Fase terminal

Bispo esclarece diferença entre eutanásia e ortotanásia

Desde o dia 31 de agosto, conforme a Resolução 1995, do Conselho Federal de Medicina (CFM), qualquer pessoa, desde que maior de idade e plenamente consciente, pode definir junto ao seu médico quais os limites terapêuticos para a fase terminal.

Mas o bispo auxiliar da arquidiocese do Rio de Janeiro (RJ), Dom Antônio Augusto Dias Duarte, alerta para que, sob o nome de ortotanásia, não se aplique eutanásia pela falta de distinção entre tratamentos com meios terapêuticos proporcionais e tratamentos com meios terapêuticos desproporcionais.

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“Tem que distinguir muito bem quais são os meios terapêuticos proporcionais e os meios terapêuticos desproporcionais.(…) Essa Diretiva Antecipada de Vontade ou Testamento Vital, conforme o CFM, não me parece que seja um avanço na relação médico-paciente, não me parece que seja um progresso, porque esse procedimento pode não estar diretamente relacionado à ortotanásia. Pode estar diretamente ligado à eutanásia. Porque a ortotanásia é a pessoa manifestar o seu desejo de não ter meios desproporcionais, do ponto de vista tecnológico, medicamentoso ou econômico, diante de uma morte iminente, na evolução de uma doença que sabe que não vai mais conseguir deter, porque essa patologia leva à morte. Agora, qualquer coisa que você faça sobre aquela pessoa que vai antecipar a morte, isso é, propriamente dito, eutanásia, embora alguns queiram manipular a opinião pública dizendo que isso é ortotanásia. Não é. Ortotanásia é interrupção de meios desproporcionais.
Eutanásia é interrupção de meios proporcionais.

O Código de Ética Médica, em vigor desde abril de 2010, explicita que é vedado ao médico abreviar a vida, ainda que a pedido do paciente ou de seu representante legal (eutanásia). Mas, atento ao compromisso humanitário e ético, prevê que nos casos de doença incurável, de situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico pode oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis e apropriados (ortotanásia).

O bispo adverte que entender o que são meios proporcionais e desproporcionais ajuda a não confundir ortotanásia com eutanásia, já que, com a Diretiva Antecipada de Vontade, o paciente poderá definir, com a ajuda de seu médico, os procedimentos considerados pertinentes e aqueles aos quais não quer ser submetido em caso de terminalidade da vida, por doença crônico-degenerativa. Será possível, por exemplo, expressar se não quer procedimentos de ventilação mecânica (uso de respirador artificial), tratamento medicamentoso ou cirúrgico doloroso ou extenuante ou mesmo a reanimação, na ocorrência de parada cardiorrespiratória.

“Por exemplo, se eu sou uma pessoa que não tem os meios econômicos necessários e há em outros países uma medicina mais avançada, um remédio mais caro, eu não tenho obrigação moral de procurar esses meios, que a mim são desproporcionais porque a minha condição econômica não me permite. (…)

O segundo exemplo é um caso em que, já com a evolução da doença, com um juízo bem fundamentado por parte dos médicos de que realmente aquele tratamento não está sendo suficiente para deter a evolução da enfermidade ou para curá-la, de forma que a morte é, então, iminente, eu não tenho a obrigação de usar meios desproporcionais para poder manter uma esperança que não existe de que aquela doença será curada. Sendo assim, eu tenho a liberdade de dizer: ‘não, esses meios desproporcionais eu não quero’ e, ao tomar essa decisão, eu não estou sendo a favor da eutanásia e nem estou deixando de cuidar da saúde. Porque eu já sei que, com esses tratamentos desproporcionais, não vai haver uma melhora de qualidade, não vai ter uma cura da doença. Simplesmente vai ter um prolongamento do tempo, com resultados nulos. Então, eu posso suspender esse possível tratamento desproporcional, não aceitá-lo. Essa minha decisão chama-se ortotanásia.

Como pode ser feita a Diretiva Antecipada de Vontade?

Pela Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), o registro da Diretiva Antecipada de Vontade pode ser feito pelo médico na ficha médica ou no prontuário do paciente, desde que expressamente autorizado por ele. Para tal, não são exigidas testemunhas ou assinaturas, pois o médico – pela sua profissão – possui fé pública e seus atos têm efeito legal e jurídico. No texto, o objetivo deverá ser mencionado pelo médico de forma minuciosa, esclarecendo que o paciente está lúcido, plenamente consciente de seus atos e compreende a decisão tomada. Também deverá constar o limite da ação terapêutica estabelecido pelo paciente.

Neste registro, se considerar necessário, o paciente poderá nomear um representante legal para garantir o cumprimento de seu desejo. Caso o paciente manifeste interesse, poderá registrar sua Diretiva Antecipada de Vontade também em cartório. Contudo, este documento não será exigido pelo médico de sua confiança para cumprir sua vontade. O registro no prontuário será suficiente. Independentemente da forma – se em cartório ou no prontuário – essa vontade não poderá ser contestada por familiares. O único que pode alterá-la é o próprio paciente.

A Diretiva Antecipada de Vontade é facultativa e pode ser feita em qualquer momento da vida, mesmo por quem goza de perfeita saúde, e pode ser modificada ou revogada a qualquer momento.

Dever vs Direito

Para Dom Antônio, é necessário também ter atenção para que não se confunda o que é dever de cada um e nem se transforme o que hoje é um direito num direito arbitrário, no futuro.

“É um dever do médico proporcionar a saúde ao seu paciente e, quando não consegue obter a total saúde para ele, deve, pelo menos, aliviar o seu sofrimento. Assim como a própria pessoa tem o dever de cuidar da sua saúde e os seus familiares também têm o dever de fazer com que essa pessoa seja tratada. É só quando está comprovado cientificamente que não existe nenhum tratamento que vai impedir a evolução da doença, que está caminhando para a morte iminente, é que se pode abrir mão do tratamento terapêutico, porque, neste caso, é desproporcional. Agora, conceder às pessoas, com essa resolução, o direito absoluto sobre a vida humana, é um direito que pode transformar-se depois num direito arbitrário, porque você começa com um paciente e depois o árbitro dessa vida pode ser o médico ou seus familiares. (…) Então, esse Testamento Vital, nome utilizado nos EUA e nos países da Europa e que aqui tem o nome de Diretiva Antecipada de Vontade, é querer registrar um desejo expresso pelo paciente em um documento, que vai permitir que a equipe que o atenda tenha um suporte legal, que dizem ético, mas não existe suporte ético para cumprir o que prescreve o paciente”, disse.

De acordo com o bispo auxiliar do Rio de Janeiro, não existe suporte ético para cumprir o que prescreve o paciente porque esta orientação aos médicos dá à pessoa o direito absoluto sobre a sua vida no momento em que está fragilizada pelo sofrimento:

“A pessoa, mesmo que esteja com uma doença terminal com morte iminente, não pode dizer: ‘me mate agora, porque eu vou morrer semana que vem’. (…) Os estudos da psicologia médica demonstram que num paciente com uma doença grave, mesmo que não exista a morte iminente, o sofrimento é de tal ordem que a pessoa em sua reação pede: ‘eu quero morrer’, e isso é normal no desenvolvimento de doenças mais graves. Mas esse pedido de querer morrer é, justamente dentro de uma psicologia bem estudada pelos especialistas nessa matéria, o desejo de ser cuidada, de ter alguém que ajude a suportar e a aliviar aquele sofrimento. E isso é o papel da Medicina, que a ética prescreve, que é ter as medidas dos cuidados paliativos, proporcionando uma equipe médica multidisciplinar, para ajudar realmente a pessoa a morrer com dignidade. E não morrer por omissão dos meios proporcionais de cuidar da pessoa até o momento final.

Fiscalização

Dom Antônio, assim como o fez o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Raymundo Damasceno Assis, chama a atenção para que a fiscalização à aplicação da resolução seja feita pelo Conselho Federal de Medicina para garantir os recursos básicos para os pacientes em casos terminais.

“Se o paciente quer morrer com dignidade e deseja que seja em casa, e não numa Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), no meio de aparelhos que estão apenas prolongando o sofrimento, então os médicos têm o dever de manter os cuidados paliativos, no sentido de diminuir a dor, manter os cuidados higiênicos, os cuidados básicos alimentares, a hidratação que a pessoa precise receber… Esses cuidados paliativos são o outro lado da moeda dessa decisão de interromper o tratamento desproporcional”, orientou.

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