Entrevista

Papa: a guerra não pode ser reduzida a uma distinção entre bons e maus

Vaticano publicou uma grande parte da conversa de Francisco com os diretores das Revistas dos Jesuítas, recebidos em audiência no Vaticano, em 19 de maio

Da redação, com Vatican News

Foto: Daniel Ibanez – CNA

Na manhã desta terça-feira, 14, o Vaticano divulgou grande parte da conversa do Papa Francisco com os diretores das Revistas dos Jesuítas, recebidos em audiência no Vaticano no dia 19 de maio. A íntegra do encontro foi divulgada na edição da revista “La Civiltà Cattolica”.

Na entrevista, o Santo Padre apontou que, diante da guerra na Ucrânia, não existem bons e maus. “Algo global está surgindo, com elementos que estão muito interligados entre eles. Alguns meses antes do início da guerra encontrei um chefe de Estado, um homem sábio, que fala pouco, muito sábio mesmo. E depois de falar sobre as coisas de que ele queria falar, me disse que estava muito preocupado com a maneira como a OTAN estava se movendo. Eu lhe perguntei porquê, e ele me disse: ‘Estão latindo nas portas da Rússia. E não entendem que os russos são imperiais e não permitem que nenhuma potência estrangeira se aproxime deles’. Ele concluiu: ‘A situação pode levar à guerra’. Essa era a sua opinião. Em 24 de fevereiro, quando a guerra começou. Aquele chefe de Estado foi capaz de ler os sinais do que estava acontecendo”.

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Guerra na Ucrânia

O Pontífice comentou sobre a brutalidade e a ferocidade da conduta das tropas russas na guerra. “Sou simplesmente contrário em reduzir a complexidade à distinção entre os bons e os maus, sem raciocinar sobre as raízes e os interesses, que são muito complexos. Enquanto vemos a ferocidade, a crueldade das tropas russas, não devemos esquecer os problemas a fim de tentar resolvê-los”.

O Papa afirmou encontrar na população ucraniana um povo corajoso que luta para sobreviver, dessa forma, desinstalaram o exército russo que imaginou terminar a guerra em uma semana.

Francisco aproveitou para citar outros países que sofrem dos mesmos males das destruições:

“Pensemos em algumas partes da África, ao norte da Nigéria, ao norte do Congo – onde a guerra ainda está em curso e ninguém se importa. Pensem em Ruanda 25 anos atrás. Pensemos em Mianmar e nos Rohingya. O mundo está em guerra. Alguns anos atrás me ocorreu dizer que estamos vivendo a terceira guerra mundial em pedaços e em bocados. Então, para mim, hoje, a Terceira Guerra Mundial foi declarada. E isso é algo que deveria nos fazer pensar. O que está acontecendo com a humanidade que já teve três guerras mundiais em um século? Eu vivo a Primeira Guerra em memória do meu avô no Piave. E depois a Segunda e agora a Terceira”.

O Santo Padre elucidou que os Jesuítas transmitem o lado humano da guerra. “Gostaria que as revistas mostrassem o drama humano da guerra. É muito bom fazer um cálculo geopolítico, estudar as coisas em profundidade. Vocês devem fazer isso, porque é o trabalho de vocês. Mas também procurem transmitir o drama humano da guerra. O drama humano daqueles cemitérios, o drama humano das praias da Normandia ou de Anzio, o drama humano de uma mulher cuja à porta bate um carteiro e que recebe uma carta agradecendo-lhe por ter dado um filho à pátria, que é um herói da pátria… E, assim, ela fica sozinha. Refletir sobre isso ajudaria muito a humanidade e a Igreja. Façam as suas reflexões sócio-políticas, mas não descuidem da reflexão humana sobre a guerra”, pediu.

Dinamicidade e Juventude

Além de falar sobre a sinodalidade vivenciada em outras partes da Europa, como na Alemanha, Francisco também partilho acerca de como vê a revitalização espiritual da Igreja.

Já no final da conversa, o Pontífice comentou sobre o público juvenil que vive diante do imediatismo. Diante da realidade do discernimento em relação a esse público, o Papa falou de dinamicidade e movimento:

“Não devemos ficar parados. Quando se trabalha com os jovens, devemos sempre dar uma perspectiva em movimento, não estática. Devemos pedir ao Senhor de ter a graça e a sabedoria de nos ajudar a dar os passos corretos. Na minha época, o trabalho com os jovens consistia em encontros de estudo. Agora já não funciona mais dessa maneira. Devemos levá-los adiante com ideais concretos, obras, caminhos. Os jovens encontram sua razão de ser ao longo do caminho, nunca estaticamente. Alguns podem estar hesitantes porque veem jovens sem fé, dizem que não estão na graça de Deus. Mas deixem que Deus cuide deles! Sua tarefa é colocá-los no caminho. Acho que é a melhor coisa que podemos fazer”, concluiu.

 

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