Entrevista exclusiva

Igreja não mudou posição sobre homossexuais, afirma cardeal

Cardeal Odilo Scherer diz que interpretação sobre mudança de postura da Igreja quanto aos homossexuais é errônea

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O Arcebispo de São Paulo, Cardeal Odilo Pedro Scherer, participa dos trabalhos da 3ª Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos / Foto: Reprodução TVCN

Kelen Galvan
Da redação, com colaboração de Danusa Rego

A Igreja não mudou sua posição em relação às uniões de pessoas do mesmo sexo. Foi o que afirmou o Cardeal Odilo Pedro Scherer, que participa dos trabalhos da 3º Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, sobre a Família, no Vaticano, em entrevista exclusiva à nossa correspondente em Roma, Danusa Rego.

O cardeal comentou a repercussão das mídias, que, em alguns casos, trouxeram interpretações equivocadas sobre o relatório da primeira semana do Sínodo, apresentado nesta segunda-feira, 13.

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Dom Odilo enfatizou que o relatório foi apenas um “apanhado” geral de tudo o que foi apresentado rapidamente em mais de 200 intervenções, e o texto ainda passará por discussões. Ele lembrou também que o documento final do Sínodo será concluído apenas em outubro de 2015.

Outro alerta do cardeal foi a respeito de decisões de Francisco. Segundo ele, “não houve nenhuma decisão do Papa”, pelo contrário, o Santo Padre está em atitude de escuta. “Ele está participando de quase tudo, quietinho, ouvindo, porque o Sínodo é chamado justamente a falar, e o Papa ouve”, explicou.

Leia a entrevista completa:

Canção Nova – Dom Odilo, na segunda-feira, o Cardeal Péter Erdõ, leu o chamado relatório pós-congregações, que sabemos não ser ainda o documento final do Sínodo, não é mesmo?

Dom Odilo – De fato, esse relatório, preparado pelo Cardeal Erdõ, de Budapeste, que é o relator geral do Sínodo, ajudado naturalmente pela equipe de secretaria, tentou trazer uma síntese de tudo o que foi apresentado durante a semana, por mais de 200 intervenções dos membros do Sínodo, que falaram por três ou quatro minutos.

Portanto, foram muitas intervenções e o relator fez um apanhado organizando essas sínteses com uma reflexão, títulos e assim por diante.

Então, esse relatório não é ainda uma decisão, não é um documento do Sínodo. É um relatório. E um relatório que, naturalmente, está sendo trabalhado ulteriormente pelo Sínodo, porque os grupos menores são parte da metodologia.

O Sínodo é maior que o trabalho do relator. Então, o Sínodo continua trabalhando sobre esse relatório agora para complementar, ampliar, aprofundar e cortar, se for o caso, alguma questão. E, naturalmente, isso parte da metodologia do Sínodo.

O que eu quero destacar é que, de fato, esse relatório apresentado é de síntese, não é nenhum documento aprovado.

Assista entrevista completa

Canção Nova – Ontem, um dos cardeais afirmou ter visto com surpresa a forma que algumas mídias noticiaram os fatos dessa semana, como se o Papa já tivesse decidido alguma coisa. Lemos em alguns jornais, por exemplo, que os bispos defendem mudanças profundas na relação do Vaticano com os homossexuais, e que bispos conservadores estariam reagindo à abertura da Igreja com relação aos gays. O senhor poderia também esclarecer essa questão?

Dom Odilo – Para começar, não houve nenhuma decisão do Papa. Ele está participando de quase tudo, quietinho, ouvindo, porque o Sínodo é chamado justamente a falar e o Papa a ouvir. O Papa não está intervindo constantemente. Ele ouve. E, portanto, não tomou nenhuma decisão.

Então, noticiar que o Sínodo tomou essa decisão, mudou isso ou aquilo, não é verdade. Isso ainda não aconteceu nem é parte da metodologia do Sínodo, mas o Papa incentivou que todos tivessem a coragem de falar, francamente e livremente.

Ele até disse: “Quem garante a unidade da Doutrina é o Papa; portanto, falem livremente, porque nós estamos num Sínodo”. Sínodo significa um caminho, a busca de um caminho comum.

As reflexões evidentemente não são todas iguais. Nos mais de 200 participantes desta Assembleia Sinodal, há muitas maneiras diferentes de ver as coisas. Isso tudo é apresentado; então, é claro que as posições não são iguais. Mas isso não significa que estão aí debatendo uns contra os outros, que está tendo partido aqui, bancada lá. Isso é uma fantasia que, talvez, caiba nos parlamentos políticos, mas não está acontecendo na Igreja.

O que está havendo é a livre manifestação das ideias, das reflexões que, agora, buscam chegar a um caminho comum. Sínodo é isso: um caminho comum, que, de toda maneira, ainda tem muitas etapas para fazer, para se chegar a um documento final. Inclusive, o caminho a fazer é a próxima Assembleia do Sínodo do ano que vem.

Canção Nova – Nós falamos dos homossexuais, talvez seja interessante esclarecer também que não é uma grande novidade a acolhida da Igreja para com essas pessoas, não é Dom Odilo?

Dom Odilo – De fato, às vezes, apresenta-se como grande novidade aquilo que já está, é parte da vida da Igreja, é parte das atitudes dela, da sua doutrina. Então, não houve também nada de mudança nesse sentido. É só olhar o que está nos documentos da Igreja a respeito dos homossexuais.

O que se disse erroneamente é que a Igreja mudou sua posição em relação à união de pessoas do mesmo sexo. Isso não aconteceu. Não houve uma mudança de posição.

O que houve no Sínodo foram várias considerações, porque isso também está na pauta, no Instrumento de Trabalho, a respeito das uniões de pessoas do mesmo sexo. Como encarar isso? Como encarar a presença dos homossexuais na Igreja? Como encarar a adoção de filhos e a educação deles? Como encarar duas pessoas do mesmo sexo que adotaram uma criança e querem batizá-la? Tudo isso foi refletido. Mas não houve mudança de posição na Igreja em relação àquilo que já se fazia.

Canção Nova – Para que as pessoas compreendam melhor, qual o clima desses trabalhos sinodais entre os cardeais, os bispos e até mesmo os leigos que participam dessas discussões?

Dom Odilo – O clima é muito bom, sereno e fraterno, de grande liberdade e de grande caridade também no escutar. Basta pensar que, na semana passada, ficamos a semana inteirinha, manhã e tarde, escutando os outros que falavam, e ficávamos quietinho. Eu falei duas vezes durante a semana e o resto foi escutar.

Então, a gente faz a caridade da escuta, da paciência, do discernimento, da acolhida de quem pensa diferente para chegar justamente a uma maior luz sobre a verdade que tem de ser acolhida e seguida.

O clima é muito fraterno, portanto, entre todos os participantes do Sínodo, isso não impede que cada um expresse livremente, com toda a sua convicção, aquilo que pensa; e isso é necessário, porque se todo mundo pensa a mesma coisa, nós não vamos para a frente nem seria necessário fazer um Sínodo.

Canção Nova – Como caminham os trabalhos dos círculos menores, em especial do grupo do qual o senhor participa?

Dom Odilo – Eu estou num grupo de língua espanhola. Infelizmente, não temos um grupo de língua portuguesa. Esse grupo é formado sobretudo de latino-americanos, de bispos de toda a América Latina e um ou outro da Espanha, portanto, bastante diversificado.

O grupo é muito vivo, muito interessado nas questões, com muitas sugestões, muita criatividade que está sendo manifestada. Nós estamos fazendo muitas propostas, emendas para enriquecer o texto e, depois, reapresentá-las no plenário, para que elas possam ser integradas ao texto global.

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