Prevenção do suicídio

Setembro Amarelo: "O diálogo é primordial”, indica psicóloga

Jovem de 20 anos conta já ter cogitado o suicídio, relembra como deu a volta por cima e reafirma importância da sociedade falar sobre o tema

Julia Beck
Da redação

Isolamento é um dos sinais de que a pessoa pode apresentar ideias suicidas/ Foto: Wesley Almeida – Canção Nova

“Muitos acham que é bobeira, que é drama, coisa de adolescente, uma fase, ouvi muito isso. O suicídio é a ponta da pirâmide, mas para alcançá-lo é todo um processo, uma escada que te leva ao topo”. A declaração é de Ana Clara (nome fictício para preservar a fonte), jovem de 20 anos que contou já ter cogitado o suicídio como uma opção diante de momentos de extrema angústia e solidão. Casos como o dela são, de acordo com psicóloga Flávia do Carmo Martins, constantes e acometem jovens e adultos em larga escala. “O diálogo é primordial”, indicou.

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Flávia afirma que o suicídio é ainda visto como um tabu, como um assunto que não deve ser desenvolvido, e alertou que tratá-lo como tal não ajuda a resolvê-lo. “É importante falar (…) para que as pessoas próximas a quem tem ideias suicidas possam ter mais clareza sobre possíveis sinais do problema e, também, para quem tem estas ideias perceber que há um movimento com o qual podem contar como apoio para seu sofrimento psíquico. O suicídio está se tornando um assunto de saúde pública”.

Segundo Ana Clara, o medo do que as pessoas podem pensar é grande e um dos maiores inibidores. “A pessoa que passa por isso tem medo de ser julgada. Eu tive muito medo de ser julgada, das pessoas me apontarem e dizerem: ‘Ela é louca! Ela é depressiva! Ela é isso, ela é aquilo’. Então o que mais me deixou inibida foi o medo das pessoas descobrirem, se afastarem, não quererem minha amizade”.

Falar sobre o assunto é uma forma, de acordo com a psicóloga, para que se crie um clima amigável e seguro para que a pessoa com ideias suicidas sinta-se à vontade para falar. A jovem conta que quando se abriu pela primeira vez foi um alívio e afirma que ouvir é a melhor forma de ajudar quem passa por essa situação.

“As pessoas não precisam dizer palavras de conforto, nem tentar promover uma autoajuda, é bonito, eu entendo, mas escutar sempre será o melhor porque o problema é desabafar, depois que a gente desabafa a gente pode respirar, sente como se não carregasse aquele fardo sozinho”, comenta a estudante.

Em alguns casos, a profissional de psicologia afirmou ser necessário o auxílio de medicamentos que somente podem ser ministrados por psiquiatras, e classificou como indispensável o auxílio terapêutico com um psicólogo bem formado e profissional sério. “Há questões da mente humana que trazem grande sofrimento que a pessoa somente consegue expor na clínica e não o faz com mais ninguém. Esta pessoa precisa ter alguém com quem contar, conversar e desabafar”.

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Da socialização ao isolamento

Alegre, animada e rodeada de pessoas. Assim era Ana Clara antes de passar pela difícil fase da perda de sentido da vida. A jovem conta que não se recorda do momento certo em que começou a perder a alegria de viver, mas afirma ter passado por uma fase difícil de descoberta de um câncer na tireóide, seguido de um sentimento de vazio muito grande.

A psicóloga aponta que são muitos os sinais que uma pessoa que tem ideias suicidas pode transmitir a quem está por perto, como falar frases do tipo “não aguento mais”, “só sinto vontade de sumir”, “perdi a paixão pela vida”, etc. A mudança brusca, inesperada de comportamento também pode ser um sinal de alerta, disse a profissional, que apontou a exclusão de hábitos que davam prazer e a escolha pelo isolamento como comportamentos perceptíveis de quem passa por esta situação.

“Eu tinha medo de chorar na frente da minha família, porque se eu fosse fraca, quem seria forte pela minha família? Então eu sempre chorei escondido e tentava não demonstrar emoção, comecei com crises de pânico, tinha medo das pessoas, medo de sair na rua, medo de tudo. (…) Escolhia mal minhas amizades, fazia muitas coisas erradas, mentia demais para os meus pais, bebia muito, levava uma vida desregrada porque não estava nem aí e achava que aquilo era aproveitar a vida. Fui indo, indo, e me sentia cada dia mais vazia porque o que me preenchia de verdade eu nunca tinha”, conta a jovem.

De acordo com a psicóloga, há inúmeros fatores que levam os jovens à crises existenciais, como: famílias desestruturadas, corpos que não cumprem um padrão da sociedade, situações precárias de vida e moradia e falta de um significado para aquilo que realizam. “O jovem tem uma inquietação natural por encontrar sentido para a sua vida”, afirmou Flávia.

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A mudança

Ana Clara conta que sua família é católica, e que sempre frequentaram a missa aos domingos. De acordo a estudante, neste período acreditava em Deus, mas não tinha uma fé segura. “Fui me deixando levar e aquilo foi me consumindo, até que um dia eu falei: chega”, relembra. A jovem disse que tudo mudou quando recebeu o convite de um amigo para participar de um retiro organizado por um movimento católico.

“Foi lá que tudo aconteceu, que eu me reencontrei com Deus. Eu sempre acreditei em Deus, mas lá eu senti a presença Dele e foi o início da minha transformação. Eu vi jovens felizes falando no retiro, e pedia a Deus que me fizesse experimentar também aquele amor, eu queria ser feliz como aqueles jovens, e foi o momento que falei para mim: ‘Eu não vou desistir da minha vida nunca mais’. Foi um momento que eu fui reavivada, ressuscitada porque eu estava morrendo aos poucos. Eu ganhei a minha vida de novo. Foi o momento que eu decidi viver”, conta.

A estudante lembra que o ápice de sua mudança de vida aconteceu durante o momento de Adoração do mesmo retiro. “Eu abria e fechava meus olhos e via um mar durante uma tempestade. Era como se Deus me falasse que a vida era daquele jeito, uma tempestade, e, se eu estivesse disposta Ele me sustentaria. Naquele momento me coloquei à disposição de Deus e na imagem, o mar se acalmou. Foi quando eu disse: ‘Agora é para valer, minha vida foi impulsionada, se nem Deus desistiu da minha vida, não vai ser eu que vou desistir!’.”

Para os que passam por momento semelhante, Ana Clara afirma que o mais importante é ter esperança, nunca desistir, valorizar o lado espiritual e eliminar da vida tudo o que diminui a autoestima, desvaloriza e diminui. “Valorize seu lado espiritual, é ele que te dá força para caminhar, para não desistir. Para mim, o lado espiritual foi um divisor de águas, foi o mais importante. Foi realmente um milagre, minha vida se transformou, mas isso não quer dizer que não tenho mais problemas. A diferença enorme de antes para agora é que agora tenho um alicerce que me prova que a minha vida vale a pena, este alicerce é a minha fé em Deus”, concluiu.

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