Pequeno guerreiro

Luta pela vida: caso Alfie Evans causa comoção internacional

Justiça determinou desligamento dos aparelhos, contrariando vontade dos pais

Jéssica Marçal, com colaboração de Elaine Santos
Da Redação

O pequeno Alfie Evans, que completará dois anos de idade no próximo dia 9 de maio / Foto: Reprodução internet

Uma batalha pela vida, marcada por audiências judiciais, mobilização na internet e até apelos do Papa Francisco. Assim tem sido a vida de Tom Evans e Kate James, pais de Alfie Evans, um menino britânico de apenas um ano e 11 meses que sofre de uma doença degenerativa e está internado no Alder Hey Children’s Hospital, em Liverpool. A Suprema Corte inglesa determinou o desligamento dos aparelhos, decisão que contrariou a vontade dos pais.

O caso alcançou repercussão internacional e trouxe de volta a discussão sobre o direito à vida, levando a questionar como devem ser tratados casos de doentes terminais. A equipe do noticias.cancaonova.com conversou com o padre Márcio Marcelo Coelho, doutor em Teologia Moral pela Academia Alfonsiana de Roma, Itália.

Autor e assessor também na área de Bioética, padre Mário explica que, diante de um caso de doença terminal, a bioética católica diz que não existe a obrigação moral de dar um tratamento extraordinário, ou seja, um “tratamento fútil, inútil”, o que configuraria distanásia. Porém, não se pode negar o chamado tratamento ordinário, caracterizado, de forma geral, por hidratação, nutrição, analgésico e ventilação mecânica.

O caso de Alfie, segundo padre Mário, enquadra-se como um tratamento ordinário que, portanto, não pode ser tirado do menino. “No caso dele, eu percebi que ele estava sendo mantido só por esse tratamento básico, ordinário, e tiraram esse tratamento e o menino se manteve vivo. Isso não é moral (…) Pelas notícias que a gente acompanha, ele foi desidratado. A morte seria provocada por uma desidratação, isso não é moral”.

“É um caso de eutanásia”, afirma o professor de História da Igreja, Felipe Aquino, citando o parágrafo 2277 do Catecismo da Igreja Católica: “Sejam quais forem os motivos e os meios, a eutanásia direta consiste em por fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inadmissível”. 

A Itália chegou a conceder cidadania italiana a Alfie e oferecer a ele todo o suporte para que fosse transferido ao país, o que foi negado. Padre Mário avalia que a ida do menino ao país seria importante; ele defende que, nesse caso, se deve procurar novas tentativas. “Tanto é que ele permaneceu vivo mesmo tirando aquilo que era básico. Existe uma vida nesse menino e como tal deve-se lutar por ela até os últimos momentos”, enfatizou o sacerdote.

“Precisamos sempre acompanhar os sinais dos tempos e os sinais dos lugares (…) Se a ciência disse ‘não vai viver sem os aparelhos’ e viveu, não morreu, a nossa fé nos diz que temos que de novo crer que Deus é Todo Poderoso e que Deus pode tudo”, afirmou o bispo da diocese de Lorena (SP), Dom João Inácio Müller, também comentando o caso do menino. 

Família x Justiça

Um dos pontos que chamou a atenção no caso de Alfie foi o fato de se contrariar um desejo da própria família do menino, que tentou todos os recursos para mantê-lo vivo.  Em entrevista à repórter Iasmin Costa, do telejornal CN Notícias, o advogado Flávio Sousa disse que a opinião dos pais não deveria ter sido ignorada e ressaltou que o poder familiar é um direito internacional.

“Esse poder familiar é intransferível. Quando o hospital determina o que é melhor para a criança, que é o caso do Alfie, ele está interferindo diretamente no poder, interferindo e usurpando o poder que é exclusivo dos pais”, declarou.

Esse direito dos pais também é defendido pela Igreja, como explicou o professor Felipe. “Não pode de jeito algum a Justiça querer sobrepor o direito dos pais. Isso parece um absurdo muito grande nessa situação: o juiz querer obrigar que se desligue os aparelhos quando não é um tratamento extraordinário, é um tratamento ordinário que a criança está recebendo”. 

Segundo a especialista em Direito Internacional, Joyce Dias, também ouvida pela reportagem, essa intervenção da Justiça não tem unanimidade nem entre os britânicos. “O que se discute é tentar achar um equilíbrio, um meio termo, que os pais ainda possam ter uma certa participação, e não ser como está sendo atualmente, em que a decisão judicial prevalece totalmente sobre a decisão dos pais”.

Apelos do Papa

No dia 5 de abril, o Papa Francisco se pronunciou sobre o caso, pedindo orações pelo menino “É minha sincera esperança que seja feito todo o possível para continuar acompanhando com compaixão o pequeno Alfie Evans e que o profundo sofrimento de seus pais seja ouvido. Estou rezando por Alfie, por sua família e por todos os envolvidos”, escreveu Francisco em sua conta no twitter.

Duas semanas depois, em 18 de abril, o Pontífice recebeu no Vaticano o pai de Alfie, Thomas Evans. Nesse mesmo dia, após a tradicional catequese de quarta-feira, Francisco já havia feito um novo apelo: “Dirijo minha atenção a Vincent Lambert e Alfie Evans. Gostaria de repetir e confirmar com convicção que o único com poder de decidir pelo início e até o fim natural da vida é Deus. É nosso dever nos esforçarmos ao máximo pela vida. Vamos pensar em silêncio, rezemos para que a vida seja respeitada, especialmente desses nossos dois irmãos. Vamos rezar em silêncio”, disse o Santo Padre.

Thomas Evans, pai do menino Alfie Evans, foi recebido pelo Papa Francisco em 18 de abril/ Foto: Reprodução Reuters

Os apelos do Papa não pararam por aí. Nesta segunda-feira, 23, ele voltou a se pronunciar sobre o caso com um novo tweet em que pediu que o desejo dos pais de Alfie, de tentar novos tratamentos, fosse atentido. “Emocionado pelas orações e pela grande solidariedade em favor do pequeno Alfie Evans, renovo meu apelo para que seja ouvido o sofrimento de seus pais e seja satisfeito seu desejo de tentar novas possibilidades de tratamento”.

Bispos do Rio se solidarizaram

Bispos do RJ reunidos para mensagem sobre o caso Alfie / Foto: Reprodução

A comoção em torno do caso do pequeno Alfie chegou ao Brasil. Os bispos do Regional Leste 1 da CNBB se solidarizaram e, durante participação na 56ª Assembleia Geral da CNBB, emitiram uma nota de solidariedade, datada de 20 de abril, e gravaram uma mensagem para Tom Evans.

“Afirmamos aquilo que sempre permaneceu no tesouro doutrinal da Igreja católica: a vida é sagrada e inviolável e de modo nenhum pode, sob qualquer argumentação, ser vilipendiada ou suprimida”, escreveram os bispos.

No vídeo, o arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Orani Tempesta, expressa o apoio aos familiares de Alfie nesse momento difícil. “Nós do estado do Rio de Janeiro queremos estar junto aos familiares, aos amigos, para apoiar neste momento difícil que passam e dizer às autoridades que a vida é um grande dom, uma grande responsabilidade e a família tem essa responsabilidade de conservar a vida e o Estado de prover as necessidades daquele que assim necessitam”, afirma o cardeal. E os bispos, em coro, concluem: “Nós dizemos sim à vida”.

A história se repete

A história de Alfie Evans faz lembrar o caso de Charlie Gard, outro bebê britânico  que sofria de uma doença rara e incurável. Seus pais, Connie Yates e Chris Gard, também travaram uma batalha judicial para tentar levar o filho aos Estados Unidos para um tratamento experimental, desejo este que foi negado.

O caso de Charlie também causou uma mobilização internacional. O hospital Bambino Gesù, que ofereceu acolhida a Alfie, se dispôs na época a receber Charlie, mas o recurso também foi negado. O Papa Francisco também se manifestou com pedidos de oração pela criança e pela família.

A Alta Corte da Justiça Britânica decidiu, por fim, levar Charlie para um centro para doentes terminais. O bebê faleceu em 28 de julho, pouco antes de completar um ano de idade. 

 

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