O arcebispo de Yangon e Presidente da Federação da Conferência Episcopal Asiática fala sobre a dramática situação no país após o recente ataque à Catedral de Mandalai
Da redação, com Vatican News
O cardeal Charles Maung Bo, arcebispo de Yangon, diz que a Via-Sacra ainda é vivida hoje em Mianmar (anteriormente conhecida como Birmânia), à medida que a violência aumenta e o país enfrenta uma enorme crise de refugiados.
À medida que a perseguição aos cristãos piora no país, o cardeal Bo faz um apelo enquanto a emergência humanitária piora dramaticamente.
Além disso, nesta Semana Santa, o Cardeal discute como a Igreja em Mianmar está se preparando para a Páscoa, o legado da visita do Papa Francisco em 2017 a Mianmar e seus contínuos apelos pela paz na nação, bem como o que dá esperança ao Cardeal Bo em meio a um situação de desânimo.
Cardeal Bo — Eminência, o senhor chamou a situação em Mianmar de “uma prolongada Via-Sacra”, um ano após o golpe militar que interrompeu abruptamente o caminho para a democracia. Em tal clima, como a Igreja em Mianmar está se preparando para a Páscoa?
Vatican News — A Via-Sacra ainda é vivida hoje pelo povo de Mianmar. Ainda estamos no Gólgota no Calvário. Ainda na noite de sexta-feira passada, enquanto os fiéis rezavam a Via-Sacra na Catedral de Mandalai, soldados entraram naquele lugar sagrado com suas armas e aterrorizaram as pessoas. Os sofrimentos de Cristo são revividos agora pelas vítimas da guerra, os refugiados, as viúvas que choram e as crianças deixadas sem pai, os rapazes e moças que morrem nas selvas de Mianmar. Lamentamos que não tenhamos conseguido resolver esses conflitos por nosso próprio poder — que nossos esforços pela paz sejam até agora em vão. Deus sofre em Seu povo. A dor das últimas horas de Jesus se reflete nos olhos e nos corações das mães cujos filhos e maridos morrem em Mianmar e na Ucrânia. Eles vivem agora a Via-Sacra. Até mesmo Jesus clamou em oração ao Pai naquele momento para que esta hora pudesse passar por Ele: “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?” Mas Ele se submeteu e continuou até o fim. Podemos não ser tão fortes. Clamamos ao Pai para perguntar por que Ele permite o mal que está destruindo nossa nação, permitindo que o povo de Mianmar sofra sem fim. Na fé, temos a certeza de que a Via Dolorosa, a Via-Sacra, é o caminho pelo qual Deus vence o mal e traz a paz. As orações do povo durante esta Semana Santa são sinceras. Eu não posso acreditar que Deus está se fazendo de surdo ao Seu povo sofredor.
Cardeal Bo — Como você descreveria a situação da Igreja Católica birmanesa neste período?
Vatican News — Todos em Mianmar estão vivendo um momento de grande estresse, budistas, muçulmanos e cristãos. Os conflitos armados estão ocorrendo em pelo menos quatro frentes, no leste, norte, noroeste e centro de Mianmar. Mas mesmo para aqueles que não testemunham execuções extrajudiciais ou têm suas casas e comunidades destruídas, todos são afetados pelo colapso da economia e dos serviços básicos. Mais da metade da população está reduzida à pobreza e os preços dos alimentos estão subindo. Mas o que as pessoas mais sentem e se ressentem, especialmente os jovens, é que seu futuro lhes é tirado. Tudo isso é um desperdício. Os católicos de Mianmar sofrem tudo isso junto com todos os outros e possivelmente mais porque a maior violência é perpetrada nas comunidades onde as populações cristãs são maiores, tanto católicas quanto protestantes. Já são mais de 15 igrejas e conventos profanados, saqueados ou bombardeados. A estratégia de contrainsurgência dos militares é destruir a base comunitária para que não haja qualquer resistência. Nesta escuridão envolvente de violência e maldade pura, a Igreja não pode suportar falar de vingança e mais violência. Temos implorado consistentemente por reconciliação. Embora entendamos a profunda decepção da juventude, estamos profundamente preocupados com os múltiplos grupos armados, sem liderança ou uma estratégia comum. Em áreas onde as Forças de Defesa Popular (PDF) desorganizadas operam sem objetivos claros, a violência retributiva brutal do exército está ocorrendo, infelizmente, deslocando milhares.
Cardeal Bo — Dada a situação em Mianmar, há algum apelo pascal que o senhor acredita que precisa ser feito?
Vatican News — Como Jesus disse aos fariseus sobre Seus discípulos: “Se eles ficarem calados, as próprias pedras clamarão”. Sim, há um apelo, mas nos perguntamos se alguém está ouvindo. Dada a guerra na Ucrânia, entendemos que a atenção do mundo está em outro lugar, mesmo que os crimes cometidos aqui sejam os mesmos, com as mesmas armas de destruição russas. Nosso primeiro apelo é pela paz. Nosso apelo é dizer basta! Pare a matança e a brutalidade obscena! Além disso, nosso apelo é para aqueles que precisam desesperadamente de comida, abrigo e assistência médica. As principais agências humanitárias estão aqui no país, mas não têm acesso às pessoas que precisam de seu apoio. No mínimo, dar acesso à assistência humanitária. Nós, a Igreja Católica, tentamos ajudar, com nossos próprios recursos. Tememos que a Caritas Internationalis agora volte sua atenção para a Ucrânia e não possa ajudar outras vítimas da guerra.
Cardeal Bo — A crise política na Birmânia resultou em uma grande onda de refugiados. Que mensagem você deseja passar a eles?
Vatican News — Eles são os únicos a dar uma mensagem. O que não perderam tudo são aqueles a quem devemos ouvir. Mesmo em seu caminho à cruz, Jesus parou para dar atenção às mulheres de Jerusalém. Devemos fazer o mesmo, ouvindo a mensagem que todo o mundo deveria ouvir. O mais recente relatório das Nações Unidas indica que há 520 mil pessoas recém-deslocadas, além das 370 mil já expulsas de suas casas. Eles têm uma mensagem para os líderes do mundo. Recentemente, viajei para o estado de Kayah para ouvir os deslocados, mas os controles e o tempo eram tais que só pude conhecer alguns deles. Minha mensagem para eles é que eu quero ouvi-los, entender seu sofrimento, saber seu relato sobre o que aconteceu com eles.
Cardeal Bo — O que o senhor vê como responsável ou a que credita as vocações florescentes no continente asiático?
Vatican News — As vocações estão florescendo no subcontinente, especialmente na Índia e em alguns bolsões do Sudeste Asiático, como o Vietnã. Mas não podemos dizer que eles estão crescendo em todos os lugares. Aqui em Mianmar, nossos seminários foram interrompidos pela Covid-19 e pelo conflito. Mas o exemplo das irmãs em cuidar das pessoas neste momento é uma grande inspiração para os jovens. A profunda fé das pessoas neste tempo de provação é impressionante.
Cardeal Bo — O Santo Padre visitou Mianmar em 2017. Como o legado dessa visita papal pode ajudar seu país a recuperar a unidade e retomar o caminho para a liberdade?
Vatican News — Papa Francisco lembra o povo de Mianmar. Ele já nos mencionou dez vezes em mensagens calorosas de consolo e desafio. Ele mantém Mianmar perto de seu coração. Muitos sacrificaram muito para vir a Yangon vê-lo em 2017. Foi um momento de solidariedade para a Igreja de Mianmar. O Santo Padre sentiu grande compaixão também pelos refugiados de Mianmar que conheceu em Bangladesh. Sua atenção aos refugiados é uma lição para nós, que retomaremos nosso caminho para a liberdade se prestarmos atenção aos nossos irmãos e irmãs que sofrem.