Em sua Mensagem para o 6° Dia Mundial dos Pobres, Francisco volta a condenar a guerra na Ucrânia: “Uma ‘superpotência’, que pretende impor a sua vontade contra o princípio da autodeterminação dos povos”
Da redação, com Vatican News
Foi divulgada nesta terça-feira, 14, a Mensagem do Papa Francisco para o 6° Dia Mundial dos Pobres – que será celebrado no dia 13 de setembro. O texto do Pontífice é dedicado a todos os pobres e “empobrecidos” pela “tempestade” da pandemia, indigentes, refugiados e deslocados pela guerra na Ucrânia.
Um longo documento no qual o Santo Padre condena desde as primeiras linhas uma das principais causas da pobreza em nosso tempo: a guerra. Um “desastre”, escreve, que apareceu no horizonte pouco depois de “uma nesga de céu sereno” ter se aberto após a pandemia. Uma tragédia “destinada a impor ao mundo um cenário diferente”, frisa.
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A ameaça dos poderosos e os fracos e indefesos
O conflito que vem ocorrendo há mais de cem dias, afirma o Papa, veio “unir-se às guerras regionais que nestes anos tem produzido morte e destruição”, mas “o quadro apresenta-se mais complexo”. “Vemos repetir-se cenas de trágica memória e, mais uma vez, as ameaças recíprocas de alguns poderosos abafam a voz da humanidade que implora paz”, complementa.
Francisco destaca: “Quantos pobres gera a insensatez da guerra. (…) Para onde quer que voltemos o olhar, constata-se como os mais atingidos pela violência sejam as pessoas indefesas e frágeis. Deportação de milhares de pessoas, sobretudo meninos e meninas, para os desenraizar e impor-lhes outra identidade”.
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Segundo o Pontífice, milhões de mulheres, crianças e idosos veem-se constrangidos a desafiar o perigo das bombas para pôr a vida a salvo, procurando abrigo como refugiados em países vizinhos. Entretanto, o Santo Padre recorda que aqueles que permanecem nas zonas de conflito têm de conviver diariamente com o medo e a carência de comida, água, cuidados médicos e sobretudo com a falta de afeto familiar.
Dificuldade à ajuda
Nestes momentos, o Papa ressalta que a razão fica obscurecida e quem sofre as consequências é uma multidão de gente simples, que vem juntar-se ao número já elevado de pobres. “Como dar uma resposta adequada que leve alívio e paz a tantas pessoas, deixadas à mercê da incerteza e da precariedade?”, questiona. Não apenas isso: “Quanto mais se alonga o conflito, mais se agravam suas consequências”, observa.
O Santo Padre lembra que a disponibilidade que, nos últimos anos, moveu “populações inteiras” para abrir as portas a fim de acolher milhões de refugiados das guerras no Oriente Médio, na África Central e, agora, na Ucrânia, assim como o altruísmo de tantas famílias que “abriram suas casas para dar lugar a outras famílias”, colide com a dureza de uma realidade fora de controle:
“Os povos que acolhem têm cada vez mais dificuldade em dar continuidade à ajuda; as famílias e as comunidades começam a sentir o peso de uma situação que vai além da emergência”.
Todavia, Francisco afirma que agora é o momento de não ceder, mas de renovar a motivação inicial. “O que começamos precisa de ser levado a cabo com a mesma responsabilidade”. Com efeito, a solidariedade é precisamente isso: “partilhar o pouco que temos com quantos nada têm, para que ninguém sofra. Quanto mais cresce o sentido de comunidade e comunhão como estilo de vida, tanto mais se desenvolve a solidariedade”.
Não retórica, mas agir
Aliás, escreve o Pontífice, deve-se considerar que há países onde, nas últimas décadas, se verificou um significativo crescimento do bem-estar de muitas famílias, que alcançaram um estado de vida seguro.
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“Como membros da sociedade civil, mantenhamos vivo o apelo aos valores da liberdade, responsabilidade, fraternidade e solidariedade; e, como cristãos, encontremos sempre na caridade, na fé e na esperança o fundamento do nosso ser e da nossa atividade”. “Agir”, é de fato, para o Pontífice, a palavra-chave:
“No caso dos pobres, não servem retóricas, mas arregaçar as mangas e pôr em prática a fé através de um envolvimento direto, que não pode ser delegado a ninguém”
Mau uso do dinheiro
Às vezes, porém, o Santo Padre alerta que pode sobrevir “uma forma de relaxamento que leva a assumir comportamentos incoerentes, como no caso da indiferença em relação aos pobres”. Acontece “que alguns cristãos, devido a um apego excessivo ao dinheiro, fiquem empantanados num mau uso dos bens e do patrimônio. São situações que manifestam uma fé frágil e uma esperança fraca e míope”, escreve o Papa.
De acordo com Francisco, o problema não está no dinheiro em si, pois faz parte da vida diária das pessoas e das relações sociais, mas sim, sobre o valor que o dinheiro tem para cada pessoa. “Um tal apego impede de ver, com realismo, a vida de todos os dias e ofusca o olhar, impedindo de reconhecer as necessidades dos outros. Nada de mais nocivo poderia acontecer a um cristão e a uma comunidade do que ser ofuscados pelo ídolo da riqueza, que acaba por acorrentar a uma visão efêmera e falhada da vida”.
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Portanto, acrescenta o Pontífice, não se trata de ter “um comportamento assistencialista” em relação aos pobres. “Não é o ativismo que salva, mas a atenção sincera e generosa que me permite aproximar de um pobre como de um irmão que me estende a mão para que acorde do torpor em que caí”.
Novas políticas sociais
O Papa renova seu convite “urgente” para encontrar estradas que possam ir além da configuração daquelas políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, “mas nunca com os pobres, nunca dos pobres, e muito menos inserida em um projeto que reúna os povos”.
Para o Santo Padre, estamos diante de um paradoxo, que, hoje como no passado, é difícil de aceitar, porque embate na lógica humana: “há uma pobreza que torna todos ricos”. “A experiência de fragilidade e limitação, que vivemos nestes últimos anos e, agora, a tragédia de uma guerra com repercussões globais, devem ensinar-nos decididamente uma coisa: não estamos no mundo para sobreviver, mas para que, a todos, seja consentida uma vida digna e feliz”, frisa.
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A pobreza que mata e a pobreza que liberta
Francisco revela que Jesus mostra o caminho que há “uma pobreza que humilha e mata, e há outra pobreza – a d’Ele – que liberta e nos dá serenidade”. A pobreza que mata é “a miséria, filha da injustiça, da exploração, da violência e da iníqua distribuição dos recursos. É a pobreza desesperada, sem futuro, porque é imposta pela cultura do descarte que não oferece perspectivas nem vias de saída”.
“Quando a única lei passa a ser o cálculo do lucro no fim do dia, então deixa de haver qualquer freio na adoção da lógica da exploração das pessoas: os outros não passam de meios. Deixa de haver salário justo, horário justo de trabalho e criam-se novas formas de escravidão, suportada por pessoas que, sem alternativa, devem aceitar este veneno de injustiça a fim de ganhar o mínimo para comer”, alerta.
Ao contrário, a pobreza libertadora é “aquela que se nos apresenta como uma opção responsável para alijar da estiva quanto há de supérfluo e apostar no essencial”, escreve Francisco. “Encontrar os pobres permite acabar com tantas ansiedades e medos inconsistentes, para atracar àquilo que verdadeiramente importa na vida e que ninguém nos pode roubar: o amor verdadeiro e gratuito”. Na realidade, os pobres, “antes de serem objetos da nossa esmola, são sujeitos que ajudam a libertar-nos das armadilhas da inquietação e da superficialidade”, revela.