A pior da história

Entenda a crise hídrica no Brasil do ponto de vista técnico

A atual crise hídrica brasileira é a pior dos últimos tempos. Especialista em conservação de água doce traz uma análise do passado e dicas para o futuro hídrico do país

André Cunha
Da redação

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Albano Araújo, atual coordenador da estratégia de conservação de água doce da The Nature Conservancy / Foto: TNC Brasil

O dia 22 de março, próximo domingo, é a data instituída pela Organização das Nações Unidas, desde 1992, para marcar o Dia Mundial da Água. Em todo o mundo, iniciativas ressaltam a importância deste recurso natural para a humanidade. No Brasil, o empenho é, sem dúvida, para conscientização acerca da economia de água.

O país enfrenta sérios problemas no armazenamento de recursos hídricos, o que, por sua vez, alarmou a todos nos últimos anos. É a maior crise da história do país, segundo o geólogo, Albano Araújo, atual coordenador da estratégia de conservação de água doce da The Nature Conservancy – Brasil.

Segundo o especialista, não há uma data que especifique seu início, porém, há mais de quinze anos, estudos já apontavam a necessidade de ampliação na capacidade de armazenamento, o alto volume no consumo de água e a necessidade de investimentos na redução da demanda.

Hoje, a crise está em nível 10 – numa escala de 0 a 10 que mede o nível de gravidade – em São Paulo, e 8 em outras capitais, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Para o geólogo Albano Araújo, que fez esta avaliação, o problema da água no país foi se agravando ao longo da história devido à alta no consumo, a diminuição das chuvas e a falta de planejamento por parte dos Governos.

Menos água, mais consumo

De acordo com Albano, registros apontam que nos últimos 50 anos o Brasil viveu uma significativa migração de famílias, do campo para a cidade.

O aumento da população urbana e, consequentemente, a elevação no consumo de água, foram fatores que, segundo o especialista, agravaram a crise. A diminuição das chuvas também foi prevista pelos estudiosos na época. Logo, como explica Albano, somou-se o aumento da população, seguido do uso deliberado de água, mais a baixa nas chuvas que, como um “gatilho”, disparou a crise hídrica no Brasil.

“A crise não é causada por um fenômeno só. A seca é um gatilho que dispara o processo; não é em si a única causa, porque se fosse assim, afetaria a Espanha, por exemplo, que tem sua média de chuvas igual à do nordeste do Brasil, e eles não estão em crise hídrica o tempo todo”, esclareceu.

Albano afirma que quando a seca atingiu o Brasil com intensidade, o sistema não estava pronto para aquela situação. Segundo ele, por trás da seca, existia um sistema despreparado para aquele nível de escassez e um consumo que cresceu sem o limite adequado. “Achava-se que a água não faltaria nunca, principalmente em regiões onde chove muito”, disse. “Foi uma espécie de tragédia anunciada”, completou.

Pela primeira vez, houve uma sequência de praticamente três anos de chuva abaixo da média em regiões onde, normalmente, chove bastante. “Onde não chove muito, como no nordeste, já se está acostumado. Mas no sudeste, tivemos três anos com chuvas abaixo da média. É realmente uma crise de grandes proporções”, afirmou Albano.

Mas, de quem é a culpa pela crise?

Para o geólogo, a culpa é do conjunto de fatores. “Vai desde os diversos Governos que não investiram, o comportamento do consumidor que desperdiça muita água e uma situação climática adversa. Sendo que esta última é a única que não se pode interferir. Não tem como fazer chover quando a gente quer. Mas todas as outras nós poderíamos ter tomado pé da situação com antecedência, porque os estudos já mostravam isso”.

Para ele, campanhas para reduzir o consumo já poderiam ter acontecido a 5 ou 10 anos; investimentos maiores para reduzir perdas na distribuição poderiam ter acontecido a mais tempo, e a preservação das nascentes dos reservatórios garantiria um volume maior de água.

“Mas não foi feito. Como sabemos, o custo político, de imagem, de falar em redução do consumo de água, racionamento, é muito alto. A gente entende que é complicado lidar com essa situação”, criticou.

O que fazer para amenizar a crise?

Existem duas percepções sobre a água: a de que ela não acaba nunca e a de que, por ser de baixo custo, pode-se utilizá-la sem limites. Para Albano, estas duas visões errôneas estão no cerne da crise e para mudá-las é necessário formar a consciência da população sobre a possibilidade de não haver mais água em algumas regiões.

Ele defende ainda um custo maior do produto, pois, segundo ele, se o preço da água mostrasse a sua importância, certamente não haveria crise hídrica.

“Nós pagamos pouco pela água e temos essa visão de que a água não acaba. Infelizmente, a crise ajuda um pouco a conscientizar sobre isso e a sobretaxa ajuda a pessoa a ver que não é só abrir a torneira e deixar a água ir embora. Na tarifa de água, seria importante que uma parte dela fosse para proteger a bacia de onde a água vem, e isso no Brasil não existe ainda”, destacou.

Por parte do poder público, o geólogo afirma que é necessário investimento urgente para reparar o que ainda não foi feito com relação ao armazenamento de água e se preparar para futuras crises hídricas no país.

“É preciso garantir que tenha água. Para isso, o Governo vai ter que preservar as bacias hidrográficas, proteger as nascentes e as margens dos rios que foram degradadas e ter que investir numa capacidade de armazenamento maior. Isso são trabalhos de preservação ambiental e obras de engenharia”.

Do outro lado, explicou, tem que reduzir a demanda com trabalhos de conscientização – com leis, incentivos para que se consuma menos água, tanto nas casas, como na indústria, na agricultura.

“Com isso se reduziria entre 30% a 40% o consumo de água que temos hoje, só com uso eficiente (captação da água de chuva, reuso de água e etc) Se fizéssemos isso em São Paulo, por exemplo, nós não precisaríamos do Sistema Cantareira. Isso não é fácil, eu sei, mas com uma política de conscientização, de incentivo, de apoio, talvez em dez anos chegaríamos a essa redução”, considerou.

Veja, no gráfico, o nível do Sistema Cantareira divulgado pela Sabesp na tarde desta quinta-feira, 19.

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