Data instituída pelo Papa pede atenção aos mais pobres; conheça o testemunho de quem realiza ações solidárias mesmo com desafios da pandemia
Julia Beck
Da redação
O tema do Dia Mundial dos Pobres, que será celebrado neste domingo, 15, “Estende a tua mão ao pobre”, exorta a uma maior atenção e proximidade com os mais necessitados. A tarefa parece difícil diante da pandemia da Covid-19, com as medidas de segurança sanitária como a necessidade de distanciamento social. Mas as limitações não impediram que muitos “estendessem as mãos” aos mais pobres.
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Symone Santiago Novellino e Leila de Lima Pereira Lopes, ambas pertencentes à Catedral São Francisco Xavier, em Itaguaí (RJ), fazem parte do grupo de católicos que não parou os trabalhos de solidariedade mesmo com a pandemia. As mulheres ajudam na arrecadação, preparo e distribuição de marmitas todas as terças e quintas-feiras. O projeto – que já tem cinco anos e é orientado pelo pároco da Catedral, padre Eduardo –, tem a permissão do bispo local, Dom José Ubiratan, e serve de 60 a 70 quentinhas.
Leila explica que, antes da pandemia, um espaço era disponibilizado para que as pessoas em situação de rua pudessem tomar banho, ganhar roupas novas e se alimentar. Com a pandemia, a ação limitou-se apenas à distribuição das quentinhas.
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Em nenhum momento houve a cogitação da suspensão temporária da ação, revela Symone. As pessoas que ajudavam no projeto e pertencem ao grupo de risco passaram a contribuir de outra forma, enquanto o restante prosseguiu com as atividades. “Nós falamos ao padre: vamos continuar, e graças a Deus não deixamos de servir. Claro, com mais cuidados, usando álcool gel, luva e máscara”.
Symone testemunha que essa experiência ajuda na conscientização dos católicos da localidade sobre a importância do serviço. “Quem não vive para servir, não serve para viver. E é verdade. Hoje sei o valor disso. Como é bom servir!”, destaca.
No Dia Mundial dos Pobres do ano passado, a Catedral realizou um almoço para 300 pessoas. Neste ano, por conta da aglomeração, o evento precisou ser suspenso. Para Leila, mesmo com as dificuldades, a data ajuda os católicos a perceberem que os pobres não devem ser lembrados apenas neste dia.
“Como cristãos, devemos ter um olhar diferenciado a todo tempo para com os mais necessitados. O católico que não realiza a caridade e a solidariedade não cumpre as leis de Deus” – Leia de Lima
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A caridade despertada durante a pandemia
Na Paróquia de São Sebastião, localizada em São Sebastião – litoral norte de São Paulo, a produção e distribuição de marmitas nasceu no coração do pároco. Padre Alessandro Henrique Coelho sentiu um grande incômodo ao perceber a enorme quantidade de pessoas em situação de rua durante a pandemia.
Todos os dias, ao locomover-se até a paróquia para celebrar as missas que eram transmitidas pelas redes sociais durante a quarentena, o sacerdote sentia a necessidade de ajudar os que mais precisavam.
Segundo padre Alessandro, o projeto de formação e compromisso concreto realizado pelos padres espiritanos, juntamente com as Irmãs do Bom Pastor e a Fraternidade do Povo de Rua, existente há 40 anos na Diocese de Caraguatatuba, precisou ser suspenso durante a pandemia, já que a maioria de seus voluntários pertenciam ao grupo de risco.
“Eles buscavam responder às necessidades das mulheres em situações de vulnerabilidade realizando atendimentos e acompanhamentos, e contavam com equipes de cozinha que, a partir das 15h, nas segundas, quartas e sextas feiras recebiam pessoas em situação de rua no Centro Comunitário Santa Maria Eufrázia. Lá, essas pessoas tomavam banho, trocavam de roupa, participavam de momentos de oração, círculo bíblico, partilha da palavra e jantavam”, relatou.
Foi então que o sacerdote falou com algumas pessoas que já trabalhavam na comunidade Santa Maria Eufrázia e comentou sobre a possibilidade de ser iniciado o preparo de um almoço para os que mais precisavam. Assim surgiu o projeto das “marmitas solidárias”.
“Nós fizemos marmitas ininterruptamente ao longo de 95 dias. Começamos com a distribuição de 40 marmitas diariamente e chegamos a 110 marmitas. As oferecíamos a pessoas em situação de rua, desempregados e famílias que passavam por dificuldades e não tinham o que comer. Foi um momento muito intenso”, recordou padre Alessandro.
O pároco da Igreja de São Sebastião conta que a Igreja Metodista passou a oferecer o jantar para estas pessoas e foi quando um membro do grupo foi contaminado e faleceu.
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“Os metodistas encerraram os trabalhos e nós passamos a entregar as marmitas não mais diariamente. O comércio havia reaberto e os comerciantes não gostavam da ideia de pessoas ficarem nas praças, se alimentando. Passamos a fazer a entrega das marmitas às 18h nas segundas, quartas e sextas-feiras. Atualmente entregamos de 40 a 50 marmitas”.
Ao entregarem as marmitas, o sacerdote conta que os voluntários conhecem e conversam com as pessoas que recebem a doação. “Escrevemos uma mensagem em cada marmita. Todas saem com mensagens de incentivo, apoio, uma passagem bíblica. Foi uma forma que encontramos de fazer a diferença”
O cuidado com a indiferença
A indiferença, de acordo com padre Alessandro, é o grande inimigo do cristão e do cristianismo já que a grande centralidade da mensagem e da vida de Jesus foi o amor ao próximo. “Ele era o próprio amor de Deus vindo ao encontro da humanidade; então tudo aquilo que foge do amor ao próximo nos distancia da essência e da missão do cristianismo”.
Ao citar a fala do Papa Francisco sobre o “vírus da indiferença”, o sacerdote recordou São João, que afirmava que não adianta amar a Deus que não pode ser visto se não há amor para com os irmãos que são vistos, principalmente os pobres e necessitados.
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“É um grande perigo ser um cristão indiferente à dor do outro porque se teve alguém que não foi indiferente à dor do outro foi Jesus, que assumiu as nossas dores” – Padre Alessandro Henrique
O sacerdote frisa que o Papa tem interpelado os católicos a voltarem às origens da experiência do Evangelho no que diz respeito à atenção que deve se dar aos mais pobres. “Estabelecer um dia, uma jornada – no caso já é a quarta jornada mundial – é uma maneira de sensibilizar o coração dos cristãos para viverem essa experiência tão profunda e necessária na vivência coerente do Evangelho, sendo testemunho do Evangelho no olhar, no cuidado com os mais pobres. É um tema cada vez mais importante e imprescindível”.
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A mensagem do Pontífice desafiou padre Alessandro a olhar com mais atenção para a realidade de sua paróquia. “Constatei que a caridade não é uma opção, mas uma condição. Tenho dito muito isso, tanto a caridade quanto a oração são condições para que uma paróquia seja autenticamente cristã. (…) Estas duas condições são pernas que sustentam o corpo eclesial da Igreja. A oração e a caridade são respectivamente o amor a Deus e ao próximo”.