Entrevista

Família e Pobreza: padre Rafael Fornasier comenta objetivos da pesquisa

Pesquisa teve início em 2019 e é liderada pelo Observatório Internacional da Família

Denise Claro
Da redação

Pesquisa sobre “Família e Pobreza”mostrou fragilidades e potencialidades, como as relações inter-geracionais./ Foto: Anemone123 por Pixabay

Na última semana, foi apresentado o resultado da primeira fase da pesquisa internacional intitulada “Família e Pobreza”, em um evento virtual promovido pelo Family International Monitor (Observatório Internacional da Família).

O coordenador da pesquisa no Brasil é o padre Rafael Fornasier, ex-assessor da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da CNBB. Em entrevista ao noticias.cancaonova.com, ele comenta os objetivos da pesquisa, os resultados até agora e os próximos passos. Confira: 

Na última terça-feira, foi apresentado o relatório da primeira parte da pesquisa intitulada “Família e Pobreza”. Como foi feita esta pesquisa de abrangência internacional?

Padre Rafael Fornasier – Essa pesquisa internacional é de iniciativa do Observatório Internacional da Família, um projeto organizado e articulado pelo Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para ciências do matrimônio e da família, que se encontra em Roma, nas dependências da Universidade Lateranense. O instituto foi criado pelo próprio Papa João Paulo II em 1981, e tem várias seções pelo mundo afora. Nós aqui no Brasil temos uma seção que está em Salvador, uma extensão.

A pesquisa foi feita também em parceria com a Universidade Católica de Murcia, na Espanha, e com o Centro Internacional de Estudos sobre Família (CISF), que se encontra em Milão. Essas três entidades se juntaram para criar a página do Observatório, que está em inglês, e pode ser visitado.

O intuito é mapear, a nível internacional, como a família lida com o tema da pobreza, mas não só a pobreza material, estrutural, mas pensando também na pobreza relacional. Mapear as fragilidades e as potencialidades da família diante desse tema. Isso se fez baseado em quatro eixos: a família como ator econômico, a família como ator educacional, a família como lugar de cuidado inter-geracional (como acontece, quais as riquezas e forças que vem da família nesse cuidado), e por fim a família como aquela que é capaz de formar para a cidadania social.

É importante dizer que outras instituições se somaram a esse trabalho. Aqui, na América Latina, por exemplo, temos o Chile e o Peru representados, além do Brasil.

Qual é o objetivo da pesquisa “Família e Pobreza”? Como os resultados podem ajudar a Igreja e a sociedade como um todo a entender a realidade das famílias?

Padre Rafael – O objetivo desse mapeamento é, dentro dos limites de acesso às pesquisas e do trabalho nos países envolvidos, procurar identificar quais as fragilidades e as potencialidades da família ao lidar com esse tema da pobreza, e como a sociedade entende isso ou não.

Informações como essas podem ajudar muito os governos que se interessarem a promover políticas públicas mais favoráveis às boas relações familiares. Quando se entende que a família de fato tem uma força no que concerne aos vínculos humanos, por exemplo, a solidariedade inter-geracional, os dados podem ajudar a elaborar melhor as políticas públicas.

Em relação à Igreja, pode ajudar a entender melhor qual o papel da família na sociedade, e por isso também ajudar a família a exercer seu papel, cobrar dos governantes uma maior atenção para a família como sujeito político, social, que obviamente toca as quatro linhas evocadas acima (educação, economia, cuidado, saúde).

Por exemplo, sabe-se por tantas outras pesquisas que a família desonera o estado, ao assumir muitos cuidados básicos de saúde em casa. O estado não precisa ficar puxando tudo para si, mas pode contar com a família. Isso é muito vantajoso.

Para a Igreja, é importante saber também quais as fragilidades relacionais da família, para poder atuar nesses âmbitos. Algo que aparece aqui na nossa pesquisa do lado do Brasil é a diminuição, por exemplo, dos casamentos formalizados, ou seja, aumentaram as uniões estáveis, e diminuíram as uniões no âmbito civil e religioso. Isso mostra uma certa fragilidade, e a Igreja pode atuar nisso, ajudando os novos casais a formalizarem a relação porque isso dá mais estabilidade, mais segurança para os dois. Se propõem a um projeto de vida a longo prazo, e não só um experimento.  Vejo que, a longo prazo, este é um dos elementos que podem ajudar a Igreja na sua atuação.

A que resultados chegaram? Que leitura pode ser feita da realidade da família brasileira? Quais os pontos fortes e fragilidades?

Padre Rafael – A apresentação do relatório foi uma apresentação parcial, e alguns pontos foram sublinhados. Mas de modo muito genérico. Os resultados finais vão ser publicados em outubro. Do nosso lado, daquilo que a gente identificou na nossa pesquisa, tem alguns elementos. Por exemplo, nós ressaltamos no nosso texto o que algumas pesquisas vem apontando aqui no Brasil: o rápido envelhecimento da população brasileira e um decréscimo também acelerado da natalidade.

Isso para nós tem elementos de fragilidade e de força. Num rápido envelhecimento da população, a gente percebe que a solidariedade inter-geracional, o cuidado entre gerações também está presente, mais do que em outros países. A contribuição dos mais idosos para as novas famílias é importantíssima aqui no Brasil. Como exemplo, o quanto os idosos estão ajudando as famílias mais jovens, com os netos, também com as mães solteiras, que digamos, é uma população muito grande no Brasil, de famílias monoparentais, a gente vê como os avós podem ajudar e ajudam muito.

Por outro lado, o decréscimo muito rápido da natalidade, o que é preocupante, no sentido de reposição da população, e significa também um enfraquecimento relacional no que concerne à relação de paternidade e maternidade, porque essas são relações que podemos viver e experimentar.

Apontamos também que, na última década, esses elementos relacionais não foram muito bem evidenciados, muito bem vistos. Nós sempre fizemos políticas públicas para os indivíduos sem pensar em suas relações. Então, por exemplo, sem pensar que o casal, amanhã ou depois, pode ter filhos, se tornar pai e mãe. Quais são as políticas para quem tem filhos, ou quem deseja ter filhos? Isso tem que ser levado em consideração

O senhor comentou acima sobre os dados em relação às uniões estáveis. Como o senhor avalia esses resultados?

Padre Rafael – No relatório nós apontamos o decréscimo da formalização do matrimônio, mas, por outro lado, (e isso não aparece no relatório) pesquisas no Brasil e no exterior mostram que os jovens mantém o interesse de ter uma relação estável, uma relação conjugal, ainda que não seja formalizada. O cuidado que é preciso ter é observar que os jovens apresentam o desejo do matrimônio mas não passam para o concreto, não chegam a concretizar.

Por quê a diminuição dos casamentos formais? A que se deve esse resultado?

Padre Rafael – Por uma série de razões. Existe a incerteza do futuro da própria relação, se aquela relação vai durar. Existem as fragilidades psicológicas, emocionais de ambos os lados. As fragilidades econômicas, porque muitos ainda pensam “a gente se junta, porque não tem dinheiro para casar, teria que ter uma estrutura mínima para casar, então vamos convivendo…”, e essa convivência às vezes pode durar no tempo.

Um dos fatores que Papa Francisco até sublinha no texto da Amoris Laetitia e que eu percebo muito presente no Brasil, é que aqui tivemos uma ascensão social, aumento de poder aquisitivo, e isso fez com que muitas famílias que viviam de modo muito simples nos últimos 20/30 anos, conseguiram adquirir bens, ampliar suas posses, tiveram uma qualidade de vida melhor. Os jovens dessas famílias, quando chegam na idade de se casar, vêem a vida dos seus pais que construíram aquele patrimônio durante 30/40 anos, e querem começar uma vida de família com aquele nível de vida que seus pais têm, e obviamente que não vão começar.

A vida no Brasil e na América Latina não dá essas condições para um jovem começar logo de cara com uma casa como ele tem na casa dos pais, então muitos até convivem na própria casa dos pais, porque é melhor do que saírem para alugar um quartinho, quarto e sala, ou kitnet.

Outros não vêem muita mudança, “por quê formalizar? no campo civil, a gente tá junto, dá no mesmo”, então no campo religioso faz-se necessário a Igreja mostrar também as razões do casamento, mostrar a diferença de estar ‘juntado’ e de estar casado por meio do sacramento do matrimônio. É um desafio para nós, precisamos apresentar de novo a beleza do matrimônio, o que significa o sacramento, dar evidência ao seu significado, que não se trata apenas de uma benção, mas mostrar qual o significado daquilo na vida do casal, das relações.

Como os resultados da pesquisa brasileira foram recebidos internacionalmente?

Padre Rafael – Os resultados nessa primeira apresentação foram de modo muito geral. Os dados foram cruzados, e a nossa contribuição também, em alguns momentos. Nosso trabalho foi muito bem recebido, nas trocas de e-mails que eu tive com os pesquisadores a nível internacional, que agradeceram muito, mas vamos ver se houve alguma particularidade nossa que tenha chamado mais atenção no resultado final, em outubro.

Como será vivida a segunda fase da pesquisa?

Padre Rafael – Vai haver a entrega final dessa primeira parte agora. A primeira fase foi centrada na”Família e Pobreza relacional”, e a segunda será na “Família e pobreza estrutural e econômica.”

O método que usamos agora nessa primeira parte foi baseado naqueles quatro eixos, um método de levantamento bibliográfico nos países, colhendo aquilo que já existia de dados empíricos, por exemplo, no nosso caso, dados do IBGE, IPEA, e a nível internacional também do Brasil na OMS, ONU, etc.

Para a segunda fase, nós temos já muitas informações econômicas, ou melhor, já estruturais ou materiais, então é possível que a equipe central repense no método da segunda etapa, mas a grosso modo, deve ser também uma pesquisa de artigos, livros, documentos publicados sobre a família e pobreza no Brasil, e cada país faz isso no seu próprio país. E artigos, capítulos, livros, que envolvam também pesquisa de campo. Nós mesmos não fizemos nossas próprias pesquisas de campo, pegamos esses resultados de pesquisas anteriores para discutir.

Então a segunda parte nós não temos ainda o método, como nós vamos proceder. Ainda aguardamos orientações mais precisas sobre essa próxima fase.

 

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