Texto do Papa Francisco que se propõe a “atualizar” a Carta Encíclica Laudato Si’ aborda causas da crise climática do planeta
Da Redação, com Vatican News
Está lançada a continuação da Encíclica Laudato Si’. A Santa Sé publicou nesta quarta-feira, 4, a Exortação apostólica Laudate Deum em que, pouco mais de oito anos da publicação do documento sobre os cuidados com a casa comum, o Papa Francisco aborda as questões climáticas da atualidade.
A Exortação tem seis capítulos e 73 parágrafos. Seu título, Laudate Deum, significa “Salve a Deus”, justificado pelo Pontífice na conclusão do texto: “porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo”.
Em dois meses, acontecerá, em Dubai, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP28). Diante da realidade atual e da chegada deste evento, o Santo Padre pretende fazer um apelo à corresponsabilidade diante da emergência das mudanças climáticas, uma vez que o mundo “está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura”.
Mudanças climáticas têm origem humana
No primeiro capítulo da Laudate Deum, o Papa fala sobre os sinais das mudanças climáticas – entre eles fenômenos extremos, períodos frequentes de calor anormal, e seca – e suas consequências – como o deslocamento de populações. Ele declara que “é possível verificar que certas mudanças climáticas, induzidas pelo homem, aumentam significativamente a probabilidade de fenômenos extremos mais frequentes e mais intensos”.
A origem humana dessas alterações “já não se pode pôr em dúvida”, assinala Francisco, que ainda toca no assunto da emissão de gases de efeito estufa. Ele correlaciona a maior concentração desses gases na atmosfera ao aumento da temperatura do planeta e à consequente acidificação dos mares e no derretimento dos glaciares. Para o Pontífice, essa coincidência é impossível de ser escondida.
“A esmagadora maioria dos estudiosos do clima defende esta correlação, sendo mínima a percentagem daqueles que tentam negar esta evidência. Infelizmente, a crise climática não é propriamente uma questão que interesse às grandes potências econômicas, preocupadas em obter o maior lucro ao menor custo e no mais curto espaço de tempo possíveis” (n. 13).
O Santo Padre, diante desta correlação entre os enormes progressos e a desenfreada intervenção humana sobre a natureza, declara a urgência de uma visão mais ampla, uma vez que algumas das manifestações dessa crise climática são irreversíveis por algumas centenas de anos. “Tudo o que se nos pede é uma certa responsabilidade pela herança que deixaremos atrás de nós depois da nossa passagem por este mundo”, exorta.
O poder da tecnologia
Prosseguindo, o Papa disserta sobre o “paradigma tecnocrático”, que “consiste, substancialmente, em pensar como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia”. O Pontífice aponta que “nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante que o utilizará bem, sobretudo se se considera a maneira como o está a fazer”, alertando ainda sobre o risco de concentrar este poder em apenas uma pequena parte da humanidade.
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Ele também reitera que “o mundo que nos rodeia não é um objeto de exploração, utilização desenfreada, ambição sem limites” e que o homem está incluído na natureza, o que “exclui a ideia de que o ser humano seja um estranho, um fator externo capaz apenas de danificar o ambiente”.
“Realizamos progressos tecnológicos impressionantes e surpreendentes, sem nos darmos conta, ao mesmo tempo, que nos tornamos altamente perigosos, capazes de pôr em perigo a vida de muitos seres e a nossa própria sobrevivência”, reflete Francisco.
Políticas internacionais fracas
Na sequência, ele denuncia a fraqueza das políticas internacionais e pede o favorecimento de acordos multilaterais entre os Estados. O Pontífice pede “organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial” e “duma real autoridade que possa ‘assegurar’ a realização de alguns objetivos irrenunciáveis”.
Assim, o Santo Padre propõe um multilateralismo “a partir de baixo”, e não “decidido pelas estruturas de poder”, identificando a necessidade de um “quadro diferente para uma cooperação eficaz” e “uma espécie de maior ‘democratização’ na esfera global” para que sejam cuidados os direitos de todos.
Em relação à COP28, Francisco fala sobre o “sonho” de que esta conferência “leve a uma decidida aceleração da transição energética, com compromissos eficazes que possam ser monitorizados de forma permanente”, uma vez que, para ele, a transição para as energias limpas, atualmente, não avança de forma suficientemente rápida.
O Papa também pede o fim da “atitude irresponsável” daqueles que “ridicularizam” a questão ambiental por interesses econômicos. Ele expressa seu desejo de que a COP28 possa levar a estratégias capazes de “pensar mais no bem comum e no futuro dos seus filhos, do que nos interesses contingentes de algum país ou empresa”, mostrando a nobreza da política, e não sua vergonha. E ainda questiona os poderosos: “para que se quer preservar hoje um poder que será recordado pela sua incapacidade de intervir quando era urgente e necessário fazê-lo”?
Mudança cultural
Por fim, Francisco recorda como a fé cristã faz brotar esses compromissos, e incentiva “os irmãos e irmãs de outras religiões a fazerem o mesmo”. Ele ainda cita como é necessária uma mudança cultural – que parte da mudança nas pessoas – para reduzir os esbanjamentos, consumir de forma sensata e criar uma nova cultura. “Assim, juntamente com as indispensáveis decisões políticas, estaríamos no caminho do cuidado mútuo”, conclui.