Trabalhos dessa primeira etapa do Sínodo entram em sua última semana; participantes da assembleia ressaltam período de espera ativa que se seguirá até 2024 a partir da Síntese que será elaborada
Da redação, com Vatican News
Os trabalhos desta primeira etapa do Sínodo sobre a Sinodalidade estão entrando em sua última semana. Nestes dias, o foco dos trabalhos será a redação da Mensagem ao Povo de Deus e o Documento de Síntese. Este Sínodo foi dividido em duas etapas, esta primeira termina no domingo, 29 de outubro. E a segunda etapa, conclusiva, será realizada em outubro de 2024.
Nesta segunda-feira, 23, os trabalhos começaram com a Missa na Basílica de São Pedro, no Vaticano, presidida pelo presidente da Federação das Conferências Episcopais da Ásia (FABC), Cardeal Charles Bo, também Arcebispo de Rangoon, Mianmar.
Em sua homilia, refletiu sobre a busca espiritual da humanidade desde que Adão e Eva escolheram “um caminho envolto em trevas”, insistindo que “Deus nunca abandona seu povo”.
Na vida, “somos chamados a nos aventurar no desconhecido, guiados por nossa fé inabalável”, disse o Cardeal Bo, que vê Deus como “nosso guia, nosso roteiro e nosso companheiro”, e a Igreja, seguindo o exemplo de Abraão, como aquela que “é chamada a ser justa, a encarnar uma jornada sinodal de fé com a convicção de que Deus nunca erra”.
O cardeal explicou que “mesmo que não cheguemos ao destino pretendido, participar da jornada já é uma bênção”. Isso porque “essa jornada sinodal é intergeracional” e, pessoalmente e como Igreja, somos desafiados a nos alinhar com a vontade de Deus.
Relembrando o chamado do Papa Francisco à reconciliação com Deus (Evangelii Gaudium), com a natureza (Laudato Si’) e uns com os outros (Fratelli Tutti), ele afirmou que “nosso caminho sinodal é sobre curar e reconciliar o mundo em justiça e paz”. E definiu a sinodalidade global como a única maneira de salvar a humanidade e criar um mundo de esperança, paz e justiça.
De acordo com o cardeal, “neste Sínodo, uma de nossas grandes preocupações é o legado que deixaremos para a próxima geração”, refletindo sobre a realidade da Ásia e suas consequências para o futuro.
Onze meses de espera ativa
O padre Timothy Radcliffe descreveu os onze meses entre as duas sessões do Sínodo como o período mais fértil do encontro eclesial, o período de germinação. Na primeira sessão, as palavras proferidas são vistas pelo dominicano como “as sementes que são semeadas no solo da Igreja, que “quando chegar a hora, darão frutos”, afirmando que “se nossas palavras forem amorosas, elas brotarão na vida de pessoas que não conhecemos”.
Onze meses que ele comparou a uma gravidez, “um tempo de espera ativa”, conclamando, com as palavras de Simone Weil, a não buscar os dons mais preciosos, mas a esperar por eles, algo que ele definiu como profundamente contracultural. “Em uma cultura muitas vezes polarizada, agressiva e desdenhosa das opiniões dos outros”, de onde ele fez um apelo para não pensar de forma partidária, o que “não é o caminho sinodal”.
Para que a semente germine, ele considera necessário que “mantenhamos nossas mentes e corações abertos para as pessoas que encontramos aqui, vulneráveis às suas esperanças e medos”, o que produzirá “uma colheita abundante, uma verdade mais plena. Então a Igreja será renovada. Para isso, será necessário falar, nesses onze meses, palavras que sejam férteis e cheias de esperança, e não palavras que sejam destrutivas e cínicas, palavras que sejam nutritivas e não venenosas.
O pequeno como marca do estilo de Jesus
Por sua vez, Ir. Maria Grazia Angelini refletiu sobre a necessidade de “narrar parábolas em vez de lançar proclamações”. Para isso, fez uma pergunta: “Como podemos falar hoje do Mistério do Reino, do crescimento surpreendente e dramático, narrando estes dias do caminho sinodal, com palavras de carne?”. Na semente lançada, que podemos dizer que o Sínodo lançará com o Documento Síntese, a monja beneditina vê “um mistério de geração, de aliança gratuita”, uma oportunidade para discernir os sinais do Reino a exemplo de Jesus.
Para captar e dar espaço ao dinamismo da Palavra em si mesmo e na Igreja, a religiosa vê a necessidade do silêncio e da verdadeira humildade, insistindo que “o surpreendente sentido do pequeno como portador do futuro marca o estilo de Jesus”.
A primeira sessão da Assembleia Sinodal, que ela definiu como um mês de semeadura, é vista por ela como “um ato profundamente subversivo e revolucionário”, a fim de “abrir um caminho para a reforma – uma nova forma – que a vida exige”, e para isso, como algo do Espírito, “captar e narrar semelhanças sem precedentes entre o Reino de Deus e as realidades mais simples, mínimas, frágeis e vitais da terra, semelhanças que abrem o futuro”.
A religiosa fez um chamado a ver Deus “no que há de mais baixo” e, assim, “criar e alimentar narrativas concretas disso”. É um trabalho que “deve amadurecer a partir da formação da consciência”, exigindo “um distanciamento decisivo do cuidado pastoral de qualquer perspectiva estatística, eficiente, processual e sistêmica”.
Por fim, disse que rezava “para que este Sínodo receba a arte de novas narrativas, a humildade radical de quem aprende a reconhecer a semelhança do Reino nos dinamismos mais verdadeiros e vitais do humano, dos vínculos primários, da vida que bate misteriosamente em todos os mundos e esferas da existência humana, em uma admirável harmonia oculta. Com tanta paciência. A capacidade de olhar para a noite”. Isso para relatar “novas parábolas, que dão alimento para o pensamento, para o crescimento, para a esperança, para caminhar – juntos”.
Discernimento entre oportunidades e armadilhas
Refletindo sobre a tradição, o Professor Associado de Religião e Teologia do Instituto de Religião e Investigação Crítica da Universidade Católica Australiana, Ormond Rush, disse que o Concílio Vaticano II pode “conter algumas lições para este sínodo, já que agora eles realizam a síntese de seu discernimento sobre o futuro da igreja”.
Para iluminar as discussões presentes no Concílio, ele se baseou nas palavras do perito do Concílio, Joseph Ratzinger, que observou que a fonte de tensão eram duas abordagens à tradição: uma compreensão “estática” da tradição, legalista, proposicional e a-histórica, relevante para todos os tempos e lugares, tendendo a se concentrar no passado, e uma compreensão “dinâmica”, personalista, sacramental e enraizada na história, realizada no presente, mas aberta a um futuro ainda a ser revelado”.
Segundo o professor australiano, “a tradição não deve ser vista apenas de forma afirmativa, mas também de forma crítica”, vendo a revelação não apenas como “uma comunicação de verdades sobre Deus e a vida humana, articuladas nas Escrituras e em declarações doutrinárias”, mas como “uma comunicação do amor de Deus, um encontro com Deus Pai em Cristo por meio do Espírito Santo”.
Uma revelação que na Dei Verbum, que é importante para entender a sinodalidade e o próprio propósito deste Sínodo, é apresentada “como um encontro contínuo no presente, e não apenas como algo que aconteceu no passado”, como um diálogo. Daí o desafio a todo o povo de Deus de “discernir a diferença entre oportunidades e armadilhas”.