Para refletir

Jurista e cientista política analisam crise política no Brasil

Jurista Ives Gandra acredita que nomeação de Lula fere princípio da moralidade; cientista política atenta sobre necessidade de mudar estrutura da corrupção

Jéssica Marçal
Da Redação

Brasileiros vão às ruas em Brasília em protesto   / Foto: José Cruz-Agência Brasil

Brasileiros vão às ruas em Brasília em protesto / Foto: José Cruz-Agência Brasil

Os brasileiros têm acompanhado com atenção, receio e incerteza o momento político do país. Nesta quinta-feira, 17, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, mas, logo depois, essa posse foi suspensa com liminar. O governo conseguiu derrubá-la, contudo, já surgiram outras. Uma “dança das cadeiras”, que está repercutindo no Brasil e na imprensa internacional.

As discussões sobre o rumo dado ao Governo da presidente Dilma Rousseff aumentaram quando ela decidiu nomear Lula como ministro da Casa Civil. Para o jurista Ives Gandra, essa nomeação feriu o princípio da moralidade, pois ele está sendo investigado por suspeita de corrupção na Operação Lava Jato, conduzida pela Polícia Federal e sob jurisdição do juiz federal Sérgio Moro. Além disso, feriu o princípio da impessoalidade, segundo o qual deve-se nomear alguém por interesse público, não pessoal. 

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Moro divulgou, na quarta-feira, 16, o áudio de uma conversa telefônica entre Lula e Dilma. Essa ação do juiz também dividiu opiniões. “A meu ver, deu vazão ao princípio da publicidade. Tomou conhecimento de um fato grave que ainda estava na sua jurisdição (…) e ele gravou baseado em outro princípio constitucional: fatos de extrema relevância e gravidade como esse poderiam ser dado a público, porque são do interesse público”. 

A cientista política Dora Soares avalia que a hierarquia estabelecida no país deve ser respeitada, o que não aconteceu. “Ela (Dilma) é o maior cargo e isso tem de ser respeitado, senão, você não tem instituição no país (…) Não é em nome de denunciar e combater a corrupção que eu não respeito as instituições. Você tem que pensar na estabilidade política do país, na estabilidade econômica, porque isso tudo tem decorrência”.

As investigações sobre Lula, como ficam?

O jurista Ives Gandra / Foto: Arquivo CN

O jurista Ives Gandra / Foto: Arquivo CN

A grande questão que fica em aberto é que rumo vão tomar as investigações sobre o ex-presidente Lula. Se ele não fosse ministro, seria investigado normalmente dentro da Operação Lava Jato, como qualquer cidadão comum.

Caso o Governo consiga revogar a suspensão e ter Lula como ministro, ele passa a ter foro privilegiado. Gandra explica que o processo segue, então, para o Supremo Tribunal Federal (STF). As investigações continuam, o que muda é a instância em que será realizada. Todo o material avaliado até então pelo ministério público do Estado de São Paulo tem validade, mas a análise e o possível julgamento ficam a cargo do STF, não mais de Moro.

Impeachment de Dilma e reflexos da crise

A nomeação de Lula para a Casa Civil foi um dos elementos que impactou ainda mais a crise política no país e o processo de impeachment em estudo contra a presidente Dilma Rousseff. Ainda na quinta-feira, 17, a Câmara dos Deputados aprovou a comissão especial que analisará o pedido de impeachment da presidente.  O jurista Ives explica que essa comissão vai seguir as determinações do STF e examinar os argumentos para decidir se propõe ou não o impeachment.

Essas ações e decisões impactam também a população, que em várias regiões do país saiu às ruas em protesto. “Eu tenho a impressão de que a pressão popular é evidentemente um elemento político, porque ela (Dilma) foi eleita pelo povo e agora o povo está querendo que ela saia. A pressão popular faz com que ela não tenha confiança nem condições de governabilidade”, afirma Gandra.

Se o cenário não está favorável para a política, tão pouco está para outros setores da vida do brasileiro. “Os investidores não investem, porque não sabem o que vai acontecer. O povo não acredita e tirou toda confiança dela (Dilma), é só ver as manifestações espontâneas de ontem. O desemprego está aumentando, porque, não havendo investimento, o desemprego é maior. O PIB está caindo assustadoramente. O Brasil está entrando numa crise monumental. Cada vez que há notícia de que ela (Dilma) vai cair, o dólar cai e a bolsa sobe; cada vez que ela se recupera, a bolsa cai e o dólar sobe”.

Gandra acredita que as manifestações populares exercem grande pressão nesse processo de impeachment. “Se elas continuarem, duvido que os deputados que vão ter seu nome promulgado votarão nela (Dilma). Se elas diminuírem, os deputados ganharão coragem de aceitar as benesses do poder”.

Necessidade de mudança verdadeira

Dora Soares, cientista política / Foto: Arquivo CN

Dora Soares, cientista política / Foto: Arquivo CN

Em meio às manifestações contrárias e favoráveis ao Governo, pedindo ou não a saída de Dilma, Dora Soares chama à atenção para a falta de um propósito para combater a corrupção. Segundo ela, há nas manifestações um ódio pessoal por um partido e por indivíduos.

“Se a presidência renuncia, seremos governados pelo que, por quem, se o vice-presidente está sim denunciado, se o presidente do Senado está no meio das denúncias, se o presidente da Câmara Federal está no meio das denúncias?”, questiona Dora.

Para a cientista política, cabe a todos os brasileiros pensar em mecanismos que garantam a permanência da democracia e o combate à estrutura da corrupção, já que, para ela, não há hoje no país um nome a quem o povo possa recorrer.

“Nós já tiramos um presidente; retirar outro não significa mudar a possibilidade da corrupção. É a estrutura que nós temos que pensar (…) Nós precisamos pensar que são grupos que governam, e não um grupo que assumiu e que é corrupto em si (…) Trocando os indivíduos, a estrutura continuará a mesma, então nós temos de pensar qual a mudança necessária na estrutura, para que sejam garantidos o combate à corrupção e o bem-estar social”.

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