Reflexão

Esperança cristã: podem nos tirar tudo, menos a fé, afirma padre

Após terremoto que atingiu a Turquia e a Síria – e deixou mais de 41 mil mortos, sacerdotes comentam como a esperança cristã pode ajudar na superação de perdas e tragédias

Julia Beck 
Da redação

Foto: Wesley Almeida

Terremotos, guerras, deslizamentos, pandemia. Essas são algumas das muitas tragédias que pessoas do mundo todo precisam enfrentar. Recentemente, o terremoto de magnitude 7.8 que atingiu a Turquia e a Síria deixou mais de 41 mil mortos, causando comoção e tristeza. Diante de notícias como essa, muitos se perguntam: “Onde está Deus em meio às tragédias? ”

Segundo o pároco da Paróquia de São Sebastião, em Brumadinho, padre Renê Lopes a resposta à essa pergunta é fácil: “Deus está no lugar onde sempre esteve, nós que muitas vezes saímos da Sua presença. Esse questionamento é mais sobre onde nós estamos em meio a essas tragédias e não onde Deus está nessas tragédias”. 

O sacerdote recordou uma entrevista concedida pelo Papa Francisco em que um repórter o questionou sobre o holocausto dos judeus: “Onde estava Deus quando os judeus estavam morrendo?”. “O Papa respondeu: Deus estava morrendo com eles”, disse.

O pároco da Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Silveiras, padre Murilo Pereira, reforça que Deus não se ausenta em momento algum, Ele está sempre presente com a sua força e amor misericordioso.

Esperança Cristã

A esperança cristã, uma das três virtudes teologais, é apontada pelo padre Renê como fonte de força para os que enfrentam situações difíceis. O sacerdote explica que ela é a promessa que Deus fez de felicidade e vida eterna.

“Nós esperamos confiantemente o cumprimento da promessa daquilo que o Senhor fez, por isso a nossa esperança não está depositada em coisas ou pessoas, ela está depositada no Senhor”, explica.

O presbítero frisa que os cristãos devem esperar ansiosamente o dia que poderão gozar plenamente dessa felicidade. Enquanto esse dia não chega, ele aconselha que todos ousem antecipar aquilo que vão viver indo à Santa Missa, lendo a Palavra de Deus, se alimentando da Eucaristia e realizando exercícios espirituais.

“Continuemos a afirmar a nossa esperança, sem esmorecer, pois aquele que fez a promessa é fiel” (Hebreus 10, 23)

Padre Murilo ressalta que São Paulo diz: “na esperança somos salvos”. “Trazemos em nosso coração essa certeza. Já fomos salvos por Jesus, por seu sangue derramado na cruz. Nossos pecados e misérias foram lavados e purificados. Somos convidados a viver a vida a partir dessa esperança, com o coração firme e unido a Jesus”, indica.

Mulher aponta para o céu após resgate na Turquia/ Foto: REUTERS – Clodagh Kilcoyne

Ao viver situações tantas vezes delicadas, a tendência é de perder a esperança, alerta padre Murilo. “Mas não podemos perde-la. Pelo contrário, somos convidados a alimentar a esperança”, disse. A certeza da esperança, prossegue, leva a ir adiante, não desistir de lutar e buscar as realidades que não passam.

Diante das tragédias, padre Renê reafirma que é a esperança que mantém os cristãos firmes. “É ela que nos coloca de pé. Essa esperança é nada mais, nada menos, do que a fé nAquele que nos garante o futuro que é para além dessa vida”, reflete.

“Podem nos arrancar tudo, os fenômenos da natureza, as enchentes, as barragens podem levar os nossos bens, podem nos levar muitas coisas, mas não podem nos levar a fé” – Padre Renê

Portanto, o sacerdote de Brumadinho ressalta que exercitar a fé é compreender que: “podem nos arrancar tudo, os fenômenos da natureza, as enchentes, as barragens podem levar os nossos bens, podem nos levar muitas coisas, mas não podem nos levar a fé”. A fé, retoma o presbítero, faz com que as pessoas acordem todos os dias e encontrem motivos, sentido para a vida

“É necessário sempre depositarmos a nossa confiança naquilo que é capaz de corresponder à essa confiança”, disse. 

Gratidão

Padre Murilo sublinha que é preciso saber agradecer em meio à dor. Segundo ele, a gratidão é um processo de cura. “Devemos agradecer não pela perda, mas por temos tido a graça de conviver com aquela pessoa que perdemos e que nos trouxe tantas alegrias”, exemplifica.

O presbítero conta que perdeu três irmãos. O primeiro morreu aos 20 anos após um aneurisma cerebral. Uma morte considerada pelo sacerdote como repentina. Os outros dois irmãos morreram respectivamente com 35 anos e 42 anos.

“Devemos agradecer não pela perda, mas por temos tido a graça de conviver com aquela pessoa que perdemos e que nos trouxe tantas alegrias” – Padre Murilo

“Foram anjos… quando agradecemos a Deus por essas pessoas, tudo se torna mais sereno, mais tranquilo. Deus vem curando os nossos corações e nos libertando das angústias, tragédias e perdas irreparáveis. (…) Deus nos dá forças para vencer. Corações ao alto e gratidão”.

Há 35 anos, padre Murilo lembra que viveu um acidente onde quase morreu. Ele ficou durante um mês em coma profundo. “Segundo a equipe médica eu dificilmente voltaria do coma”, relata. O sacerdote conta que, no ano passado, conversou com o médico responsável pela equipe de neurologia que o acompanhou. Ele perguntou sobre o coma e o médico afirmou que se ele estava vivo, era por graça de Deus.

“O médico disse que acompanhou meu caso e que o mesmo foi muito discutido no hospital. Todos sabiam que era impossível eu voltar do coma e eu voltei. Ele dizia que nunca mais se esqueceu de mim e que eu não queria morrer. Eu tinha uma força para viver. O que mais me surpreendeu foi que ele me disse que na mesma época, mais dois casos semelhantes ao meu surgiram. Nós três sobrevivemos. Ele dizia que a minha força de vida passou para os meus “companheiros” que estavam no hospital. Como não agradecer a Deus por isso?”

Igreja, comunidade e oração

Padre Renê recorda a dor vivida após tragédia em Brumadinho (o rompimento da barragem da Vale na Mina Córrego do Feijão que matou 272 pessoas).

“Posso dizer a partir do que vivi em Brumadinho: o que mais vi em meio a tanta lama daquela tragédia foi justamente a força, a esperança para vencer”. A, Igreja sendo o corpo de Cristo, a personificação de Cristo, pontua o sacerdote, tem papel fundamental para a cura e superação dos traumas.

O presbítero comenta que a oração em conjunto é estímulo para a superação das tragédias. “Digo isso pela minha experiência e testemunho do que vivi em Brumadinho, se não fosse o amparo da Igreja, a acolhida, a Palavra proclamada e Eucaristia partilhada, eu não sei o que seria de mim e daquelas tantas famílias que tiveram que passar por isso”.

“Não devemos ficar parados em meio a tragédias e decepções. Temos que fazer como Jesus na via dolorosa: levantar a cabeça, tomar a nossa cruz, ainda que seja pesada, e caminhar com a certeza de que depois da cruz temos a vitória, a ressurreição” – Padre Renê

A oração, explica padre Renê, tem papel fundamental para a autoestima, confiança, força e coragem. O sacerdote destaca que a Igreja é a seta que aponta o caminho que se deve caminhar.

“Não devemos ficar parados em meio a tragédias e decepções. Temos que fazer como Jesus na via dolorosa: levantar a cabeça, tomar a nossa cruz, ainda que seja pesada, e caminhar com a certeza de que depois da cruz temos a vitória, a ressurreição. Apoiemos continuamente na oração e na Igreja, pois ela abre os nossos olhos, cura as cataratas espirituais que nos impossibilitam ver o novo horizonte e contemplar um novo tempo”.

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