Tradição

“Na Festa do Divino vemos a partilha, a fraternidade, a alegria”, diz padre

Padre Fábio Nogueira explica origem da tradicional Festa do Divino vivida neste período por paróquias e comunidades de diversas cidades do país

Julia Beck
Da redação

Paróquia Nossa Senhora da Conceição, localizada em Cunha (SP), enfeitada para a Festa do Divino 2017 /Foto: Laurentino Gonçalves

Novenas, congadas e decorações festivas são algumas das muitas características da tradicional Festa do Divino celebrada comumente no domingo de Pentecostes – solenidade que será vivida pela Igreja neste domingo, 9 -, mas que ganha comemorações estendidas em vários cidades do país.

A festa é uma manifestação religiosa que está inserida no conceito de “piedade popular”. Padre Fábio Nogueira de Sá, pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, localizada em Cunha (SP) , explica sobre a “piedade popular”:

“É a assimilação da fé cristã, mas com um jeito próprio de cada local, de cada ambiente. Na Festa do Divino vemos a partilha, a fraternidade, a alegria, a preocupação com o bem do outro e a fé em Deus e no Sagrado. São elementos da fé e que o povo incultura ao seu modo”.

Segundo o sacerdote, a Igreja reconhece a “piedade popular”, a valoriza e a tem como um instrumento muito importante para a evangelização, para a transmissão da fé. “Faz parte da missão da Igreja reconhecer os dons e os carismas do Espírito Santo que se manifestam através da cultura popular, da fé do povo”, completou.

Padre Fábio Nogueira de Sá/ Foto: Arquivo Pessoal – Padre Fábio

Apesar de serem memoradas na mesma data, a solenidade e a festa têm origens diferentes. Padre Fábio conta que a Festa de Pentecostes tem origem no Primeiro Testamento quando o povo celebrava, cinquenta dias após a Páscoa, a aliança com Deus, simbolizada na entrega dos 10 mandamentos, a tábua da lei. A Solenidade foi então ressignificada com a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos reunidos no Cenáculo.

Sobre a Festa do Divino, o sacerdote recorda: “Essa festa, como nós temos hoje, vem de Portugal com a Rainha Isabel que cumprindo um voto que fez ao Divino Espírito Santo criou esta festa. Com o descobrimento e colonização do Brasil, a festa passou a ser celebrada aqui no país. Há registros antigos dessa festa por volta de 1730 e 1740 na cidade de Guaratinguetá, bem próxima da cidade de Cunha. Onde temos registros da Festa do Divino também nestes moldes é na Bahia”.

Atividades

Na Paróquia Nossa Senhora da Conceição em Cunha (SP), onde padre Fábio exerce as funções de pároco, a Festa do Divino é esperada por milhares de fiéis. As atividades populares que acontecem durante o período festivo duram todo o mês de julho na cidade. A visita dos festeiros do Divino a todas as casas do município é um dos costumes deste período, revelou o sacerdote: “Eles [festeiros] convidam as famílias para a Festa do Divino, rezam com elas e recebem esmolas que ajudam no custeio da festa”.

Fiéis em procissão durante a Festa do Divino 2017, em Cunha (SP)/ Foto: Laurentino Gonçalves

Faz parte também da tradição, a distribuição de doces a todas as famílias visitadas. Ao todo, padre Fábio afirma que são distribuídas três toneladas de doces. Outro costume local são as apresentações da Folia do Divino Espírito Santo, grupo de músicos que canta pedindo bençãos às famílias e agradecendo os donativos.

O almoço da Festa do Divino é um dos elementos marcantes da festa. O sacerdote conta que a refeição é gratuita, acontece no terceiro domingo do mês de julho e reúne cerca de 20 mil pessoas. Faz parte da festividade as congadas, moçambiques, brincadeiras e show de música caipira, além de uma campanha de arrecadação de alimentos – os alimentados arrecadados são agrupados em cestas básicas que posteriormente são distribuídas para famílias carentes. “Estas são algumas das coisas muito bonitas que acontecem nesta Festa do Divino Espírito Santo, que é também a festa da partilha”, conta padre Fábio.

A cor vermelha

A cor vermelha é uma forte característica desta festa, sendo ela predominante em toda a decoração das Igrejas que vivem esta tradição. “Ela [cor vermelha] nos lembra a terra, nos lembra o sangue, o fogo, é a cor com que se simboliza o amor. Santo Agostinho chega a dizer que Deus Pai é aquele que ama, Deus Filho é o amado, mas que o Espírito Santo é o amor, então a cor vermelha predominante significa isso”, sublinhou o pároco da Igreja Nossa Senhora da Conceição em Cunha.

A tradição registrada em livro

O livro “Divino: Fé e Tradição em Cunha” foi lançado em 2018 e é uma parceria do padre Fábio com o engenheiro químico e fotógrafo, Laurentino Gonçalves Dias. O sacerdote conta que a obra busca registrar os elementos e aspectos que estão presentes na Festa do Divino. “Nós temos consciência que é uma festa muito grande, muito rica, por isso registramos o testemunho das pessoas, como acontece a festa, além de organizarmos registros fotográficos antigos de maneira que quem tem esse livro em mãos entende melhor essa manifestação de fé que acontece na cidade de Cunha”, explicou.

Laurentino Gonçalves destacou que a Festa do Divino na cidade de Cunha tem características especiais: “Os elementos culturais, no entanto, é que são a tônica, como a Bandeira do Divino, a coroa, os doces, o sal. A bandeira, que todos os devotos mantêm em casa, é a principal referência. Para os fiéis, a bandeira é o próprio Espírito Santo que os visita e abençoa. Não há idolatria, mas uma fé muito enraizada culturalmente, que dispensa a racionalização”.

A Bandeira e a coroa do Divino, elementos tradicionais da festa/ Foto: Laurentino Gonçalves

A ideia de organizar um livro sobre a Festa surgiu, de acordo com o fotógrafo, em 2017, pelo padre Fábio. “Participei e fiz inúmeras fotos, que, inclusive, ilustraram o livro ano que celebrou os 80 anos da Diocese, organizado por mim e pelo padre Fabrício Beckmann. No último dia da Festa do Divino, padre Fábio me perguntou: “Será que com essas imagens não daria pra fazer um livro”? Surgia ali o ‘Divino: Fé e Tradição em Cunha’”.

Autores como Dirceu Araújo Maynard, Henrique Alckmin Prudente, Robert Shirley, José Velloso Sobrinho, João José de Oliveira Veloso e Vanessa Galvão são citados por Laurentino como importantes para o conjunto de imagens garimpadas sobre a festa. “Poucas cidades no Vale do Paraíba têm uma comunidade católica tão grande e, principalmente, ativa e mantenedora de suas tradições e da piedade católica. Penso que esse trabalho tem a beleza de contribuir para o registro da Festa e sua divulgação, de forma que ela se mantenha viva por muito tempo”, frisou.

Laurentino Gonçalves durante a Festa do Divino 2018, em Cunha (SP)/ Foto: Arquivo Pessoal
– Laurentino

Após a publicação do livro, o fotógrafo conta que mudou sua visão com relação a festividade e também sobre a vida. “Poucas vezes me deparei com tamanha demonstração de religiosidade, fé e devoção. Não foram poucos os momentos em que a emoção me dominou. (…) Não sei exatamente a razão, mas fui arrebatado pelos vermelhos, pelo colorido das fitas, pelos semblantes honestamente piedosos dos fiéis. Sinto-me menor frente à fé evidenciada nos cunhenses devotos do Divino. Se há uma escala do crer, essa gente é, definitivamente, vanguarda. (…) Se há esperança de que graças sejam atendidas, há muito mais agradecimentos por bênçãos recebidas. É comovente ver um povo agradecer antes de pedir”, concluiu.

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