No dia da memória de Santo André, sacerdotes romanos e um ortodoxo comentam simbolismo da relação entre os irmãos Pedro e André, além da busca de ambos pela unidade
Gabriel Fontana
Da Redação
Nesta quinta-feira, 30, a Igreja celebra a memória de Santo André, um dos doze apóstolos de Jesus e irmão de Simão Pedro. O santo foi o fundador da Igreja de Constantinopla, ao seguir a ordem deixada por Jesus de ir por todo o mundo e anunciar o Evangelho a toda criatura (cf. Mc 16, 15).
Segundo o Evangelho de São João, André foi um dos dois primeiros discípulos de Jesus. Foi João Batista quem o apresentou ao Messias, e depois de passar o dia com Jesus, André partiu à procura de seu irmão, Simão, para anunciar que havia encontrado o Cristo (cf. Jo 1, 35-42).
Esse trecho das escrituras é destacado pelo Vigário Arquidiocesano para o Sul do Brasil da Arquidiocese Ortodoxa de Buenos Aires e América do Sul, ligada ao Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, o Monsenhor Irineo Tamanini. Ele comenta que “na experiência da partilha e da comunhão fraternal se baseia o impulso de evangelização de André”, que veio a se tornar o Patrono da Sé de Constantinopla, capital do então Império Romano no Oriente.
O religioso explica que André evangelizou e fundou a Igreja de Patras, antigo território do Império Romano no Oriente. Anos depois, o Imperador Constantino, considerando que Pedro era o Patrono da Sé de Roma, capital do Império Romano no Ocidente, decretou que André fosse o Patrono da Igreja de Constantinopla, já que tinha fundado a Igreja de Patras naquele território.
A organização da Igreja primitiva
Na Igreja primitiva, Roma e Constantinopla correspondiam a dois dos cinco primeiros Patriarcados cristãos que se organizaram após a Ressurreição de Jesus, formando uma pentarquia. As outras Sés estavam localizadas em Alexandria, na Antioquia e em Jerusalém. “A ideia do modelo de gerência da Igreja através de cinco Patriarcados mantinha-se centrada numa visão de governança pela colegialidade e Sinodalidade, onde Roma, no Ocidente, e Constantinopla, no Oriente, eram consideradas Sés Primaciais de igual importância, por serem capitais do império”, observa o Monsenhor Irineo.
Segundo o assessor da Comissão Episcopal para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso do Regional Sul I da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), padre José Bizon, o primeiro milênio da Igreja foi marcado pela unidade. Contudo, em 1054, aconteceu o Cisma do Oriente, e a Igreja se viu dividida. “Então ficou a Igreja de Roma – e por isso nós chamamos de Igreja Romana – e os quatro Patriarcados, com Constantinopla como ponto de unidade entre eles”.
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Contudo, por mais que houvesse diferenças, as Igrejas permaneciam – e permanecem, até hoje – ligadas pela fé em Jesus Cristo. O Monsenhor Irineo reitera que, ainda que a Igreja Ortodoxa componha uma família de Igrejas autogovernadas, cada uma está em completa comunhão com as outras quanto à doutrina e aos sacramentos.
Busca pela unidade cristã
Ao longo do tempo, novos Patriarcados e Igrejas cristãs foram surgindo, ao passo que diversos esforços para uma reaproximação eram empreendidos. No século XX, esse movimento se intensificou, e padre José Bizon destaca que o seu ápice se deu no Concílio Vaticano II, convocado pelo então Papa João XXIII já com o desejo de caminhar rumo ao ecumenismo. Como resultado, surgiram dois documentos importantes para essa questão: a declaração Nostra Aetate e o decreto Unitatis Redintegratio.
Desde então, os Papas que sucederam João XXIII têm mantido a procura pelo ecumenismo, “dimensão constitutiva da nossa fé cristã”, segundo o assessor da Comissão Episcopal para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso da CNBB, padre Marcus Barbosa. “Ser ecumênico é obedecer ao Evangelho de comunhão, cultivando o respeito, a acolhida, o amor mútuo entre todos os fiéis em Cristo. Isso é uma vocação de todos à comunhão”, completa o sacerdote.
Relação fraternal
Neste sentido, ele também fala sobre o simbolismo da relação fraternal entre São Pedro e Santo André. Referindo-se a ele como “ponte do Salvador”, o assessor da CNBB cita como André levou muitas pessoas até Cristo, a começar pelo irmão, Pedro. “André é elo de comunhão entre a Igreja Católica nos seus dois pulmões”, observa.
O Monsenhor Irineo também aponta para o simbolismo da relação entre os dois irmãos, que se estende para os dias atuais por meio do Papa e do Patriarca Ecumênico de Constantinopla. Eles “se tratam como irmãos e se respeitam como líderes das duas porções da Igreja de Jesus Cristo”, sinaliza.
O religioso ortodoxo comenta que essa relação entre os dois se baseia na reciprocidade do amor entre as Igrejas irmãs, assim como Pedro e André, seus patronos. “O Papa Francisco e o Patriarca Bartolomeu representam as porções Ocidental e Oriental desta Igreja que está no mundo, mas que não é do mundo, e tem a responsabilidade de ser farol, guia, referência de uma vida que não se limita ao mundo, mas às coisas do Alto”, completa.
Tradições entre os irmãos
Um dos aspectos dos laços fraternos alimentados é o tradicional intercâmbio de delegações nas festas dos dois irmãos fundadores das Igrejas. No dia 29 de junho, dia de São Pedro, uma delegação católica ortodoxa costuma visitar o Vaticano, e no dia 30 de novembro, uma comitiva católica romana se dirige a Istambul.
Além disso, o Papa e o Patriarca Ecumênico costumam trocar mensagens nestas datas. Nesta quinta-feira, Francisco enviou um documento a Bartolomeu I por meio da delegação vaticana. Nele, recordou os esforços empreendidos por seus antecessores em busca da reconciliação.
Padre Marcus, ao falar desta tradição, destaca uma outra mensagem: a de 2021. Ele retoma as palavras de Francisco, que escreveu: “Amado irmão em Cristo, no caminho para a plena comunhão entre as nossas igrejas, somos sustentados pela intercessão dos santos padroeiros. A unidade plena pela qual ansiamos é, naturalmente, um dom de Deus, através da graça do Espírito Santo. Que o Nosso Senhor nos ajude a estar prontos para abraçar este dom através da oração, conversão interior e abertura à procura e oferta do perdão”.
Neste contexto, o assessor da CNBB sublinha o desejo e a ordem de Jesus pela unidade, quando expressou “que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que eles estejam em nós, afim de que o mundo creia que tu me enviaste” (cf. Jo 17, 21). Por isso, o ecumenismo “é um compromisso de realizar a comunhão pelo diálogo, a convivência e a cooperação entre as Igrejas”, conclui.