Passagens do Evangelho questionam a sociedade sobre o hábito de acumular o supérfluo e, assim, gerar desperdício
Padre Antônio Aparecido Alves*
Segundo a narração do evangelho de João, após a multiplicação dos pães (Jo 6, 5-11) Jesus ordenou a seus discípulos: “Juntai os pedaços que sobraram, para que nada se perca (Jo 6,12)”.
É interessante ressaltar que um dos aspectos apontados como agravante da questão da fome em nosso país, no documento da CNBB “Exigências evangélicas e éticas de superação da miséria e da fome” (Documento 69), é exatamente a prática generalizada do desperdício, talvez por vivermos em um país onde se tem abundância de recursos naturais, sol e chuva o ano todo e outras dádivas da natureza.
O fato é que este hábito acaba gerando uma mentalidade, uma cultura, que é necessário mudar e da qual todos devemos nos converter, isto é, de que esses recursos são ilimitados e, por isso, não se tem parcimônia em usá-los.
Desperdício estrutural e doméstico
Assusta-nos o quanto se desperdiça em nosso País. Poderíamos chamar de “desperdício estrutural” aquele que ocorre por ausência de estradas bem conservadas para escoar a produção, ou ainda por falta de ações políticas e cidadãs para aproveitamento dos alimentos. Por causa disto, há setores que perdem até 40% do que produzem, como as hortaliças e frutas. De cada 100 pés de alface plantados e colhidos, 40 vão para o lixo. Ainda mais: cerca de mil toneladas de alimentos por dia são desperdiçados nas feiras livres em todo o Brasil. Enfim, estima-se que são perdidos, todos os anos, R$ 12 bilhões com o desperdício de comida.
Mas não é só em nível estrutural que se desperdiça. Existe também o desperdício doméstico. Cada um poderia fazer um levantamento do quanto se desperdiça no dia-a-dia em água, energia elétrica, combustível, roupas, alimentos etc. Com certeza, ficaríamos surpresos. Veja, por exemplo, alimentos que se deixa passar da validade ou estragar, pão que é comido pela metade, pedaços de alimentos que sobram em cima da mesa, café que é jogado fora a cada vez em que se faz “um cafezinho novo”, etc.
Eduque-se e oriente os de sua casa para não desperdiçar. O que é jogado fora de sua mesa faz falta para muitas pessoas.
A prática de Jesus
Seja na formulação de Mateus, quanto na de Lucas, uma das petições do Pai Nosso é que Deus dê a cada dia o pão (Mt 6,9-12; Lc 11,2-4), isto é, o necessário e suficiente, o que evita o desperdício e previne o acúmulo. Isto recorda o maná no deserto, que era diário e não podia ser guardado para o dia seguinte porque, senão, apodrecia (Ex 16,19-20), bem como a oração do sábio que pede a Deus que não lhe dê nem pobreza e nem riqueza, mas o necessário para cada dia (Prov 30,7-9). Esta inclusão do alimento na oração de Jesus, com esta característica de ser “a cada dia”, bem como os textos referentes ao maná e ao pedido do sábio (Ex 16,19-20; Prov 30,7-9), vêm questionar uma sociedade que se constrói sobre a lógica do acúmulo e assim vai gerando o supérfluo que é desperdiçado.
A ordem de Jesus, junto com o imperativo “dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6, 37), é recolher o que sobrou para que não se desperdice (Jo 6,12). Diz o evangelho que os discípulos recolheram doze cestos com os pedaços que sobraram (Jo 6,13), o que certamente serviu para outras refeições e para partilhar com os que não tinham alimento suficiente. Que ações podemos ensaiar em nível pessoal, familiar e social para “recolher as sobras”? Como fazer para nos converter da cultura do desperdício? Aprendamos com o evangelho a recolher, para que nada se perca.
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*Padre Antonio Aparecido Alves é Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP). Para conhecer mais sobre Doutrina Social visite o Blog: www.caminhosevidas.com.br