Apresentação no Vaticano

Coletiva de imprensa: relatos traduzem vida de santidade de João Paulo I

O postulador da causa de beatificação, a sobrinha do Papa, a religiosa que conviveu com ele nos últimos dias e o padre que rezou a Luciani pedindo a cura da miraculada deram entrevista coletiva hoje no Vaticano

Catarina Jatobá
Da Redação, com Boletim da Santa Sé

Papa João Paulo I, conhecido como o “Papa Sorriso” / Foto: Arquivo

Na manhã desta sexta-feira, 2, na sala de imprensa da Santa Sé, uma coletiva de Imprensa apresentou a beatificação do Papa João Paulo I, que será neste domingo, 4 de setembro, na Praça de São Pedro.

Estavam presentes na coletiva o postulador da causa de beatificação, Cardeal Beniamino Stella; a vice-postuladora da causa e vice-presidente da Fundação Vaticana João Paulo I, Dra. Stefania Falasca; um representante da diocese italiana de Belluno-Feltre – onde foi aberto o processo de beatificação, Dom Davide Fiocco; a sobrinha do Papa e membro da Fundação Joao Paulo I, Lina Petri; Ir. Margherita Marin, religiosa das Irmãs de Maria Bambina, e o padre Juan José Dabusti, da arquidiocese de Buenos Aires.

Confira, a seguir, um resumo dos discursos feitos na coletiva de imprensa.

Histórico da causa de beatificação

O Cardeal Stella iniciou seu discurso fazendo memória da história da causa de beatificação e canonização de João Paulo I. O cardeal recordou que, em pouco mais de um mês de pontificado, João Paulo I havia conquistado o coração de fiéis e não fiéis de todo o mundo e que sua fama de santidade, já presente na vida, começou a se espalhar. Logo após sua morte, muitos católicos já começaram a rezar para ele. O então bispo de Belluno-Feltre, diocese nativa de Albino Luciani, recebeu muitos pedidos para apresentar a Causa.

A etapa mais significativa dessas solicitações, como mencionou o postulador, foi em 1º de junho de 1990, quando toda a Conferência Episcopal do Brasil pediu ao Papa João Paulo II que iniciasse o processo. Segundo o cardeal, esta etapa foi muito relevante por atestar a fama de santidade e a sua crescente difusão ao longo do tempo, o que atende à condição fundamental para a abertura de uma causa de canonização.

No entanto, destacou o postulador, “os tempos, evidentemente, ainda não estavam maduros. Infelizmente, aquela importante petição de um dos episcopados numericamente mais importantes do mundo não moveu nada. O Dicastério para as Causas dos Santos, de fato, respondeu ao bispo de Belluno-Feltre, Maffeo Ducoli, que o início do processo parecia prematuro, pois os casos relativos a outros Papas já estavam em andamento (Pio IX, João XXIII, Paulo VI )”.

Um ponto de virada foi a iniciativa do segundo sucessor de Ducoli, o bispo salesiano Vincenzo Savio, que em 2002, às vésperas do vigésimo quinto aniversário da morte de João Paulo I, obteve o consentimento para iniciar o julgamento em Belluno e não em Roma, sede competente como local onde Albino morreu. A investigação, portanto, começou em 22 de novembro de 2003 e terminou em 10 de novembro de 2006. O processo diocesano foi dividido em 203 sessões, quando foram ouvidas 167 testemunhas.

Inédito na Igreja: um Papa testemunha a santidade de outro

Também foram adquiridos novos depoimentos extrajudiciais de outras 21 testemunhas, com referência particular ao período do pontificado e à morte de João Paulo I. Dentre eles estava o testemunho da Irmã Margherita Marin, que viveu um mês com João Paulo I junto com as outras três irmãs que cuidavam do apartamento papal e do Papa Bento XVI, que assume um papel inteiramente excepcional. É a primeira vez na história da Igreja que um Papa dá um testemunho face a face sobre outro Papa.

Em 8 de novembro de 2017, o Papa Francisco autorizou a publicação do Decreto sobre as virtudes heroicas do Papa Luciani, que assim se tornou “Venerável”. Em 13 de outubro de 2021, o Papa Francisco autorizou o Dicastério a promulgar o decreto sobre o milagre de uma menina em 2011 cujo quadro clínico era gravíssimo, sofria de epilepsia refratária grave e choque séptico e conseguiu se recuperar após o pedido de um padre (Pe. José Dabusti, também presente na coletiva) que rezou, pedindo a intercessão de João Paulo I. O conselho médico do mesmo Dicastério já havia reconhecido, por unanimidade, que esta é uma história inexplicável para a ciência. “Foi o passo que abriu o caminho para a beatificação que estamos prestes a celebrar”, explicou o cardeal.

Após recordar as etapas do processo, Cardeal Beniamino Stella pediu licença para dar seu próprio testemunho a respeito de Albino Luciani, que conheceu como seminarista e depois como sacerdote. “Foi meu bispo e dele tenho a melhor lembrança: homem de oração assídua e profunda, escuta atenta e capaz de apoio humano e espiritual, como pastor de sacerdotes e povo de Deus”.

O postulador destacou um último elemento em sua colocação: o ensinamento do bispo Albino Luciani sobre a dimensão universal da Igreja, a importância do amor generoso e da obediência incondicional ao Sucessor de Pedro, além do valor da unidade e da comunhão episcopal.

Dom Davide Fiocco – representante da diocese italiana de Belluno-Feltre

Representante da diocese italiana de Belluno-Feltre, região diocesana onde Albino nasceu e também onde foi aberto o processo de beatificação, Dom David recordou a pequena dimensão da diocese, com cerca de 180 mil habitantes.

Durante a cerimônia de beatificação, uma relíquia de Albino Luciani será entregue ao Papa Francisco. É o esboço de uma reflexão de Luciani de 1956 sobre as três virtudes teologais, que foi retomada nas audiências de setembro de 1978. Após a beatificação, a relíquia com o relicário será guardada na Catedral de Belluno, onde Albino Luciani serviu de 1943 a 1958 e onde, em 23 de novembro de 2003, foi aberta solenemente a Causa de Beatificação e Canonização.

Dom Fiocco recordou também as raízes da santidade de João Paulo I. Ele voltou ao contexto da comunidade paroquial de origem de Albino, pano de fundo que o forjou como um grande servo de Deus e comunicador. Como recordou, Albino viveu entre os séculos XIX e XX, anos difíceis, marcados pela emigração, pela Primeira Guerra Mundial e por uma economia de subsistência.

No domingo, 11 de setembro, está marcada a celebração de ação de graças na praça da cidade natal, Canale d’Agordo. Será presidido pelo Patriarca de Veneza com os bispos de Belluno-Feltre e Vittorio Veneto ao lado. No próximo outono, os vicariatos em que a diocese está dividida foram convidados a organizar uma peregrinação à sua cidade natal.

Obras na catedral de Belluno

As obras de adaptação litúrgica da catedral de Belluno, como explicou Dom Fiocco, entraram em fase de execução: é a igreja em que Luciani serviu durante 15 anos. Em 1980, foi elevada à categoria de basílica menor por João Paulo II, em homenagem ao seu antecessor. A própria beatificação deu impulso a este projeto artístico.

O Centro Papa Luciani em Santa Giustina também ganhará força, estrutura nascida há 40 anos como centro de evangelização. “Em sintonia com o espírito de ‘Dom Albino’, nossa diocese não dedicou um monumento a ele, mas lugar de catequese e formação cristã”, explicou.

Testemunho de Lina Petri

Lina Petri é filha de Antonia Luciani, irmã do Papa João Paulo I. Albino tornou-se bispo quando ela tinha apenas dois anos de idade. Em sua fala, durante a coletiva, ela recordou os poucos momentos com o seu tio, mas muito significativos. Durante a juventude, ela o recebia em casa em poucos momentos, em visitas repentinas e curtas. Ela conta que conheceu mais o tio naqueles anos através das histórias que sua mãe contava.

A proximidade com o tio de deu a partir dos 15 anos de idade, quando ele a convidou para passar alguns dias durante as férias de Natal no patriarcado em Veneza. “Esses dias marcaram o início de uma amizade para mim. Assim, durante os anos do ensino médio e da universidade, de 1970 a 1978, fui muitas vezes visitá-lo em Veneza. Convidou a visitá-lo sempre que quisesse. Ele perguntava sobre meus problemas, ele estava interessado em meus estudos”.

A sobrinha destacou a austeridade e simplicidade do tio, e disse saber que, no patriarcado de Veneza, além dos móveis “históricos”, não havia nada suntuoso ou de particular valor. “Mas você – nos dizia – quando morrer não levo nada, mesmo que sejam coisas que tenha comprado do meu próprio bolso.” Ela conta ainda que ele se vestia de forma extremamente sóbria e a roupas e lençóis gastos só desapareciam quando a freira que cuidava se seus pertences se desfazia.

O adeus

Lina relatou também o último encontro com o tio em Veneza, em agosto 1978, durante suas férias com amigos da universidade. “Durante o jantar, contei a ele sobre a morte de um amigo meu da universidade, vítima de leucemia. Lembro-me de seu rosto me dizendo que devemos estar sempre prontos, porque a morte pode chegar a qualquer momento: ‘O importante está sempre com o Senhor’ ele me disse naquela noite, que também era uma frase habitual com que me saudava. “

Naquela mesma noite, Lina conta que Albino soube que o Papa Paulo VI havia piorado em sua saúde. Como simples fiel, ela também esteve presente na Missa de tomada de posse como Papa em São João de Latrão, no dia 23 de setembro. “No mês de seu pontificado, o comportamento sereno e sábio do tio permaneceu o mesmo de sempre. “

A sobrinha do Papa recordou, por fim, a última vez que viu Albino, já morto, deitado em sua cama após a morte. Em seu quarto no apartamento papal, sobre uma escrivaninha um sinal de amor a Deus e à família. “Havia apenas um crucifixo e uma fotografia de seus pais, meus avós maternos, segurando minha prima Pia, sua primeira neta”, concluiu.

Testemunho da Irmã Margherita Marin

“Vi João Paulo I pela primeira vez dois dias depois de sua eleição, junto com outras irmãs de nossa comunidade chamadas para prestar assistência no apartamento pontifício”. Assim teve início o testemunho da freira que até então não conhecia o Papa de perto e cuidou do bengaleiro e da sacristia.

A irmã relatou o respeito, atenção e simplicidade com os quais o Papa João Paulo I tratava as religiosas, convidando-as, inclusive, para participar da missa diária que presidia. Ela relatou a serenidade do João Paulo I durante seu breve pontificado. “Durante esse mês sempre o vi calmo, sereno, seguro. Parecia que ele sempre tinha sido Papa, mesmo na oração se podia ver que ele estava unido ao Senhor. Ele sabia tratar seus colaboradores com muito respeito, pedindo desculpas por incomodá-los. Nunca o vi ter gestos de impaciência com ninguém, nunca. Ele era amigo de todos”.

O último dia do Papa

Irmã Margherita contou que o último dia de João Paulo I foi como os outros. “Pela manhã, entrou na capela para rezar no horário habitual e celebrou conosco a Santa Missa às sete. Tomou o café da manhã normalmente, depois parou um pouco para ler os jornais, depois desceu para as audiências matinais. Por volta das 11h30 voltou a subir ao apartamento e lembro-me que veio à cozinha, como fazia muitas vezes, pedir-nos um café: ‘Irmãs, quero um café? Vocês poderia me fazer um café?’.

Ele tomou o café e depois foi para o escritório. Almoçou com as secretárias e depois retirou-se para o habitual descanso da tarde. Naquela tarde, ele ficou em casa e não recebeu ninguém porque estava preparando um documento para os bispos. A religiosa conta que, após o jantar, o Papa recebeu um telefonema do Cardeal de Milão, com quem conversou cerca de 30 minutos. Depois foi até as irmãs para se despedir antes de se retirar para o seu escritório.

Irmã Margherita encerrou se testemunho contando o último aceno de João Paulo antes de sua morte. “Ainda guardei na memória um detalhe daquele momento: estávamos todos juntos na sala de estar com a porta aberta, a porta estava bem em frente à do gabinete privado, e quando, depois de já nos ter saudado, o Santo Papa estava na porta do escritório, ele se virou mais uma vez e nos cumprimentou novamente, com um aceno de mão, sorrindo… Parece que o vejo ainda ali na porta. Sereno como sempre. É a última imagem que carrego dele”, encerrou.

Padre Juan José Dabusti, que rezou pedindo a intercessão de João Paulo I para a miraculada

Para o sacerdote, três linhas se cruzam para tecer esse milagre de Deus que teve como intercessor o Papa Luciani, uma linha histórica; uma linha espiritual; uma linha eclesial.

“Estas três linhas que se encontram estão incluídas neste simples testemunho para contar naquela noite de 22 de julho de 2011 quando fui chamado por uma mãe, Roxana, para ir ao leito de sua filha moribunda. E olhando para ela naquelas condições me inspirei recorrer a João Paulo I para pedir a cura de sua filhinha, e junto com ela e algumas enfermeiras presentes, rezei a ele”.

O padre explica que até aquele momento nunca havia orado a João Paulo I por uma cura, mas sua figura estava muito relacionada à sua vocação. “Em agosto de 1978, com apenas 13 anos e no início da adolescência, fiquei realmente impressionado com a eleição e a pessoa do Papa Luciani: vi que era muito simples e muito feliz. Esses dois traços chamaram minha atenção e despertaram minha admiração, sobretudo, minha afeição espontânea por ele”.

A morte súbita do Papa Luciani também causou grande impacto naquele garoto e ele cresceu pedindo sua intercessão no discernimento vocacional. “Tenho certeza de que Albino Luciani foi um misterioso pai espiritual e um silencioso mas eficaz intercessor para mim na decisão de abraçar a vocação sacerdotal. Ao longo dos anos, tendo me tornado sacerdote em 1991, a presença de João Paulo I sempre teve seu lugar na minha espiritualidade”, revelou.

A mãe da miraculada

As linhas histórica e eclesial, como conta o sacerdote, começaram a se fundir no outono de 2011, em uma paróquia no centro de Buenos Aires. “Naqueles meses notei uma senhora que vinha rezar com frequência e em várias ocasiões, ao meio-dia, participava da Eucaristia. Era Roxana Sosa. Sua filha de 11 anos foi levada em estado grave para o centro de saúde próximo à paróquia. (…) Fui aos quartos daquele hospital, visitando os doentes e suas famílias, quando fui chamado até eles”.

A senhora Roxana contou ao padre sobre a grave doença que sua filha Candela tinha: uma epilepsia refratária maligna. Ele começou, a partir dali, a orar e pedir orações por ela e várias vezes a visitou na UTI pediátrica onde a menina foi entubada. A menina Candela contraiu um vírus no hospital. Teve pneumonia, choque séptico e os médicos não achavam que ela sobreviveria à noite. A mãe mais uma vez chamou o padre para ir rezar mais uma vez, para abençoá-la.

“Juntos fomos ao hospital e entramos na unidade de terapia intensiva. (…) Nos aproximamos do corpo de Candela, que estava em posição fetal, pesando não mais que 19 quilos”. A partir deste momento entrou a terceira linha que, para o padre, é um mistério. “Por que propus a Roxana que ela orasse a João Paulo I ali para interceder pela vida e cura de Candela? Não sei. Foi o Espírito Santo”, acredita.

“Então, juntos, ela, eu e duas enfermeiras presentes colocamos as mãos no corpo de Candela e eu rezei espontaneamente. Não me lembro exatamente das palavras que disse. Pedi ao Senhor, por intercessão de João Paulo I, que curasse Candela”.

No dia seguinte, Roxana foi à paróquia e disse ao padre Dabusti que sua filha não só havia passado a noite, mas que havia sinais claros de melhora. Dias e semanas se passaram e Candela continuou sua recuperação, mas eles perderam o contato porque ela teve alta e voltou para casa. “Sempre mantive esse fato vivo. Internamente estava certo de uma intervenção especial de João Paulo I”.

Silêncio providencial

Padre Dabusti contou que as coisas permaneceram em um “silêncio providencial” até o final de 2014, quando encontrou novamente a menina e sua mãe na paróquia. “Foi uma grande alegria para mim ver uma menina de quase 15 anos cheia de vida que não reconheci e sua mãe”.

A mãe queria que Candela conhecesse o padre que rezou por sua cura. “Naquela tarde, perguntei a Roxana se ela se lembrava por quem oramos. E depois acrescentei: ‘Parece-me que um dia teremos de denunciar este facto maravilhoso’”, concluiu o padre.

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