Catequese de Bento XVI sobre Santa Teresa de Jesus

Caros irmãos e irmãs,

Depois do ciclo de catequeses que quis dedicar aos padres da Igreja e às grandes figuras de teólogos e mulheres da era medieval, eu quis concentrar-me, desta vez, sobre alguns santos e santas que foram proclamados doutores da Igreja por causa da elevada doutrina deles. Hoje, gostaria de iniciar uma breve série de encontros para completar a apresentação dos Doutores da Igreja. Começo com uma santa que representa um dos vértices da espiritualidade cristã de todos os tempos: Santa Teresa d'Ávila (de Jesus).

Ela nasceu em Ávila, na Espanha, em 1515, com o nome de Teresa de Ahumada. Na sua autobiografia, ela mesma menciona alguns particulares da sua infância: o nascimento e a educação por parte de pais virtuosos e tementes a Deus, no interior de uma família numerosa com nove irmãos e três irmas. Ainda criança, com menos de 9 anos leu a vida de alguns mártires que a inspiraram o desejo do martírio, tanto que chegou a improvisar uma breve fuga de casa para morrer mártir e subir ao céu (cf. Vida 1,4).

“Quero ver Deus”, disse a menina aos seus pais. Alguns anos depois, Tereza falará das suas leituras de infância e afirmará ter descoberto a verdade, que se resume em dois princípios fundamentais: de um lado “o fato que tudo aquilo que pertence ao mundo daqui, passa”; do outro, que somente Deus é para sempre, sempre, sempre, tema também presente na famosíssima poesia “Nada te perturbe, nada de amedronte, tudo passa, Deus não muda, a paciência alcança tudo. A quem tem Deus nada falta, só Deus basta". Teresa, que ficou órfã aos 12 anos, pede à Virgem Santíssima que seja a sua mãe (cf. Vida, 1,7).

Se na adolescência a leitura dos livros profanos a levaram às distrações de uma vida mundana, a experiência como aluna junto às irmãs agostinianas de Santa Maria das Graças de Ávila e a leitura dos livros espirituais, sobretudo aqueles clássicos da espiritualidade franciscana fez com que ela aprendesse a importância do recolhimento e da oração. Aos 20 anos, Teresa entra no mosteiro carmelitano da Encarnação, em Ávila . Na vida religiosa, ela assume o nome de Teresa de Jesus. Três anos depois, ela adoece gravemente ao ponto de ficar quatro dias em coma, aparentemente morta (cf. Vida 5,9). Também na luta contra as próprias doenças, a santa vê como um combate contra as fraquezas e resistências ao chamado de Deus: “Desejaria viver – escreve – porque entendia bem que não estava vivendo, mas esta lutando com uma sombra de morte e não havia ninguém que me desse vida, nem mesmo eu poderia alcança-lá, e aquele que poderia dar-me tinha razões para não me socorrer, haja visto que tantas vezes Ele me colocou diante dele e eu mesmo assim, o abandonei (Vida 8,2). Em 1543, Teresa perdeu alguns dos seus familiares: o pai morreu e todos os irmãos foram para a América. Na quaresma de 1554, aos 39 anos, Teresa chega ao cume da luta contra as próprias fraquezas. A descoberta por acaso de um Cristo muito chagado marcou profundamente a sua vida (cf. Vida 9). A santa que naquele período encontra profunda afinidade com o Santo Agostinho das “Confissões”, assim descreve a jornada decisiva da sua experiencia mística: “Acontece que, de repente me veio um sentido da presença de Deus, que em nenhum modo poderia duvidar que era dentro de mim ou que eu era toda consumida por Ele” (Vida 10, 1).

Paralelamente à maturidade da sua própria interioridade, a santa começa a desenvolver concretamente o ideal de reforma da ordem carmelitana: em 1562, funda em Ávila, com o apoio do bispo da cidade, Dom Álvaro de Mendonça, o primeiro carmelo reformado e pouco depois recebe também a aprovação dos superior geral da ordem, João Batista Rossi.

Nos anos posteriores, prosseguem as fundações de novos carmelos, que atingiu o total de dezessete. Fundamentalmente é o encontro com São João da cruz, com o qual, em 1568, constitui em Duruelo, vizinho a Ávila, o primeiro convento dos Carmelitanos descalços. Em 1580, obtém de Roma a fundação a Província autônoma para os seus carmelos reformados, ponto de partida da ordem religiosa dos carmelitas descalços. Teresa termina a sua vida terrena enquanto era empenhada nas atividades de fundação. Em 1582, de fato, depois de ter constituído o carmelo de Burgos e, enquanto estava cumprindo a viagem de retorno para Ávila, morreu na noite de 15 de outubro em Alba de Tormes, repetindo humildemente duas expressões: “No fim, morro como filha da Igreja e agora meu esposo, nos vejamos”. Uma existência consumada na Espanha, mas considerada pela Ireja inteira. Beatificada pelo Papa Paulo V em 1614 e canonizada em 1622 por Gregório XV é proclamada “Doutora da Igreja” pelo servo de Deus Paulo VI, em 1970.

Tereza de Jesus não tinha uma formação acadêmica, mas sempre viu como tesouros os ensinamentos dos teólogos, literários e mestres espirituais. Como escritora, sempre levou em consideração aquilo que vivia pessoalmente ou havia visto a partir da experiência dos outros (cf. Prologo de Caminho da perfeição). Teresa teve relacionamentos de amizade espiritual com muitos santos, em particular com São João da Cruz. Ao mesmo tempo, se alimentava com as leituras dos padres da Igreja, como São Jerônimo, São Gregório Magno e Santo Agostinho. Entre as suas maiores obras, se destaca a sua autobiografia intitulada Livro da Vida, que ela chamava de livro das misericórdias do Senhor, composto no carmelo de Ávila em 1565, que traz um percurso biográfico e espiritual no qual, afirma Teresa, foi submetida sua alma ao discernimento do “mestre dos espirituais”, São João de Ávila.

O objetivo é de evidenciar a presença e a ação de Deus misericordioso na sua vida. Por isto, a obra conduz frequentemente a um dialogo de oração com o Senhor. É uma leitura que fascina porque a santa não somente narra, mas revive a experiência profunda do seu relacionamento com Deus. Em 1566, Tereza escreve o Caminho da perfeição, por ela chamado Exortações e conselhos de Tereza às suas irmãs. Doze noviças do carmelo de São José, em Ávila, foram as destinatárias. A elas, Teresa propõe um intenso programa de vida contemplativa a serviço da Igreja, cujas bases estão nas virtudes evangélicas e na oração. Entre as passagens mais preciosas, o comentário do Pai Nosso, modelo de oração. A obra m´sstica mais famosa de Santa Tereza é o Castelo Interior, escrito em 1577, em plena maturidade. Se trata de uma releitura do próprio caminho de vida espiritual e ao mesmo tempo de uma codificação da vida cristã em direção a sua plenitude, a santidade, sob a ação do Espirito Santo. Teresa se refere a um castelo com sete quartos, como imagem do interior do homem, introduzindo ao mesmo tempo, o símbolo do bicho da seda que renasce como uma borboleta para exprimir o passagem do natural para o sobrenatural. A santa se inspira na Sagrada Escritura, em particular no Cântico dos Cânticos, por causa do simbolo final dos dois esposos que na sétima morada, representa o cume da vida cristã nos quatro aspectos: trinitário, cristológico, antropológico e eclesial. Em sua atividade de fundadora dos carmelos reformados, Tereza dedica o livro das fundações, escrito entre 1573 e 1582, no qual ela fala da vida do grupo religioso nascente. Como na autobiografia, a história quis evidenciar, sobretudo, a ação de Deus na obra de fundação de novos mosteiros.

Não é fácil resumir em poucas palavras a profunda e articulada espiritualidade teresiana. Gostaria de mencionar alguns pontos essenciais. Em primeiro lugar, Santa Tereza propõe as virtudes evangélicas como base de toda a vida cristã e humana. Em particular, a renúncia dos bens ou pobreza evangélica e isto está relacionado a todos nós; o amor uns pelos outros como elemento essencial da vida comunitária e social; a humildade como amor à verdade, a determinação, como fruto da audácia cristã e a esperança teologal, que ela descreve como sede de água viva. Porém, sem esquecer-se das virtudes humanas: afabilidade, veracidade, modéstia, cortesia, alegria, cultura. Em segundo lugar, Santa Tereza propõe uma profunda sintonia sobretudo com a esposa do Cântico dos cânticos e com o apóstolo Paulo, além disto, com o Cristo da paixão e com o Jesus Eucarístico.

A santa destaca o quanto é essencial a oração. Orar, diz ela, “significa encontrar-se com amizade, já que encontramos cara a cara aquele que sabemos que nos ama” (Vida 8, 5). A ideia de Santa Teresa coincide com a definição de São Tomás de Aquino sobre a caridade teologal, como “amicitia quaedam hominis ad Deum”, um tipo de amizade do homem com Deus, que antes de tudo ofertou sua amizade ao homem; a iniciativa vem de Deus (cf. Summa Theologiae II-II, 23,1). A oração é vida e se desenvolve gradualmente paralela ao crescimento da vida cristã: começa com a oração vocal, passa para a interiorização através da meditação e do recolhimento, até chegar a união do amor com Cristo e com a Santíssima Trindade. Obviamente, não se trata de um desenvolvimento no qual subir os degraus mais altos quer dizer deixar o modo de oração antigo, mas é sobretudo um aprofundar-se gradual do relacionamento com Deus que envolve toda a vida. Mais que uma pedagogia da oração, o modelo de Teresa é uma verdadeira 'mistagogia': ao leitor das suas obras ela ensina a orar orando ela mesmo com ele; e em alguns momentos, interrompe a narração e a exposição para iniciar uma oração.

Um outro tema caro para a santa é a centralidade da humanidade de Cristo. Para Teresa, de fato, a vida cristã é relação pessoal com Jesus, que culmina na união com Ele por graça, por amor e por imitação. Disto a importância que ela atribui a meditação da paixão e a Eucaristia, como presença de Cristo, na Igreja: ela manifesta um vivo “sensus ecclesiae” defronte aos episódios de divisão e conflito na Igreja do seu tempo. Reforma a ordem carmelita com a intenção de servir melhor e melhor defender a santa igreja católica romana e está disposta a dar a vida por ela (cf. Vida 33,5).

Um último aspecto essencial da doutrina teresiana que gostaria de destacar é a perfeição, como aspiração de toda a vida cristã e meta final da mesma. A santa tem uma ideia muito clara da plenitude de Cristo, revivida pelo cristianismo. No fim do percurso do Castelo interior, na ultima morada, Teresa descreve tal plenitude realizada na trindade, na união com Cristo através do mistério da sua humanidade.

 

Caros irmãos e irmãs, Santa Teresa de Jesus é a verdadeira mestre de vida cristã para os fiéis de todos os tempos. Na nossa sociedade tão carente de valores espirituais, Santa Teresa nos ensina realmente esta sede de Deus que existe na profundidade do nosso coração, este desejo de ver Deus, de procurar Deus, de ter diálogos com Ele e de sermos seus amigos. Esta é a amizade necessária para todos nós e devemos procura-lá dia após dia, de novo. O exemplo desta santa, profundamente contemplativa, e eficazmente operosa, nos leva a dedicar a cada dia um justo tempo de oração, a esta abertura em relação a Deus, a este caminho para procurar Deus, para vê-lo, para encontrar sua amizade e assim a verdadeira vida; porque realmente muitos de nós deviamos dizer: “nao vivo, não vivo realmente, porque não vivo a essência da minha vida”. Por isto, este tempo de oração não é um tempo perdido, é um tempo no qual se abre a estrada da vida para aprender com Deus um amor ardente por Ele, pela Igreja e uma caridade concreta para com nossos irmãos. Obrigado.

 

 

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