Memória do encerramento

Concílio Vaticano II foi o maior esforço de renovação da Igreja, diz bispo

Bispo que acompanhou de Roma os anos do Concílio Vaticano II destaca que a Igreja ainda não conseguiu colocar em prática todos os ensinamentos do Concílio

Kelen Galvan
Da redação 

Foto mostra os participantes do Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965, em Roma, reunidos em uma das sessões

Uma das sessões do Concílio Vaticano II / Foto: Catholic Press Photo by wikimedia commons

Há 60 anos, no dia 8 de dezembro de 1965, terminava o Concílio Ecumênico Vaticano II. Após quase três anos de trabalhos, essa assembleia  solene de todos os bispos da Igreja deixou um legado de 16 documentos oficiais, divididos em quatro Constituições (Dogmáticas e Pastorais), nove Decretos e três Declarações. 

O bispo emérito de Lorena (SP), Dom Benedito Beni dos Santos, era seminarista nesta época e acompanhou de perto esse importante momento da Igreja. Ele recorda que chegou em Roma poucos meses antes do Papa João XXIII anunciar a intenção de convocar o Concílio Ecumênico, isto é, universal.

“Esse anúncio causou perplexidade, porque quase um século antes, o Concilio Ecumênico Vaticano I havia declarado solenemente a infalibilidade do ensinamento do Papa em determinadas situações. E também havia declarado o primado do Papa sobre toda a Igreja. Então, pensava-se que não era mais necessário um concílio, pois o Papa sozinho poderia resolver tudo. Então, isso causou perplexidade”, lembra Dom Beni.

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Maior esforço de renovação na história da Igreja

O bispo destaca que o próprio Papa declarou, em sua autobiografia “Jornal de uma Alma”, ter ficado perplexo depois que fez o anúncio, porque ninguém lhe havia dado esta ideia. “Então, ele atribuiu a uma inspiração divina. O Concílio Ecumênico, tão necessário para a vida da Igreja, foi o maior esforço de renovação da Igreja em toda a sua história”.

foto do bispo emérito de Lorena (SP), Dom Beni

Dom Benedito Beni dos Santos / Foto: Arquivo CN

Para o Concílio, foram convocados 480 peritos de toda a Igreja, entre teólogos, pastoralistas, canonistas, moralistas e assim por diante. Foram organizadas dez comissões presididas por cardeais da confiança de João XXIII. “Essas dez comissões elaboraram 70 textos que, às vésperas do Concílio, foram reduzidas para 17 e depois para 16, se não o Concílio nunca terminaria”, conta o bispo.

Dom Beni foi ordenado sacerdote em Roma pelo bispo conciliar, o Cardeal Augustin Bea, primeiro presidente do Secretariado para a Promoção da Unidade dos Cristãos, dois meses após a abertura da primeira sessão do Concílio, que teve início em 11 de outubro de 1962.

“Eu tive a graça de estar presente em Roma durante toda a preparação do Vaticano II, durante toda sua duração – 1962 a 1965, e ainda fiquei em Roma um ano após o seu término, vendo de perto a aplicação dos ensinamentos. De modo que os ensinamentos do Concílio deram uma forma à minha formação teológica e à minha espiritualidade”, conta.

Nova imagem da Igreja

Dom Beni afirma que o Concílio Vaticano II foi feito não para a reforma da Igreja, mas para renová-la, como afirmou Paulo VI. “Nós podemos dizer que foi o maior esforço de renovação que a Igreja realizou em toda a sua história”.

Entre as mudanças, o bispo destaca que o Vaticano II trouxe uma nova imagem da hierarquia da Igreja. “Os bispos não são príncipes, são pastores, estão a serviço da comunidade cristã, eles devem dialogar. Então foi uma nova imagem da Igreja”, disse.

Outro aspecto foi a questão da presença da igreja no mundo. “O Concílio mostrou que a Igreja não pode ficar afastada do mundo, mas deve estar presente no mundo a fim de servi-lo em vista da salvação em Cristo. Claro, no mundo construído para o ser humano. A família, a sociedade, a cultura, a economia, a política, a Igreja está a serviço, a serviço de todos os seres humanos e não só de seus membros. Então foi uma ideia muito nova com relação à presença da Igreja no mundo”.

Unidade dos cristãos, renovação da liturgia e dos seminários

Dom Beni recordou também o grande esforço para a unidade dos cristãos. “João XXIII talvez tivesse a ideia de conseguir através do Concílio a união de todos os cristãos: ‘um só pastor e um só rebanho’. Não conseguiu, mas infundiu na Igreja uma mentalidade ecumênica, uma pastoral ecumênica. Então essa foi uma das grandes renovações de Concílio”.

Também houve a renovação da liturgia. “A liturgia anterior ao Concílio, a Tridentina, era muito bonita, mas já incompreensível em muitos aspectos. Então o Concílio, através da renovação litúrgica, tornou a liturgia, que é a própria vida da Igreja, mais compreensível, mais participada”.

Outras mudanças foram a renovação dos seminários, a formação nos seminários, a renovação da vida religiosa. “Teria tanta coisa para enumerar. Nós podemos dizer que estamos celebrando os 60 anos do término do Concílio, mas a Igreja vai gastar ainda muito tempo para colocar todos os ensinamentos do Concílio em prática”.

Continuidade da tradição da Igreja

Dom Beni enfatiza que a “verdadeira interpretação do Concílio é da continuidade”. Pois ele está em continuidade com toda a tradição que vem dos apóstolos. Ele cita a eclesiologia do Concílio, que se apresenta como nova, mas está radicada em toda a tradição da Igreja, sobretudo nos ‘padres da igreja’.

Outro exemplo é a Constituição Dogmática Lumen Gentium que procurou resgatar tudo o que a Teologia havia produzido em toda a história e fez uma bela síntese. “Essa é a verdadeira hermenêutica do Concílio, interpretá-lo como continuidade da tradição da Igreja”, afirmou.

Caráter missionário

“Quando o Concílio terminou, um grande teólogo, e perito do concílio, o padre Yves-Marie-Joseph Congar afirmou: ‘hoje a Igreja é de novo enviada ao mundo’. Não mais a partir de Jerusalém, mas a partir de Roma”, lembra Dom Beni. O bispo afirma que o Vaticano II teve esse caráter missionário: “enviar a Igreja ao mundo para anunciar Jesus Cristo e o seu Evangelho numa linguagem compreensível pelas pessoas”.

A cerimônia litúrgica de encerramento do Concílio, no dia 8 de dezembro de 1965, foi realizada na Praça de São Pedro, marcando o fim de quatro sessões intensas. A cerimônia final foi marcada pela “Saudação Universal” de Paulo VI. 

Além disso, o Concílio dirigiu uma mensagem aos governantes, às mulheres, aos pobres, aos trabalhadores, aos jovens, aos doentes, e assim por diante. “Esses foram todos os destinatários do Concílio. Nós podemos dizer que ninguém ficou fora dos ensinamentos do Vaticano II”, afirma Dom Beni.

O bispo lembra que alguns acham que está na hora da Igreja ter um novo concílio, mas em sua opinião, isso seria prematuro. “A Igreja ainda não conseguiu colocar em prática todos os ensinamentos do Vaticano II (…) Até hoje estamos colhendo frutos desse Concílio e vamos continuar colhendo”, concluiu.

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