Primeiro passo rumo à mudança é identificar, responsabilizar e punir quem provoca tragédias humanas e ambientais, fazendo valer a lei
Dom Walmor Oliveira de Azevedo*
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Piedade de Minas
Piedade de Minas, grito que brota do coração de cada pessoa, uma vez mais, convocando toda a sociedade mineira a buscar novos rumos. Caminhos que sejam condizentes com a história tricentenária do Estado, suas tradições religiosas e culturais, com o coração bom de seu povo, adornado por valores e princípios. Todos se unam por uma nova etapa civilizatória que respeite as singulares belezas naturais de Minas – dos campos aos sertões, da Mata Atlântica ao alto das montanhas. Piedade de Minas, uma prece por compaixão que deve inspirar gestos cidadãos, alicerçados na solidariedade com os que sofrem as consequências de tragédias criminosas – a exemplo das que ocorreram em Brumadinho, em Bento Rodrigues e em tantos outros lugares.
Piedade de Minas! Seja esse grito um clamor por compaixão, pela indignação sagrada que gera a coragem necessária à concretização de um sonho: fazer surgir um Estado diferente, livre de crimes praticados contra seus próprios filhos e o meio ambiente. É a partir desse clamor que cada pessoa poderá enxergar melhor o que acontece em tantos lugares, especialmente no Coração de Minas, a Serra da Piedade, com quase 1700 metros de altitude, reunindo incontestável beleza arquitetônica, cultural, religiosa, paisagística e ambiental, e inadmitir qualquer pretensão gananciosa de mineradoras, com a devida oposição técnico-científica e legal.
No entorno desse lugar sagrado, está ocorrendo o que não poderia acontecer, com perdas e prejuízos incalculáveis para todo o povo mineiro. Essa situação precisa ser mudada, o que requer corajosa lucidez das competências judiciárias, ação destemida de instâncias governamentais e legislativas. A audaciosa determinação para corrigir descompassos, iluminada pelo clamor “Piedade de Minas”, pode conduzir o Estado a novos horizontes. O passo primeiro rumo à mudança é identificar, responsabilizar e punir quem provoca tragédias humanas e ambientais, fazendo valer a lei. Urgente também é uma configuração sócio-política e econômica voltada para a promoção do bem de toda a sociedade, com atenção especial aos que já sofreram graves perdas provocadas pela agressiva exploração da natureza.
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Para isso, todos os segmentos da sociedade devem se unir e formar única voz, exigindo mudanças nos procedimentos da atividade minerária. No Brasil e, particularmente, em Minas Gerais, é preciso parar tudo o que está comprovadamente errado e promover recomeços, a partir de um horizonte humanitário. Esse parâmetro garante a salvaguarda do meio ambiente, o indispensável equilíbrio que assegura bem-estar social e a proteção do planeta – a Casa Comum. A referência central deve ser, em todos os campos – ciência, técnica, economia – o respeito irrestrito ao ser humano e às demais criaturas.
A complexa crise na relação entre ser humano e meio ambiente deve ser superada. Minas Gerais clama pelo fim da exploração cega de seus recursos, na voz de todos. Essa mudança é a única possibilidade capaz de reverter o acelerado processo que está fazendo o “Estado Diamante” tornar-se um mar de lamas que destrói vidas, mata belezas, enlutando o povo.
Combater a idolatria do dinheiro, que cega pessoas diante das reais necessidades humanas e naturais, seduzindo mentes e corações, é um desafio a ser assumido por todos. Essa idolatria sustenta atitudes patológicas que transformam contextos sociais em verdadeiras sucursais do inferno. O Papa Francisco, constantemente, alerta sobre a configuração de uma economia “sem rosto”, descompromissada com objetivos verdadeiramente humanos. A religiosidade mineira, na força da fé cristã, não cederá espaço a esses novos ídolos que têm desconsiderado o valor da vida.
O sentimento a ser cultivado é o de piedade, para superar a indiferença causada pela ganância sem limites. O luto do povo mineiro cobre todos, indicando que é hora de ousar e efetivar mudanças para que não ocorram novas tragédias. Minas não pode ser a mesma. Sobre os alicerces de sua rica história, a partir do exercício da cidadania, de modo condizente com os nobres valores de seu povo, o Estado deve iniciar um novo ciclo para a sua história. Tenham todos Piedade de Minas!
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*O Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma, Itália) e mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma, Itália).