Não violência

Família, escola e comunidade: especialista reflete sobre a cultura de paz

Especialista em Segurança Pública afirma que, para construir cultura de paz é preciso qualificar relações em família, na escola e em comunidade

Kelen Galvan
Da redação

Construir uma cultura de não violência. Esse foi o pedido do Papa Francisco em sua intenção de oração para este mês de abril: “Rezemos pela maior difusão de uma cultura da não violência, que implica um cada vez menor recurso às armas, seja da parte dos Estados, seja da parte dos cidadãos”.

O pedido expressa o desejo da maioria das pessoas, mas o que pode ser feito para promover uma cultura de paz? Para a professora do Departamento de Direito da UFS, Denise Leal Fontes Albano, especialista em Segurança Pública, essa realidade é possível, desde que a questão da violência, da insegurança e da criminalidade na sociedade seja abordada com honestidade intelectual.

“A verdade é que vivemos uma grave crise ética atualmente que decorre de tempos em que prevalece o relativismo moral, a exaltação de um individualismo egocêntrico, a cultura materialista exacerbada, a influência de uma visão de mundo que investe no ódio entre grupos e o comprometimento dos vínculos familiares e comunitários”.

A especialista, doutora em Direito, explica que a junção destas realidades favorece a eclosão de manifestações violentas, cada vez mais frequentes, envolvendo especialmente adolescentes e jovens. Diante disso, ao reconhecer que, em sociedades complexas e cada vez mais diversificadas surgem tensões e conflitos, espera-se que tais questões sejam resolvidas com bom senso e equilíbrio.

“Assim, na escola, em família e na comunidade, recorrer a mediações e apoios mútuos diante de conflitos cotidianos é o primeiro passo, e apenas em situações em que há o escalonamento para violências e agressões mais graves, deve-se recorrer ao aparato repressivo estatal”.

O tripé família-escola-comunidade

Denise Albano acredita que o primeiro passo para a construção e consolidação dessa cultura da paz é buscar qualificar as relações em família, na escola e em comunidade.

“Está claro que de famílias onde prevalece uma atenção maior dos pais em relação aos seus filhos e estes não vislumbram a família como mero espaço de opressão, mas como espaço que favorece experiências de solidariedade e respeito, apesar de tensões e conflitos eventuais que fazem parte da dinâmica das relações humanas, saem indivíduos mais equilibrados e conscientes de seu compromisso moral no mundo”.

Nesse aspecto, a professora enfatiza que nos tempos atuais, lamentavelmente, a noção de autoridade cedeu espaço para a permissividade, e a ideia de liberdade passou a ser cada vez mais percebida como busca desenfreada pela satisfação de prazeres e desejos.

Para ela, os principais protagonistas na construção de uma cultura de paz são os pais e familiares mais próximos, ao lado de educadores e lideranças religiosas e comunitárias em geral.

Testemunho cotidiano de valores e princípios

Ela denota uma preocupação pelo fato de haver, em tudo, um anseio pela intervenção estatal, eximindo-se das responsabilidades pessoais e até da capacidade de serem promotores de valores e princípios morais nas crianças e jovens.

“Podemos fomentar valores e princípios que incrementam uma cultura da paz tanto pelo exemplo e testemunho que devemos dar em nossas ações cotidianas como não xingando o motorista que tomou nossa vaga no estacionamento”, destaca, bem como o fato de procurar auxílio com pessoas próximas e habilmente prudentes para mediar ou interceder, de forma pacífica, na resolução de tensões persistentes.

Segundo ela, é premente resgatar as referências de autoridade, disciplina, solidariedade e respeito no espaço familiar. “A verdade é que em uma sociedade doente, os primeiros sintomas dessa doença aparecem na família e, ainda que se reconheça que a chamada família nuclear e tradicional não seja sempre uma regra em muitos lares no Brasil, as crianças e jovens não podem crescer sem interditos morais e perdidos em suas referências existenciais”, afirma.

A violência nas escolas

Atualmente vemos o aumento de casos de violência nas escolas. Mesmo um ambiente que, como indicou a doutora em Direito, é também lugar de propagar a cultura de paz acaba sendo alvo de ataques violentos. 

Denise Albano, que também tem formação na área de violência no ambiente escolar, entende que fenômenos desta natureza são multicausais, ou seja, os motivos que impulsionam esses atos de violência decorrem de um combinado de fatores. Entre os quais desagregação familiar, esvaziamento da noção de autoridade, desvios comportamentais, precariedade das relações sociais, cultura de banalização do mal, sensação de impunidade e espetacularização do crime.

“Enquanto fenômeno complexo e multicausal, o enfrentamento do problema de violência nas escolas exige engajamento de muitos atores e integração de muitas instituições sociais além do Estado, como as famílias, as igrejas, as comunidades, universidades, entre outros”.

Para ela, também a escola pode ser um espaço para promover essa cultura da não-violência, por ser um importante local de socialização das crianças e adolescentes. Sendo assim, é fundamental focar em uma formação pautada por valores éticos e por uma concepção de mundo menos materialista e mais humana.

“Na família, na escola, na rua importa resgatar e reforçar a primazia do mandamento cristão de amar o próximo, de mostrar que não devemos fazer acepção de pessoas e reconhecer em cada uma delas a face de Cristo (…) somos chamados a fomentar valores de respeito e valorização de cada pessoa, reconhecendo que embora tenhamos nossas diferenças, somos ao mesmo tempo todos iguais, pois compartilhamos de uma mesma dignidade”.

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