IGREJA CATÓLICA

Cardeal Parolin apresenta livro sobre magistério de João Paulo I

O livro foi editado por Stefania Falasca e Flavia Tudini, e conta a história dos curtos 34 dias de pontificado de João Paulo I

Cardeal Pietro Parolin / Foto: Vatican News

Da redação, com Vatican News

Um magistério interrompido por uma morte inesperada, mas que permanece gravado na história por sua clarividência e pelo caráter de profecia que emerge preponderantemente nestes tempos sombrios feridos pelas guerras. Tendo como pano de fundo a Veneza, que viu Albino Luciani como patriarca por quase dez anos, visível através das janelas da Sala Baratto em Ca’ Foscari, o cardeal Pietro Parolin relembra o ensinamento e a mensagem compartilhados por João Paulo I com a Igreja e o mundo durante seus 34 dias de pontificado. Um magistério de “rigorosa atualidade”, afirma o Secretário de Estado, presidente da Fundação vaticana dedicada ao Pontífice vêneto beatificado por Francisco em 4 de setembro de 2022. Na prestigiosa universidade lagunar, Parolin apresentou, na tarde desta terça-feira, 23 de maio, o livro “O magistério de João Paulo I”, um volume cujo subtítulo resume o trabalho preciso e escrupuloso realizado pelas editoras Stefania Falasca, jornalista e vice-presidente da Fundação João Paulo I, e Flavia Tudini, professora da Universidade Roma Tre: Um estudo histórico e teológico através de documentos de arquivo.

Papa João Paulo I / Foto: Reuters

Um estudo sobre os documentos de arquivo

São precisamente esses documentos de arquivo — o conjunto de escritos autógrafos e material documental de 1929 a 27 de setembro de 1978, hoje mantidos pela Fundação — que ajudaram, nos últimos anos, a aprofundar, também em nível internacional, a pesquisa, os estudos e a divulgação do legado teológico, eclesial, cultural e espiritual de Luciani, superando todas as fake news e narrativas noir que marcaram sua vida e, acima de tudo, seu pós-morte. Um patrimônio que já estava no centro da Jornada de Estudos dedicada ao Magistério de João Paulo I em 13 de maio do ano passado, realizada em colaboração com o Departamento de Teologia Dogmática da Pontifícia Universidade Gregoriana. Foi precisamente a partir da memória daquele dia, saudado pelo Papa Francisco em uma mensagem como “uma válida contribuição voltada a aprofundar as características peculiares do pensamento e do Magistério do meu venerável Predecessor, tal como emergem da documentação de arquivo”, que se desdobrou o discurso de Parolin: “de fato, a conferência teve como objetivo percorrer e aprofundar, a partir das fontes, as principais linhas do magistério de João Paulo I, começando pelos seis ‘queremos’ da mensagem Urbi et orbi pronunciada no dia seguinte à sua eleição, 27 de agosto de 1978, e declinadas em programa do pontificado”.

A paz como prioridade

Pontificado, enfatiza o cardeal Secretário de Estado, do qual a paz foi um dos fios condutores, como afirma Falasca em seu prefácio ao livro: “Justamente a promoção da reconciliação e da fraternidade entre os povos, convidando à colaboração para a edificação, o aumento tão vulnerável da paz no mundo conturbado e a contenção dos nacionalismos, como no seio das nações a violência cega que só destrói e semeia apenas escombros, é – junto com o empenho ecumênico e inter-religioso, documentado pela agenda densa de audiências com os representantes das Igrejas não católicas – colocado como prioridade no discurso programático de João Paulo I”.

Seu olhar, que nos tempos bélicos de hoje parece profético sobre as feridas e os males do mundo, vem da fé do povo cristão ao qual Albino Luciani pertencia, disse Parolin em seu discurso em Ca’ Foscari. Em particular, ele recorda os numerosos apelos em favor da paz no Oriente Médio, principalmente o que foi feito no final do Angelus de 10 de setembro de 1978, no qual o Papa João Paulo “convidou os líderes de diferentes religiões a rezarem pela paz, citando também o Alcorão juntamente com as Sagradas Escrituras”.

Apoio às conversações de Camp David

A atividade de promoção da paz, ressalta o purpurado, se concretizou sobretudo por ocasião das conversações de paz que, de 5 a 17 de setembro, envolveram o presidente estadunidense Jimmy Carter, o presidente egípcio Anwar el Sadat e o primeiro-ministro israelense Menachem Begin em Camp David, em 1978. Luciani deu total apoio a essas conversações e, na audiência geral de 20 de setembro, aludindo com os fiéis os aplausos do Congresso estadunidense à citação de Carter das palavras de Jesus, “Bem-aventurados os pacificadores”, expressou o desejo “de que esses aplausos e essas palavras entrem nos corações de todos os cristãos, especialmente de nós, católicos, e nos tornem verdadeiramente agentes de paz e pacificadores”.

Além disso, já na primeira audiência geral de 6 de setembro de 1978 sobre o tema da humildade, lembra Parolin, o Papa Luciani havia confiado o êxito do encontro em Maryland às orações dos presentes: “Uma intenção que me está muito a peito. Que essas conversações preparem o caminho para uma paz justa e completa”. “Justa”, enfatizara significativamente o Papa enfatizou significativamente, ou seja, para a “satisfação de todas as partes do conflito”; “completa”, ou seja, sem deixar “sem solução” nenhuma questão: “o problema dos palestinos, a segurança de Israel, a Cidade Santa de Jerusalém”. Essa dedicação total ao caminho da paz levou a uma pronta resposta, em 17 de setembro, do Presidente Carter, que escreveu ao então Pontífice para informá-lo dos resultados alcançados, declarando que havia recebido grande inspiração de suas orações pela cúpula e pelo Oriente Médio em geral.

Os esforços da Santa Sé

Por fim, em 21 de setembro, o próprio João Paulo I escreveu pessoalmente uma carta ao presidente estadunidense, que concluía com a asseguração de que “a Santa Sé continuará, como no passado, a acompanhar com profundo interesse os esforços para alcançar esse objetivo. Ela está pronta para colaborar com todos os meios possíveis compatíveis com sua atividade. Da mesma forma, continuaremos a elevar nossas orações por aquela paz que é tão necessária para os países do Oriente Médio e para o mundo inteiro”. Palavras que parecem ecoar os incessantes apelos do Papa Francisco pela paz na “atormentada” Ucrânia.

Ainda repercorrendo a história, Parolin recorda à memória coletiva o discurso de Luciani, no dia 4 de setembro também de 1978, aos mais de cem representantes das missões internacionais, no qual o Papa enfatizava que a Igreja, “humilde mensageira do Evangelho a todos os povos da terra”, pode contribuir para “criar um clima de justiça, fraternidade, solidariedade e esperança sem o qual o mundo não pode viver”.

Esperanças e realismo

Durante o discurso do Secretário de Estado, também foi dado espaço ao ensinamento de Luciani sobre a paz no período em que ele foi Patriarca de Veneza, citando algumas passagens significativas do discurso que ele fez em 23 de maio de 1973, por ocasião do décimo aniversário da encíclica Pacem in terris de João XXIII: “Não sejam julgadas nossas esperanças como ‘utópicas’ ou inatingíveis. Realista não é quem acredita que se possa continuar como antes, mas quem percebe ‘o dinamismo de um mundo que quer viver mais fraternalmente'”. Conflitos de interesse entre Estado e Estado, advertira ainda o Pontífice, “sempre surgirão, mas as guerras nunca serão capazes de resolvê-los”. Eis-nos, então, diante de armamentos gigantescos e aterrorizantes. Eles representam um tapa enorme na cara dos cidadãos do Estado, que poderiam ter escolas, hospitais e serviços melhores em vez de armas caríssimas. Mas também são um tapa na cara dos povos subdesenvolvidos privados das ajudas indispensáveis”.

As armas do diálogo e da unidade

Para o cardeal Parolin, essas afirmações do Papa Luciani são “ainda tristemente atuais” e testemunham aquele “aflato” pela concórdia entre os homens que foi a base do breve pontificado de Luciani: um Papa que fez “a Igreja progredir nas sendas daquilo que são os caminhos-mestres do Concílio”: o retorno às fontes do Evangelho e um renovado espírito missionário, a colegialidade episcopal, o serviço na pobreza eclesial, o diálogo com a contemporaneidade, a busca da unidade com as Igrejas cristãs, o diálogo inter-religioso, a busca da paz”. Todos, “armas” eficazes em “uma época conturbada que, ainda hoje, sob os delírios do poder, sob a aridez e a indiferença, esconde uma sede ilimitada de justiça e de paz”.

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