No Dia de Combate à Intolerância Religiosa, convite é para o conhecimento e respeito recíproco a fim de estabelecer a paz em meio à diferença
Jéssica Marçal
Da Redação
O Brasil celebra nesta quinta-feira, 21, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data foi instituída com a Lei 11.635, de 27 de dezembro de 2007, para combater atitudes descriminatórias no que diz respeito à religião.
Embora não pareça, em pleno século 21 ainda há pessoas que são discriminadas, ofendidas, feridas e até mesmo mortas por causa de sua religião. Em 2014, o Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, registrou 149 denúncias de discriminação religiosa no País. Em 2015, a média foi de uma denúncia a cada três dias sendo reportadas ao órgão. Em âmbito internacional, às vésperas da celebração da data, um relatório sobre a violência anticristã na Índia revelou que mais de 200 casos desse tipo foram registrados no país.
Segundo o rabino Michel Schlesinger, da Confederação Israelita do Brasil (CONIB), a humanidade aprendeu muita coisa nos últimos milênios, mas a intolerância religiosa continua sendo uma realidade, com atos de fanatismo que colocam em risco a vida das pessoas. Diante disso, ele acredita que, mais do que nunca, celebrar uma data como essa é uma obrigação. “Nós não precisamos convencer uns aos outros de que temos a razão e estamos certos, precisamos permitir que cada um tenha a sua fé, a sua crença e a pratique com toda a liberdade possível”.
Tolerância
Para a Igreja católica, tolerância é muito mais que “suportar” o outr. “É ser capaz de acolher o diferente, conviver, respeitar e naquilo que temos em comum, caminhar juntos! A intolerância e violência religiosa está em absoluta contradição com qualquer religião, digna desse nome!”, declara o assessor da Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso da CNBB, padre Marcus Barbosa Guimarães.
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Um exemplo dessa acolhida ao diferente e convivência fraterna foi dado por São João Paulo II, conforme recorda o padre João Firmino, da arquidiocese de Brasília (DF). Enquanto era Papa, o santo convidava pessoas de outras denominações religiosas para um encontro em Assis, na Itália, a fim de celebrar a paz e vivenciar um momento de oração comum, cada um do seu modo.
“Em Assis porque lembrava o exemplo de São Francisco de Assis que é tão querido, visto, amado e conhecido pelas diversas religiões e pessoas. Então a gente vê a figura do Santo Padre que nos convida a isso, a vivenciar, já nos convidava”, comenta padre Firmino.
E o próprio sacerdote dá testemunho pessoal desse conceito de tolerância e fraternidade. Um de seus melhores é um pastor evangélico, com quem ele já chegou a dividir a mesma casa. “Nós nos conhecemos há muito tempo, às vezes quando estou com dúvida de alguma coisa eu dou uma ligadinha para ele e falo ‘como é que você vê isso?’, às vezes ele também me liga, a gente convive muito”.
Exemplo no judaísmo
No judaísmo, rabino Michel explica que a própria religião foi construída na base do debate. O principal livro do judaísmo depois da Torah é o Talmud, que é um livro de discussões e a maior parte delas fica em aberto. Assim o judaísmo contribuiu e pode continuar contribuindo para um mundo com mais diálogo, diz.
“O judaísmo, da maneira como eu entendo é uma religião, na sua origem, bastante polifônica (…) Temos que ter a humildade de que ninguém é detentor de toda a sabedoria, de toda a verdade, de todo conhecimento, só Deus. Tudo o que nós sabemos é um pedacinho, uma parcela e a parcela de um deve complementar a parcela do outro”.
O vídeo do Papa
Nesse mês de janeiro, o Papa gravou um vídeo em que aparece junto a líderes do catolicismo, judaísmo, budismo e islamismo para pedir orações pelo diálogo inter-religioso. Todos eles repetem a frase “Creio no amor”.
Rabino Michel contou que ficou muito feliz com a iniciativa do Papa, mas não surpreso, pois conhece o Papa e sabe que essa é a sua linha. Desde que Bergoglio foi eleito Papa, o rabino já se encontrou com ele em quatro ocasiões. “O Papa Francisco realmente é um homem de diálogo (…) esse vídeo é coerente com a biografia de diálogo do Papa Francisco”.
“O tema do diálogo inter-religioso é uma constante nos discursos, homilias, ações, orações e gestos do Papa Francisco. Com suas palavras, o Papa Francisco recorda-nos que orar e empenhar-se pelo diálogo ecumênico e inter-religioso faz parte integrante da missão evangelizadora da Igreja”., acrescenta padre Marcus.
Passos para a tolerância na sociedade
Olhando para o futuro, rabino Michel acredita que a solução para os casos de intolerância religiosa está na educação. “Se a gente puder, nas escolas, muçulmanas, cristãs, judaicas, e também naquelas que não são religiosas, preparar as nossas crianças e os nossos jovens para um mundo complexo, em que diversas verdades coexistem, então a gente está dando um passo mais significativo para construir um amanhã de diálogo”.
Padre Marcus indica três passos: buscar o conhecimento verdadeiro do outro, voltar-se para Deus e nunca abandonar o caminho do diálogo. “A estrada do diálogo foi e será sempre o caminho da Paz verdadeira, da Vida plena e da experiência concreta da Misericórdia”.
Além de conhecer o outro, padre João Firmino também acredita na necessidade de respeito, para consigo e para com o próximo, para que a tolerância possa brotar. “Se eu consigo respeitar essa figura dentro da minha família, no ambiente em que eu convivo, eu vou fazer com que o mundo se torne cada vez melhor. Então que possamos ter no coração esse desejo, de vivenciar a paz e respeitar a si mesmo, respeitando também o outro”
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