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Reflexão sobre a nova exortação

Laudate Deum: cuidar da Terra é cuidar do amor infinito de Deus, diz bispo

Dom Vicente Ferreira comenta os principais pontos da última Exortação Apostólica do Papa Francisco; “Primeiro passo para a mudança é não ignorar o que está acontecendo”, afirma

Julia Beck
Da redação

Foto: NASA via Unsplash

A Exortação Apostólica Laudete Deum, publicada na última semana, está sendo apreciada pela Igreja. Com seis capítulos e 73 parágrafos, o novo documento do Papa, focado nas questões climáticas, havia sido anteriormente anunciado como uma continuação da Encíclica Laudato Si’ (datada de 2015, terceiro ano do pontificado de Francisco), que já antecipava uma preocupação com a Terra e os pobres.

Diante da urgência e atualidade do assunto, o bispo da Diocese de Livramento de Nossa Senhora (BA) e presidente da Comissão de Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Vicente Ferreira, concedeu uma entrevista ao nosso site comentando os principais pontos deste documento. De acordo com ele, foi até o momento “sua reflexão mais bem elaborada sobre a Laudate Deum”. Confira:

noticias.cancaonova.com – Na última quarta-feira, 4, a Santa Sé divulgou a nova Exortação Apostólica do Papa Francisco: a Laudate Deum. Muito se disse que este novo documento seria uma “atualização” da Encíclica “Laudato si” (2015). De forma contundente, como estes dois documentos estão relacionados?

Dom Vicente Ferreira – Depois de oito anos da publicação da Encíclica Laudato Sì, sobre o cuidado de nossa casa comum, o Papa Francisco nos apresentou a Exortação Apostólica Laudate Deum. Há uma conexão entre os dois documentos. Esse último aborda, especificamente, a crise climática como elemento central da grave crise socioambiental que atravessamos. Eu o compreendo como a expansão do grito profético de Francisco a todas as pessoas de boa vontade. As coisas estão piorando e nossas ações ainda são tímidas em relação ao cuidado do planeta. Penso que um texto deve ser lido em sintonia do outro. Eles se complementam.

noticias.cancaonova.com – A Laudate Deum enfatiza a crise climática global, a negação da mesma por muitos e as consequências já sentidas pelo seu agravamento. Antes de ações, o Papa sublinha a necessidade de encarar esse fato enquanto uma realidade. Por que a resistência e confusão atrapalham na organização e realização de ações que minimizem os danos desta crise?

Dom Vicente – A negação de realidades como o aquecimento global tem sido uma estratégia de domínio daqueles que mais concentram as riquezas do planeta. É um tipo de cegueira causada pelo estilo de existência que coloca o lucro acima da vida. Nesse sentido, afirma o Papa: “a lógica do máximo lucro ao menor custo, disfarçada de racionalidade, progresso e promessas ilusórias, torna impossível qualquer preocupação sincera com a casa comum e qualquer cuidado pela promoção dos descartados da sociedade” (Laudate Deum, n. 31). O primeiro passo para a mudança é não ignorar o que está acontecendo. Não há como continuar negando o aumento de tragédias por conta do aquecimento, porque está por todo lado “o desequilíbrio global causado pelo aquecimento do planeta” (Laudate Deum, n. 7). Em 2022, por exemplo, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática mostrou que aproximadamente 3,5 bilhões de pessoas vivem em lugares vulneráveis à mudança climática. Todos os anos, também no Brasil, acompanhamos os dramas das enchentes, das secas, do calor ou das temperaturas muito baixas. Um clima propício é fundamental para nossa sobrevivência.

noticias.cancaonova.com – Em outro ponto da exortação, Francisco cita o crescente paradigma tecnocrático – anteriormente mencionado na Laudato Si. Poderia recordar o que seria essa expressão e o motivo pelo qual o Santo Padre pede que seja repensada a utilização do poder?

Dom Vicente Ferreira /Foto: Arquivo Pessoal

Dom Vicente –  Na Laudato Sì, Papa Francisco revela aspectos contraditórios da tecnologia. Se, por um lado, é um dom de Deus, produto maravilhoso da criatividade humana; por outro lado, ela se torna um perigo quando orientada por um desejo de poder ilimitado. Desse modo, o paradigma tecnocrata é aquele que não leva em conta o limite dos recursos, ao colocar no centro o ímpeto da ganância. Esse domínio da técnica está concentrado nas mãos de poucos poderosos. É um paradigma que cega e está cada vez mais forte; que age em nome de um progresso que está se voltando contra nós porque ele satisfaz apenas uma pequena minoria da população mundial. Entendo que um dos trechos mais dramáticos e realistas da exortação seja precisamente este: “nos últimos anos, pudemos confirmar este diagnóstico, assistindo simultaneamente a um novo avanço de tal paradigma. A inteligência artificial e os recentes progressos tecnológicos baseiam-se na ideia dum ser humano sem limites, cujas capacidades e possibilidades se poderiam alargar ao infinito graças à tecnologia. Assim, o paradigma tecnocrático alimenta-se monstruosamente de si próprio” (Laudate Deum, n. 21). Ou seja, o que poderia estar a nosso favor, tem se tornado um monstro responsável pela degradação da vida humana e de nossa casa comum.

noticias.cancaonova.com –  Neste novo documento o Pontífice menciona a fragilidade da política internacional. Como as crises globais podem ser oportunidades para a introdução de mudanças necessárias?

Dom Vicente –  Recordemos que a Laudato Sì foi publicada em 2015. Nesse mesmo ano aconteceu o acordo de Paris que visava, sobretudo, a diminuição da emissão dos gases de efeito estufa. Ou seja, “o Acordo de Paris apresenta um objetivo importante a longo prazo: manter o aumento das temperaturas médias globais abaixo dos 2 graus centígrados relativamente aos níveis pré-industriais, apostando em todo o caso a descer abaixo de 1,5 graus” (Laudate Deum, n. 48). Quase uma década já se passou e essas metas não foram alcançadas. Infelizmente, o que se nota é que a situação está piorando. Se chegarmos aos 3º C, atingiremos um ponto crítico e de não retorno. Tudo isso revela a fragilidade das políticas internacionais. Nesse sentido, o Papa Francisco sugere que “a médio prazo, a globalização propicia intercâmbios culturais espontâneos, maior conhecimento mútuo e modalidades de integração dos povos que levarão a um multilateralismo «a partir de baixo» e não meramente decidido pelas elites do poder” (Laudate Deum, n. 38). Esse multilateralismo desde baixo tem a ver com o poder democrático que envolve todos os povos e países. Ninguém pode ficar de fora quando o assunto é proteger o planeta terra e nossa vida que nele está habitada. É somente nesse sentido que vejo a crise como possibilidade de mudança. Ou seja, se ela nos convencer de que é preciso construir uma outra civilização, pautada na fraternidade e na defesa da biodiversidade.

noticias.cancaonova.com –  Os progressos e falimentos das Conferências sobre o Clima foram alvos de reflexão do Papa. A partir deste histórico, na opinião do senhor, o que é preciso fazer diferente para que estes eventos sejam mais assertivos?

Dom Vicente –  Essa pergunta me faz lembrar que em 2025 o Brasil sediará a COP 30. Será em Belém, no Pará. Sem dúvida, um evento importante. Preocupa o fato de a gente ver a narrativa de “um capitalismo verde” dominar os debates. Ou seja, pelo visto os grandes empreendimentos como extrativismo minerário, transição energética, agronegócio continuarão defendendo o paradigma tecnocrata. E a exploração continuará. No meu ponto de vista, é precisamente aí que está o equívoco. Essas organizações não escutam os gritos da terra e dos mais pobres. Estão interessadas em manter a produção que visa o lucro. Minha sugestão é que reforcemos as redes populares, dos movimentos eclesiais e sociais. A mobilização das comunidades atingidas e mais vulneráveis, dos povos originários, dos quilombolas, dos defensores da agroecologia, das sabedorias existentes em tantos modos de vida sustentáveis são fundamentais. Do contrário, as elites continuarão dominando. Inclusive, o documento incentiva que nessas conferências haja, ainda mais, grupos com suas manifestações porque “na realidade eles preenchem um vazio da sociedade inteira que deveria exercer uma sã pressão, pois cabe a cada família pensar que está em jogo o futuro dos seus filhos” (Laudate Deum, n. 58).

noticias.cancaonova.com –  Por fim, Francisco dá motivos espirituais para que os fiéis olhem este tema com maior responsabilidade. Quais seriam estes motivos?

Dom Vicente –  Acredito que o primeiro motivo é voltar ao nosso lugar de criaturas. Para isso, necessitamos reconhecer o senhorio de Deus, pois “d´Ele é ‘a terra e tudo o que nela existe’ (Dt 10, 14). A Laudate Deum fala de um antropocentrismo situado. Esse é um segundo fundamento espiritual para nós. Não existimos separados das outras criaturas. “Assim, acabamos com a ideia dum ser humano autônomo, onipotente e ilimitado, e repensamos a nós próprios para nos compreendermos de maneira mais humilde e mais rica” (Laudate Deum, n. 68). Em sua vida terrena, Jesus convidou seus discípulos a contemplarem as belezas da criação. Outro ponto que faz parte de nossa mística cristã é a concepção de que todas as coisas, por serem criadas por Deus, exige de nós um respeito amoroso e cuidadoso. Veja que bela expressão. “O universo desenvolve-se em Deus, que o preenche completamente. E, portanto, há um mistério a contemplar numa folha, numa vereda, no orvalho, no rosto do pobre. O mundo canta um Amor infinito; como não cuidar dele? (Laudate Deum, n. 65). Por fim, o documento conclui convocando-nos a viver um processo de reconciliação com toda a obra criada, pois somos companheiros de viagem e não adversários. Para concluir, creio que a última afirmação tem muito a dizer para nós cristãos católicos. “‘Laudate Deum’ é o título desta carta, porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo (Laudate Deum, n. 73).

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