Data celebrada no Brasil, nesta quinta-feira, alerta sobre intolerância religiosa e busca promover respeito e diálogo entre as religiões
Denise Claro
Da redação
O Brasil celebra nesta quinta-feira, 21, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data foi instituída com a Lei 11.635, de 27 de dezembro de 2007, com o objetivo de promover o respeito, a tolerância e o diálogo entre membros de religiões diferentes.
Atualmente, muitos são ainda os que sofrem discriminações por causa de sua religião. Guerras e conflitos surgiram por causa das diferenças religiosas, e povos foram feridos e mortos em nome da fé.
De acordo com dados do Disque 100, serviço de proteção dos direitos humanos, somente no primeiro semestre de 2019, foram registradas 354 denúncias em relação à intolerância religiosa no Brasil, ou seja, um aumento de 67,7%, se comparado com o mesmo período do ano anterior. A maior parte dos relatos foi feita por praticantes de religiões de matriz africana.
A quantidade de casos pode ser ainda maior, uma vez que muitas vítimas preferem não realizar a denúncia por medo de que a violência se repita ou não receber o apoio necessário. Os estados com mais ocorrências foram São Paulo (48), seguido por Rio de Janeiro (35) e Minas Gerais (14).
O bispo de Cornélio Procópio (PR) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-Religioso da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Manoel João Francisco, lembra que a intolerância religiosa é uma das mais perversas que existem.
“Todas as grandes religiões ensinam a não fazer aos outros o que não queremos que nos façam. É claro que nenhum ser humano deseja ser vítima de violência religiosa, por isso também não pode ser intolerante com os outros.”
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Igreja e Ecumenismo
Para o bispo, a data é necessária para comentar e divulgar o pensamento das autoridades religiosas e civis sobre o tema. O religioso salienta que há ações na Igreja do Brasil que promovem o diálogo.
“A Pastoral da Criança já promoveu dois encontros inter-religiosos com participação de judeus, islâmicos e algumas igrejas cristãs, além de nós católicos. A CNBB tem comissões de diálogo bilateral com judeus, islâmicos, luteranos, anglicanos, Igreja Presbiteriana Unida. A Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese), organismo ecumênico do qual nós católicos participamos, têm orientado suas ações para o combate à intolerância religiosa. A mesma coisa tem feito o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs no Brasil (CONIC) e o Fórum Ecumênico Act Brasil (Feact Brasil)”.
Dom Manoel explica o trabalho da Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-Religioso, que tem em cada regional da CNBB um bispo referencial, que procura formar uma comissão regional. Essa comissão busca animar a criação de comissões diocesanas de ecumenismo e diálogo inter-religioso.
A Comissão da CNBB promove a cada ano um simpósio sobre temas relacionados ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso. Cabe também à comissão indicar os membros católicos das comissões bilaterais e acompanhá-los em suas atividades.
Mensagem do Papa
O compromisso ecumênico é uma das prioridades do pontificado do Papa Francisco. Desde as suas primeiras palavras como bispo da Igreja de Roma, quando afirmou “que preside na caridade todas as Igrejas”, ao seu pedido de bênção ao patriarca Bartolomeu, assim como em sua “busca de unidade e paz” em Genebra, nos 70 anos do Conselho Ecumênico das Igrejas, o Pontífice deixou claro sua posição e seu apoio.
Neste mês de janeiro, a intenção de oração do Papa é pela “vivência da fraternidade com os irmãos e irmãs de outras religiões, rezando uns pelos outros, abertos a todos.”
Não é um acaso que o Papa Francisco queira começar o ano 2021 com uma intenção sobre a fraternidade humana. Este foi o tema central da sua última Encíclica “Fratelli tutti”, publicada em outubro de 2020. O ano se inicia com um forte apelo à consciência da urgência de abrir mentes e corações para o diálogo.
“Isso é o mínimo que podemos fazer. O pedido do Papa é para os católicos do mundo inteiro. Certamente, a intolerância religiosa é um fenômeno que aparece em todos os países. No Brasil, no entanto, tem crescido muito. Muitos católicos pensam que o ecumenismo e o diálogo inter-religioso são uma questão de gosto, de escolha. Não percebem que é uma dimensão constitutiva do ser católico. Católico significa universal, não apenas no sentido geográfico, mas no sentido de não excluir ninguém. Nesse sentido, nós católicos, bispos, padres e fiéis temos muito o que crescer”, comenta Dom Manoel.
O presidente da Comissão reforça que aos fiéis o pedido é de combater a intolerância religiosa, denunciando qualquer ato impróprio, e tendo gestos de fraternidade com os seguidores das diversas religiões, apoiando-os e colaborando com eles em todas as atividades em favor da vida.
Cristãos em Unidade
A secretária-geral do CONIC, pastora Romi Bencke, afirma que a intolerância religiosa é violência contra os irmãos e irmãs de outras tradições de fé.
“Ela também é uma violência ao próprio Deus. Não cabe a nós, como seres humanos, definir como Deus se manifesta. Quando dizemos que a religião do outro não é verdadeira, estamos querendo dizer que Deus pode apenas se manifestar de um jeito (do nosso). Falar e, principalmente, ter atitudes de superação da intolerância religiosa é um ato de fé.”
A religiosa lembra que a constituição do CONIC, em 1982, deu-se após um processo de diálogo entre igrejas iniciado na década de 1970.
“O diálogo é o nosso carisma. Inicialmente, o diálogo era entre igrejas. O objetivo sempre foi o de superarmos os preconceitos mútuos e visões distorcidas que cristãos e cristãs têm entre si. O que nos torna iguais? Jesus Cristo. Ele é o centro da tradição cristã. Então, por que as disputas, conflitos e perseguições entre cristãos e cristãs? Em Jesus Cristo, nenhuma violência se legitima.”
Bencke conta que, nos últimos anos, o espaço do diálogo tem aumentado, pois se considerou que, mais do que o diálogo entre igrejas, são necessárias estratégias pedagógicas para o diálogo entre religiões. O CONIC permanece sendo, portanto, um Conselho de Igrejas, mas aberto para a prática e a vivência inter-religiosa. Trabalhos como os diferentes Fóruns da Diversidade Religiosa, a atenção e defesa do estado laico, fundamental para o convívio entre religiões, e a Campanha da Fraternidade Ecumênica são exemplos de busca pelo diálogo.
A pastora conclui lembrando que os limites e falhas da humanidade dos cristãos está muitas vezes no orgulho, fruto das alianças colonialistas ocorridas no passado.
“Acontece que a fé arrogante é incompatível com Jesus Cristo. Compreendo que um dos nossos principais desafios diários é vencer nossa arrogância e o desejo de eliminar a diversidade, que nada mais é do que expressão amorosa de Deus. Se destruirmos a diversidade, estamos destruindo o próprio Deus que é uma força amorosa e criativa do qual nós apenas podemos nos aproximar, jamais compreender em plenitude.”