Pregação do Advento

Cardeal Cantalamessa: deixar Jesus nascer para morrer o próprio “eu"

Nesta sexta-feira, 22, o purpurado realizou sua última pregação do Advento para o Papa Francisco e a Cúria Romana; reflexão destacou a Mãe de Jesus

Julia Beck
Da redação

Cardeal Cantalamessa durante pregação do Advento desta sexta-feira, 22/ Foto: Vatican Media/ IPA via Reuters

“Bem-aventurada aquela que acreditou!”. Este foi o tema da segunda pregação do Advento realizada nesta sexta-feira, 22, pelo Cardeal Raniero Cantalamessa, ao Papa Francisco e à Cúria Romana. Depois de refletir sobre João Batista, foi a vez da Mãe de Jesus ser evidenciada pelo purpurado antes dos católicos viverem o mistério do Natal. A íntegra da pregação foi disponibilizada, em português, pelo Portal Vatican News. 

A narrativa da Anunciação (Evangelho do último domingo, 17) foi citada pelo pregador. “Ele nos recorda como Maria concebeu e deu à luz o Cristo e como podemos concebê-lo, dá-lo à luz também nós, isto é, mediante a fé! Referindo-se a este momento, Isabel, pouco depois, exclamará: ‘Bem-aventurada aquela que acreditou’ (Lc 1,45)”.

Cardeal Cantalamessa afirmou que se repetiu, infelizmente, acerca da fé de Maria, o que acontecera com a pessoa de Jesus. “Dava-se por pressuposto que ela tivesse cumprido o seu ato de fé no momento da Anunciação e nele tivesse permanecido estável por toda a vida”.

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No entanto, o prelado indicou que o dom que o Espírito Santo deu à Igreja, com a renovação da Mariologia, proporcionou a descoberta de uma dimensão nova da fé de Maria. Segundo ele, a Mãe de Deus – afirmou o Concílio Vaticano II – “avançou pelo caminho da fé” (LG 58). Não acreditou de uma vez por todas, pontuou o cardeal, mas caminhou na fé e progrediu nela.

São João Paulo II, na Encíclica Redemptoris Mater, destacou que as palavras de Isabel – “Bem-aventurada aquela que acreditou” – não se aplicam apenas àquele momento particular da Anunciação, sublinhou o pregador. “Esta representa, sem dúvida, o momento culminante da fé de Maria na expectação de Cristo, mas é também o ponto de partida, no qual se inicia todo o seu caminho para Deus, toda a sua caminhada de fé (RM 14)”.

Fé de Maria

É preciso completar a lista do que aconteceu depois da Anunciação e do Natal, frisou o Cardeal Cantalamessa: pela fé, Maria apresentou o Menino no templo, pela fé o seguiu, mantendo-se à parte, em sua vida pública, pela fé esteve sob a cruz, pela fé aguardou a sua ressurreição.

O pregador contou que houve um tempo em que a grandeza de Maria era vista sobretudo nos privilégios que competiam para multiplicar, com o resultado de distanciá-la, ao invés de “associá-la” a Cristo.

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“O Concílio nos orientou a ver a sua grandeza sobretudo na sua fé, esperança e caridade. Afirma a Lumen gentium: Concebendo, gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao Pai no templo, padecendo com Ele quando agonizava na cruz, cooperou de modo singular, com a sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural”, refletiu.

“Acreditemos também nós!”

O purpurado afirmou que a renovação da Mariologia operada pelo Vaticano II deve muito (talvez o essencial) a Santo Agostinho. Ele ressaltou que foi a autoridade do santo que impulsionou alguns teólogos e depois a assembleia conciliar a inserir o discurso sobre Maria dentro da constituição sobre a Igreja.

O mesmo Santo Agostinho, ao final do seu discurso sobre a fé de Maria, dirigiu aos seus ouvintes uma vibrante exortação que, de acordo com Cantalamessa, vale também para os católicos de hoje: “Maria acreditou, e o que acreditou se cumpriu n’Ela. Acreditemos também nós, para que o que se cumpriu nela possa se cumprir também em nós!”.

O purpurado retomou então o IV centenário do nascimento de Blaise Pascal – que o Santo Padre quis recordar à Igreja com a sua Carta Apostólica de 19 de junho passado. Entre os “Pensamentos” mais famosos de Pascal, estão:  Deus “é sentido pelo coração e não pela razão”; e “Deus é amor” e o amor não se percebe com o intelecto, mas com o coração.

Todos os discursos e debates que se fazem, também hoje, vertem sobre “Fé e Razão”, constatou o cardeal. Ou seja, jamais sobre “Fé e coração”, ou “Fé e vontade”. O pregador frisou que o próprio Pascal, contudo, em um outro pensamento, afirmou que a fé é clara o bastante para quem quer crer, e bastante obscura para quem não quer crer. “Ela, em outras palavras, é uma questão de vontade, mais do que de razão e intelecto”.

Não silenciar o nome de Cristo

O verdadeiro risco da fé, ressaltou o purpurado, é aquele de se escandalizar com a humanidade e a humildade de Cristo. “Foi o maior obstáculo que Agostinho teve que superar para aderir à fé: ‘Não sendo humilde, eu não conseguia aceitar como meu Deus o humilde Jesus’, escreve nas Confissões”.

Cardeal Cantalamessa recordou que Jesus falou da possibilidade de muitos “se escandalizarem” por causa dele, em razão da sua distância da ideia que os homens tinham feito do Messias.

O pregador assinalou que o escândalo hoje é menos ostentado, mas não menos presente entre os intelectuais. Segundo ele, o efeito – mais danoso do que a rejeição – é o silêncio sobre ele. “Tenho acompanhado, na internet, muitos debates de alto nível sobre a existência ou não de Deus: quase nunca era pronunciado neles o nome de Jesus Cristo. Como se ele não coubesse no discurso sobre Deus!”.

 “O mundo e seus meios de comunicação – eu dizia em outra ocasião, nesta mesma sede – fazem de tudo (e infelizmente conseguem!) para manter separado, ou silenciado, o nome de Cristo em todo seu discurso sobre a Igreja”, alertou.

Para o purpurado, este deve ser o empenho principal dos católicos no esforço pela evangelização: fazer de tudo para manter o nome de Cristo obstinadamente presente. “Não para nos abrigar por detrás dele e calar nossos fracassos, mas porque é Ele ‘a luz dos povos’, o ‘nome que está acima de todo nome’, ‘a pedra angular’ do mundo e da história”.

Pascal sublinhou que Deus “se sente com o coração”. Deste modo, Cardeal Cantalamessa resgatou uma fala de Santo Agostinho: “Voltai ao vosso coração!… Voltai de vossa errância que vos levou para fora do caminho; voltai ao Senhor”.

Presépio

O pregador citou também o VIII centenário da primeira realização do presépio em Greccio. É o primeiro dos três centenários franciscanos, o qual seguirão, em 2024, o dos Estigmas do santo e, em 2026, o da sua morte.

Sobre o presépio, o purpurado constatou que infelizmente, com o passar do tempo, a representação do Natal se afastou daquilo que representava para Francisco. Tornou-se, frequentemente, uma forma de arte ou de espetáculo do qual se admira a montagem externa, mais do que o significado místico. Ainda assim, contudo, ele indicou que o presépio desempenha a sua função de sinal e seria tolo renunciar a ele.

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“O presépio é, portanto, uma tradição útil e bela, mas não podemos nos contentar com os tradicionais presépios externos. Devemos montar para Jesus um presépio diverso, um presépio do coração. Corde creditur: crê-se com o coração. Christum habitare per fidem in cordibus vestris: que Cristo venha habitar em vossos corações pela fé (Ef 3,17). Maria e o seu Esposo continuam, misticamente, a bater às portas, como fizeram naquela noite em Belém. No Apocalipse, é o Ressuscitado em pessoa que diz: “Eis que estou à porta e bato” (Ap 3,20). Abramos-lhe a porta do nosso coração. Façamos dele um berço para o Menino Jesus. Que sinta, no frio do mundo, o calor do nosso amor e da nossa infinita gratidão de redimidos!”, exortou.

Cardeal Cantalamessa frisou que no coração, de fato, há lugar para muitos hóspedes, mas apenas para um dono. Por isso, incentivou os fiéis a deixarem Jesus nascer, pois significa deixar morrer o próprio “eu”, ou ao menos renovar a decisão de não mais viver para si, mas por Aquele que nasceu, morreu e ressuscitou pela humanidade (cf. Rm 14,7-9).

“Que a Mãe de Deus, que ‘concebeu Cristo no seu coração antes que no seu corpo’, nos ajude a realizar este propósito. Feliz aniversário a Jesus – e Feliz Natal a todos: Santo – e amado – Padre, Papa Francisco, venerados Padres, irmãos e irmãs!”, concluiu.

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