Homilia da celebração foi feita pelo pregador da Casa Pontifícia, Cardeal Raniero Cantalamessa, que refletiu sobre vitória de Cristo na cruz
Da Redação, com Vatican News
Nesta sexta-feira, 29, o Papa Francisco presidiu a celebração da Paixão do Senhor. No único dia do ano em que a Igreja não celebra a Missa, a Basílica de São Pedro recebeu as Funções da Sexta-feira Santa, cuja liturgia volta-se para a Paixão e Morte de Jesus.
A homilia da celebração, seguindo a tradição, foi feita pelo pregador da Casa Pontifícia, Cardeal Raniero Cantalamessa. Ele refletiu sobre a passagem do Evangelho em que Jesus afirma: “Quando tiverdes levantado o Filho de Homem, então sabereis que ‘Eu Sou’” (cf. Jo 8,28).
No início de sua fala, Cantalamessa frisou que Jesus não usa qualquer complemento ao dizer “eu sou”. Tal fato atribui alcance absoluto, metafísico à declaração, que remete às palavras presentes nos livros do Êxodo (Ex 3,14) e do profeta Isaías (Is 43,10-12), nas quais o próprio Deus proclama Seu divino “Eu sou”.
Jesus revela verdadeiro rosto de Deus na cruz
A novidade, pontuou o cardeal, está no trecho que precede a autoafirmação de Cristo: “quando tiverdes levantado o Filho de Homem”. Ou seja, os homens só descobririam aquilo que Jesus é – e, por consequência, o que Deus é – somente a partir de sua crucificação.
“Estamos diante de uma total inversão da ideia humana de Deus e, em parte, também daquela do Antigo Testamento. Jesus não veio para retocar e aperfeiçoar a ideia que os homens fizeram de Deus, mas, em certo sentido, para invertê-la e revelar o verdadeiro rosto de Deus”, afirmou o pregador da Casa Pontifícia, retomando ainda o que o apóstolo Paulo soube compreender: “o mundo não foi capaz de reconhecer a Deus por meio da sabedoria, mas, por meio da loucura da pregação, Deus quis salvar os que creem” (cf. 1Cor 1,21).
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Dessa forma, assinalou: “a palavra de Cristo assume um alcance universal que interpela quem a lê, em qualquer época e situação”, inclusive a atual. Jesus não veio ao mundo para promover mudanças: Deus é único, um puro espírito, um ente supremo. Contudo, questionou o cardeal, “como conseguir vê-lo no aniquilamento da sua morte na cruz”?
“A verdadeira onipotência de Deus é a total impotência do Calvário”
Cantalamessa indicou que, diante dos homens, Deus se encontra desprovido de toda capacidade, pois não pode fazer outra coisa senão respeitar, em medida infinita, a livre escolha dos homens. “Eis, então, que o Pai revela o verdadeiro rosto da sua onipotência no seu Filho, que se põe de joelhos diante dos discípulos para lavar-lhes os pés; nele que, reduzido à mais radical impotência sobre a cruz, continua a amar e perdoar, sem jamais condenar”, manifestou
“A verdadeira onipotência de Deus é a total impotência do Calvário”, prosseguiu o pregador da Casa Pontifícia, “é necessário pouca força para pôr-se em evidência; é necessário muita, ao contrário, para pôr-se de lado, para se cancelar. Deus é esta força ilimitada de escondimento de si”.
O cardeal observou que, no momento da crucificação, uma grande multidão testemunhou o suplício. Após sua ressurreição, entretanto, Jesus aparece apenas a poucos discípulos, “fora dos holofotes”. “Com isso, quis dizer-nos que, após ter sofrido, não é preciso esperar um triunfo exterior, visível, como uma glória terrena. O triunfo se dá no invisível e é de ordem infinitamente superior, porque é eterno”, declarou, citando também os mártires.
Onipotência do amor
Cantalamessa sinalizou que, em suas aparições, o Ressuscitado fornece um sólido fundamento à fé, manifestando-se aos que não se recusam a crer. Todavia, não aparece no meio de seus adversários para demonstrar que erraram e para zombar deles.
“Toda vingança seria incompatível com o amor que Cristo quis testemunhar aos homens com a sua paixão”, sublinhou. “Ele se comporta humildemente na glória da ressurreição, como no aniquilamento do Calvário. A preocupação de Jesus ressuscitado não é confundir os seus inimigos, mas de logo ir tranquilizar os seus discípulos desolados e, antes deles, as mulheres que jamais deixaram de crer nele”.
Por fim, o pregador da Casa Pontifícia recordou o episódio em que Jesus chama todos aqueles que estão cansados a ir a ele, para que os dê descanso (cf. Mt 11,28). Ele comentou que pode parecer ironia alguém rejeitado pelos seus e condenado à morte fazer este convite, mas explicou que isso se dá porque Jesus renunciou à ideia humana de onipotência para seguir o conceito de Deus: a “onipotência do amor”.
O cardeal concluiu a homilia citando as palavras de São Paulo em sua primeira carta aos Coríntios: “Tenho certeza de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundeza, nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (cf. Rm 8,35-39).