Artigo-Doutrina Social

Alimento: dom de Deus, direito de todos

Preocupação com a fome e a miséria não é somente da Igreja, mas deveria ser de todas as pessoas de boa vontade, afirma especialista em Doutrina Social da Igreja

Padre Antônio Aparecido Alves*

A Igreja em sua Doutrina Social orienta a prática dos cristãos e de todas as pessoas de boa vontade para que a curto prazo todos tenham acesso a condições dignas de vida e a médio e longo prazos, que se trabalhe para que as estruturas geradoras da miséria e da fome sejam transformadas. “Existe algo que é devido ao homem porque é homem, com base na sua eminente dignidade”, acentuou João Paulo II na Encíclica Centesimus Annus (CA n. 34), referindo-se à lógica do mercado e dizendo que existem certas necessidades humanas que não passam por ela, muito menos ainda deveriam estar a ela subordinadas. A CNBB, fazendo eco deste ensinamento pontifício, afirmou em seu documento Exigências evangélicas e éticas de superação da miséria e da fome que o “o alimento não é direito apenas de quem tem poder de compra, nem só de quem produz, mas direito de todos” (n. 34). O Governo, por isso, tem a obrigação de garantir através de políticas públicas o acesso dos mais vulneráveis socialmente a este direito fundamental, expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos nos artigos III (direito à vida) e XXV (alimentação).

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Eliminar o vírus que produz esta situação

A CNBB, no referido documento, apela para a criação de uma nova mentalidade, onde a cultura individualista que conduz ao egoísmo seja combatida. Ela afirma no documento que estamos diante de um vírus mortal que infecta ricos e pobres, porque os primeiros querem acumular sempre mais, enquanto que estes últimos querem imitar o padrão de vida dos primeiros. “É preciso vencer a mentalidade de apego aos bens materiais e ao consumismo e alcançar a superação da miséria”, afirmam os Bispos (n. 22). Aliás, João Paulo II já denunciara na Encíclica Centesimus Annus esta mentalidade perversa, que conduz cada vez mais a um consumismo desenfreado (CA n. 36).

A necessidade de trabalhar para transformar as estruturas

Sem deixar de se preocupar com as necessidades mais imediatas e com as situações de emergência, é necessário ter um horizonte maior, que se preocupa com a transformação das estruturas geradoras da miséria e da fome. Os Bispos afirmam no documento: “Existe alimento para todos (n. 2)”. A fome não é resultado do aumento da população ou de outras causas naturais, mas resultado de um sistema iníquo, que não distribui a renda e faz com que os ricos fiquem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres (idem). João Paulo II já afirmara anteriormente na Sollicitudo rei socialis que a miséria não é fruto da fatalidade, mas de mecanismos perversos (n. 9) que se encarnam em verdadeiras estruturas de pecado (n. 16). É necessário, por isso, criar uma cultura da solidariedade, que desmascare e desmonte estas estruturas perversas.

A contribuição dos cristãos

A preocupação com a fome e a miséria não é somente da Igreja, mas deveria ser de todas as pessoas de boa vontade, que sentem uma indignação ética diante da situação calamitosa dos famintos em nosso País. Afirmam os Bispos que não se deixar interpelar por esta realidade seria desumanizar-se (CNBB. Exigências evangélicas e éticas de superação da miséria e da fome, n. 42). Os cristãos devem se unir a todos os grupos organizados da sociedade e partir para ações que a curto prazo garantam alimento para a população e a médio prazo garantam a aplicação de políticas públicas que, para além de ações compensatórias, busquem a efetiva promoção de todas as pessoas. O imperativo do evangelho é “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6, 37). De nossa resposta e empenho a ele dependerá a sobrevivência de muitos irmãos e irmãs.

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*Padre Antonio Aparecido Alves é Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP). Para conhecer mais sobre Doutrina Social visite o Blog: www.caminhosevidas.com.br

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