Câncer infantojuvenil

Setembro Dourado: diagnóstico precoce do câncer eleva chances de cura

Embora seja raro na infância, o câncer é a doença que mais mata crianças e adolescentes no Brasil; veja testemunho de jovem que superou a leucemia

Kelen Galvan
Da redação

Setembro Dourado alerta para conscientização do câncer infanto-juvenil/ Foto: Divulgação

Neste mês, a luta contra o câncer infantojuvenil ganha mais visibilidade com o “Setembro Dourado”. Trata-se de uma campanha nacional criada para alertar sobre a importância do diagnóstico e tratamento precoce da doença.

O câncer infantojuvenil é considerado uma doença rara porque de 100 vítimas, 3% são crianças e adolescentes. Porém, é considerado um problema de saúde pública, por ser a doença que mais mata crianças e adolescentes de um a dezoito anos no Brasil, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA).

Segundo a oncologista pediátrica Débora de Wylson Fernandes Gomes de Matos, no Brasil, a média de cura fica entre 65 e 70%, devido a fatores que acabam atrasando o diagnóstico ou tratamento, como não ter todos os quimioterápicos, atrasos em ressonâncias ou cirurgias. Em algumas instituições, com um melhor padrão de atendimento, o percentual sobe, ficando próximo aos 75% de chance de cura.

Entre os possíveis sintomas do câncer estão a perda de peso inexplicada, dores de cabeça, vômitos, inchaço abdominal, caroços ou inchaços indolores, palidez, dor óssea, tosse persistente, alterações oculares – como o embranquecimento da pupila, perda visual ou inchaço ao redor dos olhos.

Venceu o câncer

Hoje Danielli tem uma filha de um ano e meio / Foto: Arquivo pessoal

Danielli Toebe Donat descobriu a leucemia aos 15 anos. “Comecei a emagrecer muito, oito quilos em uma semana e tive muita febre alta, de 39 e 40 graus. Minha mãe se preocupou e começamos a ir em vários médicos e nenhum descobria o que eu tinha”.

Ela lembra que depois de ir a muitos médicos, um pediu exame de sangue, que mostrou leucócitos muito baixos. Ele desconfiou da doença e a encaminhou a um hematologista. Após novos exames, chegou-se ao diagnóstico e começaram os anos de tratamento.

“Eu estava com leucemia. O meu tipo era o LLA – Leucemia Linfoblástica Aguda. De um dia para o outro descobri e já fui para Curitiba (PR) para iniciar o tratamento, porque era urgente eu ter de iniciar o tratamento”, lembra.

O tratamento foi a base de vários tipos de quimioterapias, radioterapia e corticoides. “Foi bem rigoroso o tratamento. Durou dois anos e meio. Nesse período, os primeiros seis meses fiquei mais dentro do hospital, e depois até podia voltar para casa, em Foz do Iguaçu (PR), no final de semana. Mas tinha de voltar toda semana para Curitiba, me internar e fazer uma quimioterapia diferente”, conta Danielli, hoje com 31 anos.

A mãe da jovem, Odete Toebe, conta que na época foi muito difícil aceitar que sua filha estava doente e vê-la sofrer. “Eu pedia para Deus a cura e queria estar no lugar dela, porque não suportava ver a Dani sofrendo daquele jeito”.

Elas contam que, após o início do tratamento, já no primeiro exame que verifica o líquido da medula espinhal não havia mais sinais de células cancerígenas. “Desde esse momento em que o líquor estava limpinho, eu comecei a acreditar que ela seria curada e não teria mais nada. Eu agradecia a Deus e rezava por ela todos os dias. Mas como a leucemia é muito traiçoeira, o tratamento foi feito até o final”, relembra Odete.   

Manter a rotina

Odete lembra que nas quimioterapias via a filha passando mal, mas chorava escondido, e dava a maior força para Danielli. “Eu falava que ela ia ficar boa, tudo ia passar. O sofrimento era demais, mas não podia sofrer perto dela. Contávamos piadas, eu tinha de brincar, tínhamos de rezar, cantar, e foi onde superou. O médico até me chamava de mãezona, porque não deixei a ‘peteca cair'”.

Ela conta que encararam a doença como algo passageiro, e na época a jovem continuou estudando, tudo normal. “Tem gente que porque tem essa doença, acha que é o fim da vida, mas não é. Claro que a Dani estava doente, debilitada, mas ela era forte e não se entregou”.

Sobre este período, Danielli lembra que ir pro colégio com o lencinho na cabeça foi algo que a marcou, ainda mais porque não era algo comum naquela época.

“Não é fácil porque você passa por julgamentos de muitas pessoas. A primeira vez que eu cheguei no colégio de lencinho todo mundo olhou, como que dizendo: ‘meu Deus, o que essa louca fez no cabelo’, mas ninguém quer saber o que está acontecendo. Até os colegas todos saberem e começarem a me apoiar”.

Danielli lembra que, sempre que o tratamento permitia, mantinha sua rotina normal, indo à escola. Ela conta que teve apoio dos colegas com as tarefas, quase não conseguia fazer as provas, mas os professores lhes davam trabalhos e ela não reprovou.

Confiança

Apesar dos desafios de viver esta doença, Danielli lembra que sempre foi otimista. “Nunca teve aquela fase de desespero, onde a gente quer se entregar. Isso nunca aconteceu comigo. Eu sempre dizia que estava bem. Esse era o segredo: dizer que estava bem e tocar em frente. Levar a vida normal”.

Após os dois anos e meio de tratamento, com os resultados dos exames sempre apontando que já não existiam células leucêmicas, Danielli deu início à fase de manutenção. Primeiro ia uma vez ao mês para Curitiba, depois de três em três meses, depois de seis em seis, e depois uma vez por ano.

Danielli Toebe com sua família / Foto: Arquivo Pessoal

“Quando passou a ser anual, passei dez anos indo a Curitiba para fazer essa manutenção. Até finalmente receber a alta. E sempre que eu fiz os exames todos deram normais, graças a Deus!”, conta vitoriosa.

Ela, que sempre fez questão de manter sua rotina de vida normal, logo depois do tratamento formou-se em engenharia ambiental e começou a trabalhar. Depois casou-se e hoje tem uma filha de um ano e meio. “É como se nunca tivesse tido leucemia. Sou muito feliz hoje!”.

Danielli faz questão de alertar para a importância do Setembro Dourado, para informar e conscientizar as pessoas sobre o diagnóstico precoce. “É muito importante fazer um diagnóstico precoce, porque quanto antes a gente descobre o câncer mais chances de cura se tem. Hoje em dia existe tratamento, muita tecnologia e não temos que ter medo”, defende.

Atenção aos sinais

Dra. Débora que trabalha no Centro de Oncologia Pediátrica do Instituto Nacional do Câncer (Inca), explica que um fator que acaba dificultando o diagnóstico precoce é o fato do câncer em crianças ter a característica de ser muito parecido com as doenças comuns da infância.

“Desde uma constipação intestinal, aumento da barriga, dor de cabeça matinal, manchinhas que aparecem pelo corpo. Você primeiro tem que pensar nas doenças comuns da infância porque o câncer mimetiza demais”, explica Dra. Débora.

Porém, ela afirma que os pais devem estar atentos ao que acontece com a criança, para suspeitar de algo que precise ser investigado.

“Quando a criança apresentar dor de cabeça matinal ou vômito matinal e em jato, é um sinal para suspeitar do tumor do Sistema Nervoso Central. Também se a criança tiver crise convulsiva – deve ser investigado o cérebro com uma tomografia ou ressonância-,se tiver uma alteração neurológica, alteração de marcha, alteração visual, perda de força, a criança que está muito tonta, caindo muito. É algo que pode surgir de repente, a criança estar bem e apresentar algum destes sintomas ou ser algo gradual”, explica a médica.

Outro câncer bem comum em crianças são as leucemias. Ele gera as famosas manchas roxas pelo corpo, principalmente em locais onde não é de trauma. “Uma criança saudável brinca e acaba batendo as pernas e os braços e surgem essas manchinhas roxas. No entanto, quando essas manchas aparecem na barriga ou costas e não há sinal de trauma, deve gerar uma atenção”, destaca a oncologista.

Ela aponta ainda que outros sinais como gengiva ou nariz sangrando, dá para se pensar nas leucemias. Ou ainda febre, sem justificativa. “A criança com mais de cinco dias de febre sem nenhum foco, nada que justifique, como uma infecção urinária, gripe, ou outro fator, também é um sinal de alerta”.

Um diagnóstico possível

Embora nenhum pai ou mãe queira descobrir que seu filho está com câncer, é preciso atenção aos sinais para que o diagnóstico seja feito o mais rápido possível, pois isso aumenta as chances de cura da criança e minimiza as sequelas.

“Como é uma doença rara, se você não pensa nela, você não faz o diagnóstico. É preciso que se pense, que se abra o leque de diagnóstico e se coloque o câncer infantojuvenil neste leque”, alerta a oncologista.

Ela afirma que embora, diante de tantas doenças infantis, o câncer não seja o diagnóstico mais provável, é um diagnóstico possível. E chama a atenção das mães e da própria assistência médica primária para que fiquem mais atentos para um diagnóstico precoce e certeiro.

“Por mais que seja raro e a chance de não ser câncer seja grande, quando você faz o diagnóstico você certamente salvou a vida. O diagnóstico precoce é nosso principal aliado. Primeiro para você curar, e segundo para diminuir sequelas”, aponta.

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