Sacerdotes explicam o que faz o capelão, sua contribuição para os hospitais e como a função passou a ser valorizada em tempos de pandemia de coronavírus
Julia Beck
Da redação
Médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e colaboradores dos diversos hospitais do Brasil ganharam um maior reconhecimento de seus trabalhos prestados diante da pandemia de coronavírus. Além desses profissionais, um grupo especial também ganhou maior visibilidade e agradecimento dos enfermos e também dos profissionais de saúde: os capelães dos hospitais.
Um capelão é o ministro religioso responsável por uma capela, autorizado a prestar assistência religiosa e espiritual naquele local. A capela pode estar em uma instituição: militar, universitária ou hospitalar. É o que afirma o pároco da Paróquia São Pedro Apóstolo em Lorena (SP) e capelão hospitalar da Santa Casa da cidade, padre Leandro Carlos Pereira.
“Como capelão, tenho a missão de ser a presença de Jesus Misericordioso junto àqueles que estão internados, dando a assistência espiritual/religiosa por meio dos sacramentos: Penitência, Unção dos Enfermos e a Eucaristia.” – Padre Leandro Pereira
A assistência religiosa e espiritual dada pelos capelães é destinada a familiares, acompanhantes dos enfermos e também aos funcionários dos hospitais. “Eles também precisam de assistência religiosa e espiritual”, sublinha padre Leandro.
O bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro e referencial para a Pastoral da Saúde do regional leste 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Paulo Celso Dias, afirma que o capelão hospitalar é um grande facilitador da comunicação de Deus com os pacientes, suas famílias, profissionais da saúde e equipes que trabalham nos hospitais. “Ele também é uma grande presença espiritual para lembar que, na enfermidade, não estamos sozinhos, que Deus nos acompanha, que Deus é solidário as nossas dores e angústias.”
O cura da Catedral de São Francisco Xavier e capelão hospitalar do Hospital Municipal São Francisco Xavier em Itaguaí (RJ), padre José Eduardo Moura Lima, conta que há também, na Igreja Católica, os capelães auxiliares, que são leigos formados para atuar diariamente com visitas junto aos enfermos e seus acompanhantes. “Resumidamente, o capelão é essa figura que leva conforto espiritual aos enfermos, leva Deus”, complementou.
Ao falar sobre a equipe do capelão, formada por leigos, Dom Paulo Celso ressalta: “É importante agradecer aos leigos que nos acompanham nesse trabalho, seja na assistência aos enfermos nos hospitais ou em suas casas”. Segundo o bispo, os enfermos que passam pelo ambiente hospitalar, quando encontram um capelão e sua equipe também encontram acolhimento, conforto e a força que vem do Senhor. “Eles podem sentir que a Igreja é uma presença samaritana, que vem para socorrer, ajudar”.
Corpo e alma
O apoio espiritual dado pelos capelães tem uma explicação que passa pela compreensão antropológica do ser humano, explica padre Leandro. O sacerdote recorda que o homem é um ser complexo constituído por corpo e alma.
“Ele [ser humano] é dotado de inteligência, vontade, liberdade, consciência, psiquismo, sensibilidade e afetividade, portanto, o ser humano tem necessidades não só físicas e biológicas, mas também necessidades espirituais e religiosas”, comentou.
Partindo dessa verdade, o sacerdote sublinha que a missão do capelão hospitalar é garantir às pessoas hospitalizadas a assistência religiosa e espiritual, ou seja, garantir aquilo que o médico, enfermeiros e demais profissionais da saúde não podem dar nem garantir aos pacientes internados.
Conforto em meio à pandemia
Com a pandemia de coronavírus, padre Leandro destaca que as pessoas começaram a perceber que um “exército de anônimos” que prestam serviços essenciais são ignorados por quase todos. “Começamos a nos dar conta de que não somos uma ilha, que não estamos sozinhos no mundo e que, como seres humanos, estamos entrelaçados, estamos no mesmo barco e precisamos uns dos outros”, observou.
“Percebemos o quanto é importante a presença dos cristãos em nossa sociedade, o quanto é importante a presença dos padres, o quanto é importante a presença do capelão hospitalar”, frisou. Padre Leandro reforçou que, em uma pandemia como a vivida atualmente, não é somente aquele que está fisicamente doente que sofre, mas, sobretudo, os profissionais da saúde, pois estão expostos ao perigo do contágio. “Os profissionais da área da saúde precisam da oração, do ombro amigo e da presença do Cristo Misericordioso na pessoa do capelão hospitalar”.
Neste período, a oração tem sido uma das principais ações dos capelães, revelou padre José Eduardo. O sacerdote explicou que, devido às recomendações de saúde, os pacientes infectados pelo coronavírus têm permanecido isolados. No Hospital Municipal São Francisco Xavier, o capelão conta que a capela ecumênica se mantém aberta e todos que a visitam são atendidos espiritualmente.
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O bispo auxiliar do Rio de Janeiro afirma que, atualmente, o trabalho dos capelães tem sido realizado na “retaguarda”. “Estamos dando força para quem está na linha de frente, como os profissionais da saúde, e procuramos também levar nossa oração, conforto e apoio a muitos familiares que não podem ver seus parentes. Também procuramos consolar e fortalecer as famílias que vem ao hospital. Os capelães estão sempre atentos para ajudar”.
Na arquidiocese do Rio de Janeiro, há um grupo com 19 padres voluntários que, semanalmente, fazem videoconferências com os enfermos que estão em suas casas ou internados em hospitais. Além disso, há uma preocupação da Igreja em ter conhecimento acerca dos equipamentos de proteção individual que deverão ser utilizados no futuro, quando as visitas aos hospitais forem retomadas.
“Estamos esperando o momento certo. Quando as portas se abrirem, estaremos prontos para atuar”, afirmou Dom Paulo Celso.
No momento, padre José Eduardo explica que, nos locais onde as visitas são permitidas, os cuidados tomados pelos capelães durante a pandemia são os estabelecidos pelos hospitais. “Não podemos tocar nos pacientes, usa-se touca e álcool em gel ao entrar e sair de uma enfermaria. Devemos ter todos os cuidados possíveis para não haver contaminação”.
Padre Leandro reforça que o capelão deve obedecer todas as normas e orientações da administração do hospital e das autoridades em vigilância sanitária, estar ciente que o campo que ele atua e o local que ele atua, ou seja, o ambiente hospitalar, é o lugar de maior transmissão de vírus e bactérias. “É preciso ser humilde e obedecer ao que dizem os cientistas, médicos, enfermeiros e demais autoridades sanitárias, pois eles buscam, na ciência, os princípios básicos para nos orientar no bom caminho.”
Capelania e ecumenismo
A dimensão ecumênica está presente no exercício da capelania hospitalar, explica padre José Eduardo. De acordo com o sacerdote, essa é uma das questões levantadas como necessária pelo Concílio Vaticano II. “O Conselho de Capelania no Hospital São Francisco Xavier não é só composto por católicos, mas também os evangélicos, sendo assim, temos um bom diálogo”, revela.
Em Lorena, padre Leandro relata que se empenhou para formar uma Pastoral da Saúde Ecumênica. “Com a graça de Deus e o auxílio do Espírito Santo, hoje temos, dentro da Santa Casa de Lorena, uma pastoral da Saúde Ecumênica. (…) Todas as visitas dos agentes dessa pastoral são realizadas por católicos e evangélicos, além disso, temos a celebração da missa semanal e do culto na Capela da Santa Casa toda semana”.
Os sacerdotes apontam que o ecumenismo vivido nos hospitais é sinal de fortalecimento na fé e no testemunho cristão.
Sacerdócio transformado
“Tive o privilégio de passar 18 anos como capelão hospitalar, foi um momento muito especial. Foi providencial quando Deus me colocou no mundo da saúde, nos hospitais. Quando passamos por um hospital temos uma maior sensibilidade. Eu acredito e agradeço a Deus, porque é um crescimento humano. Nós nos tornamos muito mais atentos às dores, angústias e sofrimento.” – Dom Paulo Celso.
Dom Paulo conta que os capelães enfrentam, no dia a dia, situações difíceis, mas também momentos de alegria quando acontece a alta hospitalar. “Foram momentos muito marcantes. Cheguei a acompanhar enfermos durante 11 anos em um leito de Centro de Terapia Intensivo (CTI). Nós interagimos, criamos laços com a família, e quantas bênçãos e graças recebemos quando encontramos casos muito especiais! Por trás das provações, consigo ver muitas graças de Deus”.
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Padre Leandro observa que ser padre é estar a serviço do Senhor para servir, sobretudo os mais sofredores, excluídos e esquecidos da sociedade. “É ir ao encontro dos irmãos e irmãs que estão nas periferias existenciais. E o exercício dessa missão como Capelão Hospitalar tem alimentado essa dimensão do meu sacerdócio ordenado: ser a presença do Cristo misericordioso junto àqueles que sofrem, na carne, as enfermidades e buscam a cura não só do corpo, mas a cura da alma através dos sacramentos”.
“Achamos que vamos levar a Palavra de Deus e nós é que saímos evangelizados. Os enfermos nos dão uma lição de vida, de alegria, resignação e fé, sobretudo. Muitos acham que vão levar conforto, mas saímos confortados.” – Padre José Eduardo
Exercer a função de capelão é, segundo padre José Eduardo, um grande enriquecimento para o seu ministério sacerdotal. “Achamos que vamos levar a Palavra de Deus e nós é que saímos evangelizados, os enfermos nos dão uma lição de vida, de alegria, resignação e fé, sobretudo. Muitos acham que vão levar conforto, mas saímos confortados”.
Dom Paulo Celso revela que, durante as quase duas décadas que atuou nos hospitais, encontrou profissionais de saúde que se dedicam com muito amor aos enfermos, e completou: “O Cristo sofredor e abandonado nos ensina muito através da cruz. Que possamos sempre valorizar os nossos capelães e todas as equipes de voluntários leigos que nos ajudam”.