Estimativas da ONU apontam que 2,5 milhões de pessoas são vítimas do tráfico humano em todo o mundo; a Igreja toma e pede iniciativas para que o crime seja coibido
Thiago Coutinho
Da redação
Em 2014, o Papa Francisco instituiu 8 de fevereiro como uma data especial dedicada à Oração e Reflexão contra o Tráfico de Pessoas — mesmo dia em que a Igreja também recorda Santa Josefina Bakhita, religiosa sudanesa que, quando menina, foi vítima de tráfico humano.
O tráfico humano é um flagelo que atinge cerca de 2,5 milhões de pessoas e movimenta aproximadamente 32 bilhões de dólares por ano, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). Por conta da pandemia e das recentes guerras, a atividade criminosa elevou suas ações. Além disso, o tráfico humano está intrinsecamente ligado à desigualdade social, econômica, racial e de gênero. São características que contribuem para que a camada mais vulnerável da sociedade seja vítima do crime.
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“A equidade social precisa da justiça social para ser concretizada. Dentro da dimensão da justiça, alimentamos a dignidade humana e o respeito e garantia aos direitos dos seres humanos e da natureza”, afirma Alessandra Miranda, articuladora da Comissão Episcopal Pastoral Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano da CNBB. “Os países ou continentes mais afetados pela desigualdade econômica são mais afetados pelas diferentes formas de violências. Isso explica muito sobre os países da América Central (Honduras, Guatemala e Nicarágua) e alguns da América do Sul (Brasil e Paraguai), que fazem parte dos territórios com mais casos de tráfico de pessoas do continente”, complementa.
Flagelos do mundo contemporâneo, como as altas taxas de desemprego ou subempregos, são alguns itens que também impulsionam a prática do tráfico humano. Além disso, um dado importante: mulheres e meninas são as vítimas mais frequentes, especialmente para fins de exploração sexual. Segundo Alessandra, o sexo feminino representa 72% das vítimas de tráfico humano. “Elas são as mais suscetíveis à exploração de trabalho precário e abusos”, assevera. “No Brasil, a pandemia da covid-19, a violência doméstica, a insegurança alimentar e o índice elevado de desemprego contribuíram para o aumento do Tráfico Humano”.
As ações da Igreja
A Igreja também está atenta a estes índices alarmantes do tráfico de pessoas. E tem estendido suas ações de prevenção ao crime por meio de seus braços para atuar contra o crime. “O Conselho Episcopal Latino Americano, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Rede Um Grito pela Vida e outras organizações como a Cáritas, a Rede Internacional de Vida Consagrada Talitha Kum, dentre outras iniciativas da Igreja, organizam debates, seminários e processos de formação para tratar da temática e ajudar na compreensão de que o tráfico de pessoas existe e pode estar acontecendo na sua família ou na sua vizinhança”, alerta Alessandra.
Ela afirma ainda que todos esses e outros grupos eclesiais articulam junto ao poder público a fim de desenvolverem ações que combatam o crime de maneira mais ampla e eficiente. “Estes grupos eclesiais também têm se manifestado junto ao poder público, cobrando as iniciativas e leis de proteção e de condições mais seguras de denúncias. Algumas organizações da Igreja também contribuem no processo de acolhida e acompanhamento psicológico e jurídico a pessoas traficadas ou em situação de trabalho escravo, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT)”, detalha.
A Campanha da Fraternidade de 2014, que teve como tema central Fraternidade e Tráfico Humano, também foi fundamental para que houvesse um esclarecimento ainda maior sobre este crime, especialmente para os fiéis católicos. “Esta campanha colaborou muito para que as comunidades compreendessem sobre o tema e assumissem gestos concretos”, recorda Alessandra.
Josefina Bakhita e as mulheres
Não por acaso, a mensagem para o Dia Mundial de Oração e Reflexão contra o Tráfico de Pessoas recorda a irmã sudanesa Josefina Bakhita, que quando menina foi vítima de uma trágica experiência de tráfico humano. Este crime, como dito anteriormente, é muito mais incidente sobre mulheres e crianças — e a recente pandemia e as diversas guerras entre Ucrânia e Rússia, Israel e Palestina, só para citar algumas, pioram o cenário.
“A Sociedade e os governantes têm a tarefa urgente e necessária de criar mecanismos de superação da subnotificação de casos de tráfico de pessoas, possibilitando acordos do Ministério da Justiça de cooperação técnica para combater estes crimes, com outros ministérios e organizações da sociedade civil”, alerta Alessandra.
Investir na educação das pessoas também é fundamental — e a atuação dos governantes para isso não pode ser deixada de lado. “Oferecer cursos destinados a profissionais do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que engloba os Creas e os centros de referência de assistência social (CRAS) também seria uma medida eficaz no enfrentamento deste crime. A atuação junto ao Ministério da Saúde, com capacitação de gestores e servidores para ficarem atentos a possíveis casos de privação de liberdade e, por fim, a criação de campanhas voltadas para a sensibilização sobre o tráfico de pessoas, colocando as meninas e mulheres no centro do debate”, aconselha Alessandra.
As mulheres, infelizmente, são mais vulneráveis, por isso se tornam vítimas fáceis de quem pratica o crime. “Na organização da sociedade, ainda hoje, mulheres são vitimas de desigualdades econômicas, são muitas vezes as responsáveis pela sustentabilidade da casa e da família, ganham menos que os homens e trabalham mais e estão expostas de maneira cruel as violências domésticas, psicológicas, patrimoniais, abusos e assédios sexuais. Todos estes elementos juntos colocam as mulheres neste lugar trágico da vulnerabilidade historicamente reafirmada nos dias atuais”, lamenta.
O clamor do Papa
Desde o início de seu Pontificado, o Papa Francisco tem alertado sobre as consequências trágicas que o tráfico humano deixa sobre o mundo. Não por acaso, o Sucessor de Pedro insiste no conceito de Igreja em Saída. “O Papa tem alertado insistentemente sobre a conversão para uma igreja em saída para as periferias. A Igreja não pode ter medo e deve denunciar, defender a vida destas pessoas”, assevera Alessandra.
“É fundamental ter a capacidade de escutar quem está a sofrer”, afirma o Papa em sua mensagem para a data. “Penso nas vítimas dos conflitos, das guerras, nas pessoas afetadas pelos efeitos das alterações climáticas, nas multidões de migrantes forçados, em quem é objeto de exploração sexual ou laboral, nomeadamente mulheres e meninas. Escutemos o seu grito de ajuda, deixemo-nos interpelar pelas suas histórias”, emendou o Santo Padre.
O apelo de Francisco também se une ao subsídio preparado pela CNBB, que preparou um roteiro para a celebração da data, com dinâmicas, leituras e informações sobre a temática. O material está disponível para download neste link: Celebração Memória Santa Josefina Bakhita
A reportagem do vídeo acima é de Danúbia Gleisser e Gilberto Maia