Comportamento

Pandemia: psicólogo cita princípios que podem orientar à revisão de vida

Pessoas podem reagir de forma diferente diante do cenário atual; atleta que precisou abrir mão de competições conta como supera o momento

Liliane Borges
Da Redação 

Não é novidade que a vida de muitas pessoas mudou, e inúmeras adaptações foram necessárias para tornar possível a vivência neste cenário pandêmico, e não só, mas também nas decisões diante das consequências já causadas por esta situação inesperada e complexa.

As pessoas reagem de forma diferente e, assim também de forma diferente, agem para adaptarem-se a este momento e conduzir seu próprio futuro. O mestre e doutor em piscologia Nelson Hauck Filho afirma que essa mudança é possível, mas talvez não seja algo simples. “Algumas mudanças de planos que estão ocorrendo na vida das pessoas são por motivos de necessidade. Muitas famílias tiveram uma redução drástica em sua receita mensal, apesar de seus custos e despesas terem se mantido quase os mesmos. Prioridades estão sendo revistas, pelo menos para o curto prazo”, recorda.

Psicólogo, Nelson Hauck fala de possibilidades para uma revisão de vida/ Foto: Arquivo pessoal

Nesse sentido, Nelson, que é professor na Universidade São Francisco (USF), aponta que, apesar de não haver uma “receita” única para todos, existem possibilidades condutoras para uma revisão de vida com o intuito de fazer deste problema uma possibilidade de mudanças.

Segundo o psicólogo, a “psicologia tem mostrado que existem algumas qualidades que as pessoas podem ter (e até mesmo desenvolver) que maximizam as chances de elas obterem sucesso acadêmico, profissional e em seus diversos tipos de relacionamento, sejam eles de tipo familiar, romântico ou de amizade”. São as chamadas “competências socioemocionais”, listadas a seguir:

1) respeitar as pessoas, ter compaixão e confiar que há mais pessoas boas no mundo do que pessoas ruins (amabilidade);
2) ser organizado, produtivo e disciplinado (autogestão);
3) ser calmo, não ser pessimista e saber ser ponderado em momentos difíceis (estabilidade emocional);
4) saber se comunicar com as pessoas, saber dizer não quando quer dizer não e ter energia para lidar com todas as responsabilidades (engajamento com outros); e
5) ser curioso sobre como as coisas funcionam, ser interessado em aprender e entender que existem diferentes possíveis modos de vida que são igualmente bons (abertura). Rever a vida a partir de quais dessas competências ainda podem ser mais bem desenvolvidas seria um investimento de longo prazo.

O profissional ressalta, mais uma vez, que não são soluções que devem ser vistas como únicas para todas, mas como diretrizes básicas para buscar uma vida completa e feliz.

Mudanças vistas como oportunidades

Bruno durante prova de Triathlon, em 2019 /Foto: Arquivo Pessoal

O supervisor de TI e especialista em banco de dados e servidores, Bruno Banfi, é um entre milhões de pessoas que tiveram que reinventar a rotina para conviver com este período. “Pratico triathlon e me vi impossibilitado de realizar treinos ao ar livre, fundamentais no esporte. Eu pretendia participar de 4 competições neste ano, sendo que para 2 delas já havia me inscrito; porém, os eventos foram cancelados. Tive que adaptar a rotina e, na medida do possível, faço os treinos dentro de casa”, conta Bruno. E o atleta ainda acrescenta: “Agora, o foco não é mais competir, mas sim manter a saúde física e mental!”. 

O novo ambiente de trabalho de Bruno acabou colaborando com a produtividade. “Passei a trabalhar home office e tive que fazer de um canto da minha casa, meu escritório. Menos distrações, e a maior motivação de todas que foi poder estar perto do meu filho em tempo integral e acompanhar seu crescimento e desenvolvimento. Quando a quarentena começou, ele tinha apenas 3 meses de vida. Agora, já está no 7º mês e tem sido um tempo muito valioso ao lado dele e da minha esposa, pessoa que passei a valorizar ainda mais em função da intensa convivência”, afirma.

O desfecho positivo conseguido por Bruno nem sempre é possível para todos, por razões que variam de contexto econômico e social a questões psicológicas. Nelson destaca que os desdobramentos da pandemia representam algo diferente para cada família, tendo um potencial de abalar mais aqueles indivíduos que estão em situação de desemprego e necessidade.

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Bruno durante home office / Foto: Arquivo Pessoal

As evidências mostram, afirma ainda, que as pessoas que mais tendem a se fragilizar em situações adversas são aquelas que possuem uma propensão temperamental conhecida como “afetividade negativa” ou “neuroticismo”. Essas pessoas tendem a experienciar maior ansiedade, depressão e sentimentos negativos que as demais.

Acontece que elas são também mais propensas a lembrar de eventos negativos, falar sobre coisas não tão boas e enxergar a vida sob um prisma mais pessimista. Mesmo ao buscar distração, estudos mostram que elas se expõem mais a conteúdo triste, por exemplo, preferindo músicas com letras mais tristes. Quando fazem uso de redes sociais, podem encontrar mais motivos de tristeza de que de alegria, o que acaba por não ajudar muito.

Nelson Hauck lembra que, embora sentir tristeza seja algo normal do ser humano, essa exposição sistemática a estímulos com valência negativa pode retroalimentar a ansiedade e os sentimentos negativos.

Para cada um, checar se não se encontra nesse ciclo e fazer algumas mudanças na rotina para sair dele é um primeiro passo, ensina o psicólogo. Outra possibilidade de mudança é cuidar da saúde física.

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“Evidências mostram que praticar exercícios regulamente, mesmo que seja em casa, ajuda a melhorar a saúde mental e o desempenho cognitivo. Também existem pesquisas mostrando que ter uma boa alimentação ajuda a prevenir a depressão e outros transtornos mentais. Não existe separação entre psicologia e biologia, são partes da mesma coisa. Assim, cuidar da saúde física é uma forma de também favorecer a saúde mental nesse momento”, ensina Hauck.

Foto: Arquivo Pessoal

Como já afirmou o psicólogo, a ciência psicológica não possui algo como uma “receita de bolo” para lidar com uma situação tão inédita quanto essa, o que funciona para uma pessoa pode não ser boa para outra. No caso de Bruno, ele investiu na saúde física e na fé, além da determinação de viver de modo positivo as intempéries do momento.

“A pandemia mudou muito a minha rotina, mas não conseguiu abalar minha fé. Neste momento em que o convívio social nos foi tirado, tenho aproveitado o tempo livre para aprofundar ainda mais por meio de leitura e acompanhando a missa on-line. Costumo dizer que agora é Jesus que vem até nós e participa da nossa convivência em família”, conclui.

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