VIAGEM APOSTÓLICA

Iraque: especialista faz panorama do país que receberá o Papa

Papa Francisco inicia visita ao Iraque nesta sexta-feira; há décadas, país sofre com diversos conflitos armados e religiosos

Thiago Coutinho
Da redação

Moradores andam pelas ruas de Bagdá, país que será visitado pelo Papa Francisco/ Foto ilustrativa: iStock Images

De 5 a 8 de março, o Papa Francisco realiza a 33ª viagem apostólica internacional de seu pontificado.  É a primeira desde novembro de 2019 e após o início da pandemia. Desta vez, o Santo Padre visitará o Iraque, no Oriente Médio, porção do continente asiático e que possui minoria cristã e maioria muçulmana (veja quadro ao final deste texto para outros detalhes).

Por ocasião da visita, o noticias.cancaonova.com preparou uma série de três matérias, que serão publicadas de hoje a quinta-feira, 4, trazendo informações sobre o país, o cristianismo no país e a expectativa pela chegada de Francisco. Nesta primeira reportagem, o assunto em destaque é um panorama do país que recebe o Papa. 

Na última estimativa realizada pelo país, o Iraque contava com 40 milhões de habitantes. A economia é centrada no petróleo e na exploração de suas inúmeras ricas jazidas petrolíferas.

A história do Iraque é permeada por diversos conflitos armados e uma intensa disputa militar, dentro os quais se destacam a invasão do Iraque ao Irã, sob o comando de Saddam Hussein, e a Guerra do Golfo, em 1990, que deixou um saldo de 100 mil soldados iraquianos mortos. 

Os primórdios do Iraque

Ao final da Primeira Guerra Mundial, houve uma partilha do Oriente Médio realizada pelos europeus (especificamente franceses e ingleses). Esta partilha gerou um tratado, conhecido como Acordo de Sykes-Picot, que estabeleceu quais regiões do Oriente Médio ficariam sob a influência inglesa e francesa. Assim, a Síria e o Líbano ficariam sob domínio dos franceses, e o Iraque e a Palestina a cargo dos ingleses.

“Quando esta região foi fragmentada, os europeus dividiram-na como bem entenderam. Então, porções territoriais que o Iraque achava que eram suas por direito foram para o Irã, como o Kuwait, por exemplo. Eles alegavam que era uma área que pertencia a eles décadas atrás e que deveriam retomá-las. Quem fomentou esta ideia foi o ditador Saddam Hussein, que tinha um exército relativamente poderoso à época”, explica Fábio Cervezão, especialista em Política e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política (FespSp).

A divisão que não deu certo

A partilha do território iraquiano feita pelos europeus não agradou a todos. A região é composta por diversos povos e etnias, o que torna a situação muito delicada — e dá origem a estes diversos conflitos tão presentes ao longo das décadas.

“Essas etnias, como os curdos, estão se engalfinhando ali. Eles reivindicam uma parte do Iraque e da Turquia. Na verdade, eles têm vontade de formar o Curdistão, o que não é algo simples de se conseguir”, explica Cervezão.

Os curdos, de acordo com o especialista, são conhecidos como o maior povo sem pátria do mundo. “E a maior parte deles está no Iraque. E o próprio petróleo acaba tendo uma responsabilidade grande ali, por conta de sua importância econômica, especialmente no Iraque, que conta com a terceira ou quarta maior reserva mundial”, acrescenta.

Conflito de 2003

Um conflito mais recente no Iraque foi o de 2003, após os atentados contra as Torres Gêmeas nos Estados Unidos em 2001. O país foi acusado pelos Estados Unidos de possuir armas químicas, o que acabou justificando uma invasão ao país. Estas armas, porém, jamais foram encontradas. Segundo Cervezão, o motivo real da invasão envolvia o petróleo. 

“Os Estados Unidos queriam controlar essas reservas. Até porque, os terroristas mesmo nem ali estavam. Osama Bin Laden [acusado de organizar os atentados de setembro de 2001] estava no Afeganistão. O Iraque já estava frágil por conta da primeira Guerra do Golfo [em 1990], eles sofreram um embargo dos Estados Unidos e estavam fragilizados. Mesmo sem a anuência do Conselho de Segurança da ONU, houve a invasão com o único fim de controle do petróleo”, detalha o especialista.

A situação política do Iraque

Após a invasão dos Estados Unidos, que terminou em 2011, houve o que os especialistas chamam de “vácuo político”. Explica-se: mesmo sendo um povo governado sob uma égide tirânica e ditatorial, sem um líder a população ficou perdida. O resultado desta dispersão foi a formação do afamado Estado Islâmico.

“Por mais que exista esta ditadura, sem ela a população ficou perdida. E isto deu a oportunidade de grupos terroristas surgirem, com o Estado Islâmico. Na verdade, boa parte dos integrantes do Estado Islâmico vem da guarda real de Saddam Hussein. Eles enxergam pessoas de outra orientação religiosa, como os xiitas ou os próprios cristão, como infiéis. E isso gera uma enorme instabilidade política que o país vive, já que atuam no Iraque e na Síria”, detalha Cervezão.

Economia

A economia iraquiana sofre com o que o especialista em Política e Relações Internacionais chama de “maldição do petróleo”. A economia não é diversificada, há um Produto Interno Bruto (PIB) grande, mas que não é de maneira alguma revertido em igualdade social. “Muito pelo contrário, já que grade parte da população vive em condições de sobrevivência que não são das melhores”.

Para piorar, o dinheiro gerado pelo petróleo acaba financiando os terroristas do Estado Islâmico. “Democracia nesses países não é algo simples. Eles precisam enxergar esta necessidade democrática, mas não importada, como aconteceu na Turquia — que mesmo assim vem enfrentando problemas. Não é algo simples, são países acostumados a viver sob regimes ditatoriais”, pondera Cervezão.

Um solução complexa para o território iraquiano

Ralph Peters, tenente-coronel estadunidense aposentado, sugere que se o Iraque fosse dividido em três territórios para abrigar seus respectivos povos distintos (curdos, sunitas e xiitas), não haveria a necessidade de uma intervenção de um governo majoritário para se manter a ordem no país. Para Cervezão, porém, isso não é tão simples de se colocar em prática.

“Farei um paralelo com o que acontece, por exemplo, na Catalunha, em que também querem esta divisão. Na verdade, isso acaba enfraquecendo o país. O ideal era que o país se fortalecesse e mantivesse essas identidades culturais, sem precisar separá-los. Esta separação geraria, por exemplo, menor arrecadação em relação ao petróleo”, explica.

Num mundo ideal, deveria haver representantes de destaque de todas as etnias. “Seria um governo de coalizão, com um representante curdo, outro xiita, mas em posições de destaque, como primeiro-ministro, presidente etc. O Líbano é um pouco assim”, afirma Cervezão.

Uma leitura do Ocidente com a visita do Papa

Para Cervezão, esta aproximação do Papa Francisco pode servir para diminuir este choque de religiões. “Diria que o Papa indo ao Iraque há este viés apaziguador que demonstra que todos estes conflitos poderiam estar mais controlados”, diz.

Certamente não será esta visita que resolverá todas as questões relativas aos conflitos do Oriente Médio. Mas, para Cervezão, esta chegada de Francisco pode chamar a atenção do mundo para temas delicados, como a questão envolvendo os refugiados.

“Neste sentido, seria algo mais significativo, pois os refugiados iraquianos e, especialmente os sírios, sofrem muito com a perseguição do Estado Islâmico. Nesse sentido, o Papa indo ao Iraque chama a atenção de órgãos internacionais para que pressionem países vizinhos para que recebam estes refugiados”, finaliza.

 

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