Denúncia

Venezuela: Cardeal alerta para grave situação política no país

Nesse contexto, Arcebispo de Mérida denuncia como é grave a falta de respeito e de direito de pluralidade na Venezuela

Da redação, com Ajuda a Igreja que Sofre (AIS)

A Conferência Episcopal da Venezuela emitiu dois comunicados nas últimas semanas referentes aos graves acontecimentos e ao violento conflito político pelo qual o país tem passado. Os bispos clamam aos venezuelanos “a repudiarem qualquer manifestação de violência e a respeitarem os direitos de todos e a cada um dos cidadãos”, frisam ainda o dever da Constituição Nacional de garantir “o protesto cívico e pacífico”. No seu último documento, de 5 de maio, os bispos qualificam as últimas decisões do governo de Maduro e do Tribunal Supremo como “desacertadas” e “desnecessárias”, pedem para que “não reformem a Constituição, mas a cumpram” e, ao governo, pedem que foquem nos problemas atuais do país como a falta de “comida, medicamentos, liberdade, segurança pessoal e jurídica, e paz”.

Foto: Ajuda Igreja que Sofre (AIS)

O cardeal Baltazar Enrique Porras, Arcebispo de Mérida, um dos que assinaram o documento e Presidente Honorário da Conferência Episcopal, comentou sobre a necessidade destas declarações por parte da Igreja na Venezuela que teve que assumir um papel “de grande responsabilidade”, descrevendo como “uma espécie de trabalho subsidiário, porque vai muito além daquilo que, em outras circunstâncias, seria necessário”. “A população sofre represália se diverge ou opina diferente do ‘oficialismo’. Ameaças, multas, prisão, expulsão… é um clima muito difícil de entender por quem está de fora. O cerco está se fechando. Aqui, tudo é unilateral nesse momento”, disse.

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A grave situação política e a escassez de suprimentos

Nesse contexto, Arcebispo de Mérida denuncia como é grave a falta de respeito e de direito de pluralidade no país: “Se impõe um sistema em que nenhuma outra coisa seja válida, nunca se deixa que o outro tenha a atenção de nada. Por exemplo, se uma manifestação é planejada, se organiza imediatamente uma outra, paralela àquela, no mesmo dia e horário, para ver quem é mais forte”. Dom Baltazar lamenta que na Venezuela se continua usando o “discurso da luta de classes. “Alguém só consegue algo mediante o ódio ao outro. É este discurso militarista que diz que ‘aquele que não está comigo está contra mim’. A única coisa que se busca é como eliminar o inimigo. Isso levou a um estilhaçamento da convivência social”.

O bispo não culpa diretamente o presidente Nícolas Maduro, mas a responsabilidade do atual governo do país fica subentendida quando o cardeal diz que o problema tem raízes anteriores: “Estes 18 anos, primeiramente com o governo de Chavéz e depois com o de Maduro, são fruto de uma deterioração dos anos anteriores. A Venezuela pôde crescer graças ao petróleo. O país prosperou economicamente em sua infraestrutura, mas esse crescimento acelerado fez com que uma classe dirigente se esquecesse do povo. Era um dom da natureza e não um esforço do trabalho. Se dedicaram a muitas coisas, mas se esqueceram das pessoas. Por isso o discurso messiânico que veio em seguida foi tão bem acolhido”.

Preocupação com seu povo

Dom Baltazar, de 72 anos, critica abertamente a “concentração de todos os poderes nas mãos do executivo, o que geralmente gera impunidade e corrupção”. Do mesmo modo, ele vê como um dos pontos chaves do problema, o movimento de sempre culpabilizar os outros os males que acontecem. “Esse é um discurso que se repete. Aqui, tudo o que ocorre de ruim é consequência dos erros de outros ou faz-se comparação com outra época. É um comportamento de adolescentes. Por exemplo, quando se questiona sobre os atuais presos políticos, se fala que também no passado houve presos políticos. Mas os problemas que importam são os que temos agora. Especialmente, a falta de alimentos, de medicamentos e de segurança”.

Estes são as três questões que mais preocupam o cardeal: “Eu tive que enterrar um sacerdote de 35 anos que teve um acidente vascular cerebral (AVC) que, de acordo com os médicos, podia ter sido salvo se um medicamento, que não é especial, estivesse disponível; mas não havia este medicamento e ele morreu. Eu penso nisso diariamente. Não há o básico para uma operação cirúrgica, um acidente ou para idosos e bebês que possam precisar de medicamentos mais especiais”. Entretanto, segundo o cardeal, nas fontes oficiais isto é negado.

“Não se aceita que seja falado sobre ajuda humanitária porque, segundo as fontes oficiais, nós temos tudo. Se alguém vai para Venezuela vê que não é assim, mas, se se pronunciar a respeito, dizem que é alguma conspiração”. Dom Baltazar, diretor da Cáritas na Venezuela, aproveita para agradecer a comunidade internacional pelo apoio recebido, ainda que se encontre no país “uma muralha, que dificulta criar uma ponte pela qual a ajuda chegue, em razão dos entraves que encontramos”.

Meios de comunicação ou de discórdia?

Para o cardeal, os meios de comunicação do país assumiram importante papel no conflito político interno. A luta política se transformou em uma luta mediática: “Se eu digo ‘aqui não tem remédio’, aparece imediatamente uma foto com medicamentos dizendo ‘isso não é verdade, olha aqui’. E isso acontece com tudo, com os alimentos, com a segurança, etc.”

Falando sobre soluções, a grande pergunta é se o povo venezuelano não está cansado do diálogo. Dom Baltazar sorri, diz: “Hoje em dia, falar de diálogo na Venezuela é quase um insulto, porque as experiências têm sido desastrosas. As conversas têm acontecido apenas para serem fotografadas, não se tem falado nem solucionado os problemas reais. Falta disposição em aceitar o outro como interlocutor”.

Para um diálogo autêntico é imprescindível, o cardeal propõe uma segunda parte: Cumprir os acordos. “Houve uma oferta real para cumprir acordos que nunca foram cumpridos. Isso foi o que o Cardeal Parolin como Secretário do Estado publicou em uma carta em dezembro de 2016, onde dizia que ‘não podia haver diálogo enquanto os acordos tratados não sejam cumpridos minimamente’. Talvez por isso, o cardeal prefira falar de consenso e pluralidade antes de usar a desgastada e tão manipulada palavra ‘diálogo’: “A rivalidade não fazia parte da nossa cultura”, afirma.

“Por exemplo, no beisebol – o esporte mais popular do país – uma pessoa vai ao estádio com outra que torce para um time diferente, porque ficam bem juntas, ou até prefere que seja assim, em razão do caráter amistoso. Mas tudo isso foi diluído. Tudo é política, tudo se resume em estar a favor ou contra. A vida é muito mais que isso, mas agora tudo é centrado na política. A família, a diversidade, a concórdia, tudo isso está em perigo e a Igreja ainda tenta defender esses valores”, considerou.

Convite à oração

O Cardeal pede à comunidade internacional que busque uma informação “real e razoável, para não aceitar mentiras”. Da mesma forma, clama por orações e apoio. “Precisamos de oração na Venezuela como uma força interior que não deixa que sejam roubadas de nós a esperança e a alegria. As dificuldades existem para que sejam vencidas, e não para que apenas choremos por elas”. Assim, Dom Baltazar convida todos a se unirem à Jornada de Oração pela Paz da Venezuela, convocada pela Conferência Episcopal e marcada para o próximo domingo, dia 21 de maio, “para cessar a violência, a repressão oficial e para que caminhos para o entendimento e reconciliação realmente sejam traçados”.

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