Arcebispo de Salvador traz reflexão para o início de ano
Cardeal Sergio da Rocha*
Tempo de Vida Nova
O início de um novo ano é uma ocasião especial de vida nova. Em que sentido o ano que se inicia é novo? A resposta dependerá das expectativas e disposições de cada um. É importante refletir sobre o caminho a percorrer, sem esquecer-se das lições do caminho percorrido. O novo depende do nosso modo de encarar o passado e olhar o futuro. O caminho a ser percorrido poderá continuar marcado pelas atividades rotineiras e por conhecidos desafios. Contudo, não somos prisioneiros do destino ou meros expectadores da história; podemos ver e construir a vida cotidiana de um jeito novo. Encontrar alegria em viver as coisas simples e aparentemente pequenas do dia-a-dia. Valorizar as pessoas que têm estado ao nosso lado e nem sempre tem recebido o nosso olhar fraterno; amar mais quem não temos amado bastante; ser mais solidários. O que muda nem sempre são as atividades e desafios; o que muda são as nossas disposições e expectativas; o que muda, somos nós.
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Entretanto, para que o ano seja novo não basta fazer de um jeito novo o que temos realizado. É preciso desenferrujar a esperança e a criatividade, superando a acomodação e o desânimo. Há novos hábitos a serem cultivados, há valores a serem concretizados, há pessoas novas a serem encontradas e acolhidas, há esperanças a serem realizadas. Podemos recomeçar vivendo de um jeito novo as atividades rotineiras, mas também, desenvolvendo novas atitudes que nos tornem mais humanos e, por isso, mais fraternos e felizes, segundo o querer de Deus. Entretanto, não podemos esquecer que há muita coisa a ser mudada no mundo. Há problemas sociais graves que repercutem na vida das pessoas e das famílias que necessitam serem superados com iniciativas de caráter comunitário, político e social. A busca da pessoa por uma vida nova não pode ignorar o que se passa na sociedade, nem implicar no fechamento sobre si, pois a busca egoísta da felicidade a ninguém faz feliz. Por isso, o ano novo pode ser ocasião para começar a participar ou dedicar-se mais ao voluntariado e às ações caritativas, mas também à participação política. Pode ser um bom começo, neste tempo da pandemia, assumir a vida com maior responsabilidade, respeitando as medidas de saúde pública necessárias para evitar o contágio da COVID-19.
Ano novo é tempo de esperança e de vida nova. É tempo de recomeçar acolhendo a vida como dom e tarefa. A oportunidade de recomeçar, já experimentada a cada dia que nasce, torna-se maior ao iniciar o ano. Cada pessoa é chamada a transcender o “aqui” e “agora” rumo à sua realização sempre maior. Cada pessoa sempre pode ser melhor do que tem sido. Não se pode reduzir a vida a um momento, especialmente se ele for difícil, nem a pessoa humana à suas falhas, rotulando-a. Tal reducionismo empobrece e desrespeita, desconhecendo a riqueza inesgotável do ser humano, dom do Criador.
A graça de experimentar o novo pressupõe o cultivo permanente da esperança e a disposição em percorrer serenamente o caminho, passo a passo. Embora o novo ano possa significar um salto, o longo caminho pela frente será percorrido com passos aparentemente pequenos, a cada momento. Não se percorre caminhos longos, sozinho; pode se cansar ou perder o rumo. Precisamos renovar nossa disposição de caminhar juntos. O ano novo é graça, dom, gratuidade, pois vai além dos esforços e capacidades pessoais. O “novo” é dom de amor dos que caminham conosco e, especialmente, do amor de Deus presente em nossa história.
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O Cardeal Sérgio da Rocha é mestre em Teologia Moral pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, e doutor pela Academia Alfonsiana da Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma. Já foi bispo auxiliar da arquidiocese de Fortaleza (CE), arcebispo das arquidioceses de Teresina (PI) e Brasília (DF) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Atualmente, é arcebispo de Salvador (BA), Primaz do Brasil.