Dom Ladaria Ferrer afirma que carta vaticana oferece abordagem integral da pessoa humana, do sofrimento e da doença, do cuidado de quem se encontra nas fases críticas e terminais da vida
Da redação, com Vatican News
“Um documento necessário” diante de novas normas e leis cada vez mais permissivas sobre eutanásia, suicídio assistido e disposições sobre o fim da vida. Assim, o cardeal Luis Francisco Ladaria Ferrer, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, explica ao Vatican News as razões que levaram o dicastério a publicar “Samaritanus bonus”, a nova carta dedicada aos temas do fim da vida.
Eminência, por que era necessário este novo documento da Congregação sobre as questões do fim da vida?
Cardeal Ferrer: “Na conclusão da Sessão Plenária da Congregação para a Doutrina da Fé de 2018, com relação ao estudo das questões doutrinais e pastorais relativas ao acompanhamento dos doentes nas fases críticas e terminais da vida, os sacerdotes sugeriram que era apropriado ter um documento que tratasse disso, não somente de forma doutrinalmente correta, mas também com uma forte ênfase pastoral e uma linguagem compreensível, de acordo com o progresso das ciências médicas. Era uma questão de aprofundar os temas do acompanhamento e cuidado dos doentes do ponto de vista teológico e antropológico, focalizando também algumas questões éticas relevantes envolvidas na proporcionalidade das terapias e relativas à objeção de consciência e ao acompanhamento dos doentes terminais. À luz destas considerações e embora o ensinamento da Igreja sobre o assunto já esteja contido em conhecidos documentos magisteriais, um novo pronunciamento orgânico da Santa Sé sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vida pareceu oportuno e necessário em relação à situação atual, caracterizada por um conteúdo legislativo civil internacional cada vez mais permissivo sobre a eutanásia, o suicídio assistido e as disposições sobre o fim da vida”.
A carta “Samaritanus bonus” contém alguma novidade? E se sim, quais?
Cardeal Ferrer: “O documento oferece uma abordagem integral à pessoa humana, ao sofrimento e à doença, ao cuidado de quem se encontra nas fases críticas e terminais da vida. Um cuidado que, por sua vez, não pode ser reduzido apenas à perspectiva médica ou psicológica, mas consiste em cuidar inteiramente da pessoa necessitada. Porque, como é bem dito no primeiro parágrafo do texto, o cuidado com a vida é a primeira responsabilidade que o médico experimenta no encontro com o doente. Não se reduz à capacidade de curar o doente, visto que seu horizonte antropológico e moral é mais amplo: mesmo quando a cura é impossível ou improvável, o acompanhamento médico e de enfermagem, com o cuidado das funções fisiológicas essenciais do corpo, junto com o acompanhamento psicológico e espiritual, é um dever inevitável. O oposto seria um abandono desumano do doente. Samaritanus bonus insiste do começo ao fim nesta dimensão integral do cuidado. Neste sentido, o documento focaliza bem, retornando várias vezes, no fato de que a dor só é existencialmente suportável se houver uma esperança confiável. E uma esperança semelhante só pode ser comunicada onde há um coro de presença que espera em torno do doente que sofre”.
Por que se afirma no documento que “incurável” nunca é sinônimo de “irremediável”?
Cardeal Ferrer: “A Carta apela para uma experiência humana universal: aquela para a qual a questão sobre o sentido da vida se torna ainda mais aguda quando o sofrimento paira e a morte se aproxima. O reconhecimento da fragilidade e vulnerabilidade da pessoa doente – mesmo que, em sua raiz, o ser humano como tal é frágil e vulnerável – abre espaço, como já foi enfatizado, para a ética do cuidado. Exercer a responsabilidade para com a pessoa doente significa garantir o seu cuidado até o fim: “Curar se possível, cuidar sempre”, escreveu João Paulo II. É um olhar contemplativo, assim é sugerido, um olhar total, um olhar para a pessoa como um todo, que permite uma ampliação da noção de cuidado. Esta intenção de curar sempre o doente, lê-se no documento, oferece o critério para avaliar as diferentes ações a serem tomadas na situação de doença “incurável”: incurável nunca é sinônimo de irremediável. A Igreja nunca deixa de afirmar o sentido positivo da vida humana como um valor perceptível pela justa razão, que a luz da fé confirma e valoriza em sua dignidade inalienável. Afirmar a sacralidade e a inviolabilidade da vida humana significa não descartar o valor radical da liberdade da pessoa que sofre, fortemente condicionada pela doença e pela dor: tal descarte ocorreria no momento em que se consentisse ao pedido de negar, com a eutanásia, qualquer outra possibilidade de relação humana benéfica”.