Relatório 2023

ACN: perseguição religiosa atinge mais da metade da população mundial

No Brasil o 16° Relatório sobre a liberdade religiosa no mundo foi divulgado nesta sexta-feira, 23, pela ACN

Da redação, com informações da ACN

Uma bíblia na Igreja Católica de São Francisco Xavier, em Owo, estado de Ondo, sudoeste da Nigéria, onde fiéis foram atacados por homens armados durante a missa de domingo, em 6 de junho de 2022 /Foto: REUTERS – Temilade Adelaja

A Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (ACN) divulgou nesta sexta-feira, 23, no Brasil, seu 16° Relatório sobre a liberdade religiosa no mundo. A apresentação do documento aconteceu às 10h (horário de Brasília), em São Paulo, no Teatro Paulinas. O arcebispo de São Paulo, Cardeal Odilo Scherer, e o bispo de Cachoeiro de Itapemirim (ES), Dom Luiz Fernando Lisboa, estiveram presentes. 

Dom Luiz foi bispo da Diocese de Pemba, localizada na capital de Moçambique, de 2013 à 2021, e discursou durante o evento. O bispo comentou o período violentou que viveu no país (a partir de 2017) e situações de perseguição enfrentadas pela Igreja Católica. Ele agradeceu a ACN pelo apoio dado durante este tempo que esteve em Pemba.

Sobre o documento, uma análise feita de janeiro de 2021 até dezembro de 2022, é importante destacar o contexto global em que ele foi elaborado: um clima tenso, com consequências da pandemia de Covid-19, da guerra na Ucrânia, além das preocupações militares e econômicas em torno do Mar da China Meridional e pelo rápido aumento do custo de vida no âmbito mundial.

Segundo dados conclusivos da ACN, a liberdade religiosa foi violada em países onde vivem mais de 4,9 bilhões de pessoas. O documento considerou 61 países onde os cidadãos enfrentaram graves violações da liberdade religiosa e os dividiu em categorias, além da classificação “em observação”.

Categorias

A categoria vermelha denotou a existência de perseguição em 28 países, Neles vivem 4,03 bilhões de pessoas que, no seu conjunto, constituem mais de metade (51,6%) da população mundial. Destes 28 países, 13 situam-se na África, onde em muitas regiões a situação se deteriorou fortemente.

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A categoria laranja sinalizou a existência de discriminação. Nela constam 33 países, onde vivem quase 853 milhões de pessoas. A situação piorou em 13 destes países.

Países marcados com as categorias (vermelha e laranja) /Imagem: Reprodução ACN

A classificação “em observação” incluiu países onde foram observados fatores de preocupação emergentes que têm o potencial de causar uma ruptura fundamental na liberdade religiosa. Os mapas da Análise Regional identificaram esses países com o símbolo de uma lupa.

Em todas as classificações, a ACN alertou que podem ocorrer crimes de ódio e crimes de atrocidade. Esses incidentes são considerados uma violação da liberdade religiosa. Os países restantes não foram classificados, mas, de acordo com o relatório, isso não significa necessariamente que tudo seja perfeito em termos de liberdade religiosa.

Perseguição intensa mais concentrada e aumento da impunidade

O relatório indicou que durante o período em análise, a perseguição intensa se tornou mais aguda e concentrada, e a impunidade aumentou. Essa perseguição incluiu violações extremas do artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião.

No âmbito mundial, a manutenção e a consolidação do poder nas mãos de autocratas e de líderes de grupos fundamentalistas conduziu a um aumento das violações de todos os direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa.

O relatório indicou que uma combinação de ataques terroristas, destruição de patrimônio e símbolos religiosos (Turquia, Síria), manipulação do sistema eleitoral (Nigéria, Iraque), vigilância em massa (China), proliferação de leis anticonversão e restrições financeiras (Sudeste Asiático e Oriente Médio) aumentou a opressão de todas as comunidades religiosas.

Os casos “híbridos” de perseguição “educada” e sangrenta se tornaram mais frequentes. Eles ocorreram na maior parte dos casos sem protesto. Os governos aplicaram leis controversas que restringiram a liberdade de religião ou discriminaram certas comunidades religiosas (cf. leis anticonversão). Simultaneamente, os ataques violentos contra as pessoas da religião “errada” foram “normalizados” e, na maior parte dos casos, não foram objeto de processos judiciais (América Latina). Esta situação também se verificou nos países ocidentais, mas o recurso à justiça foi mais fácil.

Imagem: Reprodução ACN Brasil

Silêncio da comunidade internacional

Um aumento do número de comunidades religiosas majoritárias que são objeto de perseguição foi constatado. Até a data, a maioria dos grupos religiosos perseguidos pertencia a comunidades religiosas minoritárias. O relatório frisou que cada vez mais comunidades religiosas majoritárias estão sendo perseguidas na Nigéria e na Nicarágua.

Uma reação cada vez mais silenciosa da comunidade internacional às atrocidades cometidas por regimes autocráticos “estrategicamente importantes”, na China e na Índia, demonstrou uma cultura crescente de impunidade. Países importantes, como a Nigéria e o Paquistão, escaparam a sanções internacionais e a outros castigos na sequência de revelações de violações da liberdade religiosa contra os seus próprios cidadãos.

Ascensão de “califados oportunistas”

A ascensão de “califados oportunistas” também foi verificado pelo relatório. Durante o período em análise, as redes jihadistas transnacionais na África mudaram a tática. Gradualmente, passaram da conquista e defesa de territórios fixos para ataques rápidos com o objetivo de criar comunidades isoladas em zonas rurais mal defendidas, zonas (de preferência) com recursos minerais.

As estratégias tradicionais de matar e roubar deram lugar a uma tendência para impor impostos e comércios ilegais, dando origem a um Estado dentro do Estado. A insegurança e a falta de controle governamental conduziram a revoltas e golpes militares – dois no Mali e um em Burkina Faso.

Tendências divergentes nas comunidades muçulmanas

As tendências divergentes no seio das comunidades muçulmanas se tornaram mais visíveis, apontou a ACN. Jovens foram cada vez mais atraídos pelas redes terroristas e criminosas islamistas. Por outro lado, pesquisas recentes no Irã revelaram que um número crescente de muçulmanos passou a se identificar como não religioso.

Também houve um aumento da perseguição dos muçulmanos por outros muçulmanos. Na China, prosseguiram as perseguições brutais contra os uigures, tendo os muçulmanos da Índia e de Mianmar foram igualmente objeto de discriminação e perseguição. Foram também registrados incidentes crescentes de perseguição intramuçulmana entre sunitas e xiitas (Hazara no Afeganistão), entre interpretações muçulmanas nacionais e “estrangeiras”, bem como entre formas dominantes e as chamadas “divergentes” do Islã (ahmadi no Paquistão).

Agressões contra os judeus

Os relatos de agressões contra a comunidade judaica no Ocidente aumentaram após os confinamentos relacionados com a Covid-19. Os crimes de ódio antissemitas comunicados nos países da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) aumentaram de 582 em 2019 para 1367 em 2021.

Sequestros, violência e escravidão sexual

Os sequestros, a violência sexual, incluindo a escravidão sexual e a conversão religiosa forçada, continuam ocorrendo e permanecem em grande parte impunes (África Ocidental, Paquistão), denunciou a ACN.

Os sequestros e o tráfico de seres humanos foram alimentados pelo agravamento da pobreza e pelo aumento dos conflitos armados. Em dezenas de países, as mulheres e as meninas das minorias religiosas sofreram especialmente com esta forma de violência.

Redes sociais e cultura do cancelamento no Ocidente

O aumento do controle, incluindo a vigilância em massa, teve impacto nos grupos religiosos. No Ocidente, indicou o relatório, as redes sociais foram utilizadas para marginalizar e visar grupos religiosos. Estes desenvolvimentos minaram as liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de consciência, de pensamento, de religião, de expressão, de movimento e de reunião.

No Ocidente, a “cultura do cancelamento”, incluindo o “discurso forçado”, evoluiu do assédio (verbal) de indivíduos que, por razões religiosas, têm opiniões diferentes, para incluir ameaças legais e perda de oportunidades de emprego. Os indivíduos que, devido à sua fé, não conseguiram expressar posições que apoiassem especificamente pontos de vista em conformidade com as exigências ideológicas prevalecentes (“cultura do cancelamento”) foram ameaçados com sanções legais. As redes sociais foram um fator importante de impulso a esta tendência.

Legislação anticonversão

A ACN frisou a proliferação de uma legislação anticonversão, bem como iniciativas de reconversão que oferecem benefícios econômicos aos que aderem à religião majoritária ou a ela regressam na Ásia e norte da África.

As provas recolhidas revelaram a existência de nova legislação e uma aplicação mais severa das leis anticonversão existentes nos casos em que a maioria religiosa procurou consolidar o poder político.

Os esforços renovados de reconversão ofereceram privilégios econômicos aos membros que se reconvertessem. Inversamente, estes benefícios foram retirados aos convertidos, comprometendo o bem-estar de toda a família em regiões afetadas pela pobreza.

Ataque a líderes religiosos

Um aumento dos ataques a líderes religiosos e membros da Igreja por grupos criminosos organizados na América Latina foi registrado.

Os representantes religiosos, defensores dos migrantes e de outras comunidades desfavorecidas, foram visados – sequestrados e até assassinados – por se manifestarem contra os grupos criminosos e tomarem medidas concretas.

Dados positivos

O relatório também apresentou dados positivos sobre a liberdade religiosa. Um deles é a participação recorde em celebrações religiosas populares após o confinamento da Covid-19. Após três anos de suspensão e restrições na maior parte das regiões do mundo, o regresso das grandes celebrações religiosas – expressões públicas da religiosidade popular – atraiu milhões de fiéis.

As iniciativas de diálogo inter-religioso também aumentaram. O Papa Francisco e outros líderes da Igreja em todo o mundo ampliaram o seu alcance a outras comunidades religiosas. Os líderes religiosos da Indonésia, Nahdlatul Ulama, intensificaram o diálogo com os seus homólogos hindus e, no G20, foi criado um grupo permanente sobre religião, envolvendo outras comunidades religiosas importantes.

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