir que não lhes seja negado o próprio futuro”, declarou, logo na abertura de seu discurso.

Recordando a exortação apostólica Laudate Deum, publicada em outubro deste ano, o Papa afirmou que as mudanças climáticas são “um problema social global, intimamente ligado à dignidade da vida humana”. Com sua causa derivada do sobreaquecimento da terra, que tem origem na ação humana, essas alterações mostram que a atividade exploratória por parte dos homens se torna cada vez mais insustentável.

Dever com o amanhã

O Pontífice alertou que “a ambição de produzir e possuir transformou-se em obsessão e resultou numa ganância sem limites, que fez do ambiente o objeto de uma exploração desenfreada. O clima enlouquecido soa como um alerta para acabarmos com tal delírio de onipotência. Com humildade e coragem, voltemos a reconhecer a nossa limitação como única estrada para uma vida plena”.

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O dever a que hoje estamos chamados tem a ver, não com o ontem, mas com o amanhã; um amanhã que, queiramos ou não, será de todos ou não existirá. – Papa Francisco

Diante deste cenário, o Santo Padre indicou que o motivo para este problema ainda não ter sido solucionado é a divisão que existe entre os homens. Ele explicou que alguns adotam um posicionamento rígido, sendo inflexíveis ao pensar em seus lucros e tentando justificar-se a partir de atitudes que outros tomaram no passado. “Entretanto”, observou, “o dever a que hoje estamos chamados tem a ver, não com o ontem, mas com o amanhã; um amanhã que, queiramos ou não, será de todos ou não existirá”.

“Dívida ecológica”

Francisco comentou ainda que magoam as tentativas de transferir a culpa para as porções mais pobres, atribuindo a responsabilidade ao índice de nascimentos. Contudo, ele apontou que este argumento deve ser desmascarado, uma vez que “quase metade do mundo, a mais indigente, é responsável apenas por 10% das emissões poluidoras”.

O Papa pontuou que, na verdade, estes são os que sofrem com os problemas ambientais como o desflorestamento, a fome, a insegurança hídrica e alimentar e os fluxos migratórios induzidos. Em relação aos nascimentos, o Pontífice frisou que eles não são um problema, mas um recurso, uma vez que são a favor da vida.

Ele também pediu que não seja penalizado o progresso econômico de alguns países, já imersos em tantos problemas financeiros, e que seja considerado o impacto que algumas poucas nações exercem sobre todo o ecossistema, correspondente a uma “dívida ecológica”. “Seria justo encontrar adequadas modalidades de remissão das dívidas financeiras que pesam sobre vários povos, à luz da dívida ecológica também existente para com eles”, refletiu.

Caminhar juntos

Na sequência, o Santo Padre propôs uma reflexão sobre qual seria a “via de saída” para o problema enfrentado. Ele mesmo sublinhou que o caminho que deve ser percorrido é o da ação em conjunto e do multilateralismo. Entretanto, sinalizou sua preocupação que “o aquecimento da terra seja acompanhado por um resfriamento geral do multilateralismo”, reiterando que é essencial reconstruir a confiança uns nos outros.

Esse movimento, pontuou, vale tanto para o cuidado da criação como para a paz, consideradas por Francisco as mais urgentes e que estão interligadas. Referindo-se às guerras em curso por todo o globo, ele lamentou a energia gasta nesses conflitos que, em vez de resolver os problemas, os aumentam.

Nesse sentido, o Papa relançou a proposta e expressa na carta encíclica Fratelli Tutti de, com o dinheiro usado em armas e em outras despesas militares, constituir um Fundo Mundial, para acabar de vez com a fome. Além disso, propôs ainda realizar atividades que promovam o desenvolvimento sustentável dos países mais pobres, combatendo as mudanças climáticas.

Ele também apontou para a tarefa de dar ouvidos aos povos, aos jovens e às crianças para lançar as bases de um novo multilateralismo. Para isso, observou o Pontífice, é necessária uma reforma política, para a qual as mudanças climáticas já vêm alertando. “Saiamos das vielas estreitas dos particularismos e dos nacionalismos; são esquemas do passado. Abracemos uma visão alternativa, comum: esta permitirá uma conversão ecológica porque ‘não há mudanças duradouras sem mudanças culturais’”, exortou.

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O Santo Padre garantiu, inclusive, o empenho e o apoio da Igreja Católica, ativa de forma especial na educação procurando sensibilizar para a participação comum e promover estilos corretos de vida. A responsabilidade é de todos, sendo fundamental a participação de cada um.

Espírito de fraternidade

Recordando o início da luta contra as alterações climáticas no Rio de Janeiro, em 1992, e o Acordo de Paris assinado durante a 21ª COP, em 2015, Francisco afirmou que está na hora de relançar este caminho. Ele exortou “que esta COP seja um ponto de viragem: manifeste uma vontade política clara e palpável que leve a uma decidida aceleração da transição ecológica” por meios que sejam eficientes, vinculantes e facilmente monitoráveis. O Papa pediu ainda que a atuação abranja os campos da eficiência energética, das fontes renováveis, da eliminação dos combustíveis fósseis e da educação para estilos de vida menos dependentes destes últimos.

“Por favor, avancemos! Não voltemos atrás… (…) Trata-se de não adiar mais, de implementar, e não apenas desejar, o bem dos vossos filhos, dos vossos cidadãos, dos vossos países, do nosso mundo. Que vós sejais os artífices duma política que dê respostas concretas e coesas, comprovando a nobreza da função que desempenhais, a dignidade do serviço que prestais. Porque o poder serve para isto: para servir”, declarou o Pontífice.

Concluindo a mensagem, o Santo Padre rogou que 2024 possa ficar marcado como um ponto de virada. Ele recordou que, em 1224, São Francisco de Assis compôs o Cântico das Criaturas, em um momento de extrema dor e já cego. Ele já não via as criaturas do Senhor, mas as sentia como suas irmãs. “Inspirado por um sentido de fraternidade, foi capaz de transformar a dor em louvor e o cansaço em empenho”, comentou o Papa.

“Também eu, que trago o nome de Francisco, gostaria de vos dizer com o tom veemente de uma oração: deixemos para trás as divisões e unamos forças! E, com a ajuda de Deus, saiamos da noite das guerras e das devastações ambientais para transformar o futuro comum numa alvorada de luz”, finalizou.

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