Primeira entrevista

Papa: se perdermos os valores da família e da vida, o que restará?

Em primeira entrevista após a sua eleição, Leão XIV falou sobre seu pontificado, apelos de paz, polarizações, perda de valores e sinodalidade

Da Redação, com Vatican News

Foto: IMAGO/Catholicpressphoto via Reuters

O jornal americano Crux e o peruano El Comercio anteciparam trechos da primeira entrevista concedida pelo Papa Leão XIV desde a sua eleição, em 8 de maio. A conversa com a jornalista do Crux, Elise Ann Allen, foi gravada uma parte em Castel Gandolfo e a outra em sua residência no Palácio do Santo Ofício, e será publicada na integra no volume biográfico “León XIV: ciudadano del mundo, misionero del siglo XXI”, que será publicado em espanhol pela Penguin Perú nesta próxima quinta-feira, 18. 

Na entrevista, o Santo Padre falou sobre o papel do Papa – e os numerosos compromissos, a dimensão pública de um telefonema, a paz – invocada desde a sua primeira aparição enquanto Sucessor de Pedro, além de ter enfatizado temas como diálogo, sinodalidade e as polarizações. 

Nacionalidade, missão e início de Pontificado

Ao fazer menção à sua “identidade” americana/peruana, Leão XIV afirmou: “obviamente sou americano e me sinto muito americano, mas também amo muito o Peru, o povo peruano, então é uma parte do que sou. Passei metade da minha vida de serviço no Peru, por isso a perspectiva latino-americana é muito valiosa para mim”.

O Pontífice também garantiu que ainda tem “uma longa estrada para aprender”. Se a parte “pastoral” tem sido até agora a mais fácil, o Papa diz que ficou “surpreso” com o fato de ter sido “lançado ao nível de líder mundial”. Tudo é público: “As pessoas sabem das conversas telefônicas ou dos encontros que tive com chefes de Estado de uma série de diferentes governos e países do mundo”.

O Santo Padre explicou que está aprendendo muito sobre o papel diplomático da Santa Sé: “São todas coisas novas para mim… Sinto-me muito estimulado, mas não sobrecarregado”.

Esforços de paz da Santa Sé

Quanto ao trabalho de defesa da paz, o Papa, respondendo a uma pergunta sobre a guerra na Ucrânia, recordou antes de tudo os apelos lançados nestes meses, por ter elevado a voz para reiterar que “a única resposta é a paz”. “Depois destes anos de mortes inúteis de ambos os lados – neste conflito em particular, mas também em outros conflitos – acredito que as pessoas devem de alguma forma ser despertadas para dizer que existe outra via para resolver a questão”, afirmou.

Com relação à proposta do Vaticano como mediador dos conflitos, com a possibilidade de sediar mesas de negociação entre Rússia e Ucrânia, Leão XIV salientou que “desde que a guerra começou, a Santa Sé tem feito grandes esforços para manter uma posição verdadeiramente neutra”.

Para o Papa, a urgência hoje é que “seja exercida uma forte pressão por parte dos envolvidos, suficiente para fazer as partes em conflito dizerem ‘agora chega’, vamos procurar outra maneira de resolver nossas divergências”. “Continuemos a ter esperança”, foi seu convite. “Tenho grande confiança na natureza humana”. É verdade, “existem maus atores, existem as tentações”, mas é preciso “incentivar as pessoas a olharem para os valores mais elevados” e insistir em dizer “vamos fazer de forma diferente”.

Polarizações, crises, diferenças

O Pontífice invocou o “diálogo”. Ele próprio é o primeiro a promovê-lo através das visitas de líderes mundiais de organizações multinacionais. “Em teoria as Nações Unidas deveriam ser o lugar onde muitas dessas questões são abordadas. Infelizmente, parece ser geralmente reconhecido que as Nações Unidas, pelo menos neste momento, perderam sua capacidade de reunir as pessoas em questões multilaterais”.

Para o Papa, é preciso “lembrar a nós mesmos o potencial que a humanidade tem de superar a violência e o ódio que estão apenas nos dividindo cada vez mais”. Vivemos em tempos de polarização, disse Leão XIV, sobretudo após a crise de 2020, e também de perda de valores: “O valor da vida humana, da família, e o valor da sociedade. Se perdemos o sentido desses valores, o que resta de importante?”, observou. 

O crescente abismo entre a renda da classe trabalhadora e a dos ricos também foi abordado. “CEOs que sessenta anos atrás talvez ganhassem de quatro a seis vezes mais que os operários, segundo os últimos dados que vi, ganham 6.600 vezes mais que um operário médio”. A propósito, o Papa explicou que também leu uma notícia que dizia que Elon Musk, empresário americano fundador da Tesla e da SpaceX, “será o primeiro trilionário do mundo”: “O que isso significa e sobre o que estamos falando? Se esta é a única coisa que tem valor, então estamos em um grande problema…”.

Sinodalidade para avançar juntos

O conceito de sinodalidade foi refletido pelo Santo Padre. Segundo ele, “significa que cada membro da Igreja tem uma voz e um papel a desempenhar através da oração, da reflexão… através de um processo”. “Alguns se sentiram ameaçados por tudo isso”, ressaltou. “Às vezes, bispos ou sacerdotes podem ter a sensação de que ‘a sinodalidade vai tirar a minha autoridade’”, mas “a sinodalidade não é isso”. Essa é “uma maneira de descrever como podemos nos reunir, ser uma comunidade e buscar comunhão como Igreja, de modo que seja uma Igreja não focada principalmente na hierarquia institucional, mas sim em um sentido de ‘todos juntos’”.

Segundo o Papa, essa é uma atitude que pode “ensinar muito ao mundo atual”. “Não se trata”, afirma, “de tentar transformar a Igreja em uma espécie de governo democrático, já que, se olharmos para muitos países do mundo hoje, a democracia não é necessariamente a solução perfeita para tudo. Trata-se, sim, de respeitar e compreender a vida da Igreja pelo que ela é e dizer: ‘Precisamos fazer isso juntos’”.

Copa do Mundo de 2026

Na entrevista, há também uma menção à Copa do Mundo de futebol de 2026. “Para quem o senhor torce?”, perguntou Allen. “Boa pergunta”, respondeu Leão: “Provavelmente para o Peru, apenas por causa dos laços afetivos. (…) Também sou um grande torcedor da Itália… As pessoas sabem que sou torcedor do White Sox, mas como Papa sou torcedor de todos os times”.

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