Para a eternidade

“Permaneçam firmes na fé!”: Bento XVI em seu testamento espiritual

Documento datado de 2006 e escrito por Bento XVI, originalmente em alemão, foi publicado hoje pela Santa Sé

Da Redação, com Boletim da Santa Sé

Bento XVI deixou seu testamento espiritual / Foto: REUTERS/Tony Gentile/File Photo

A sala de imprensa da Santa Sé publicou na tarde deste sábado, 31, o testamento espiritual deixado por Bento XVI. O Papa Emérito morreu hoje, aos 95 anos de idade, no Mosteiro Mater Ecclesiae, onde vivia desde 2013, ano em que renunciou ao papado.

O documento – “O meu testamento espiritual” – é datado de 29 de agosto de 2006 e escrito originalmente em alemão. Foi publicado hoje, por ocasião de sua morte. Nele, Bento elenca quantas razões tinha para agradecer.

“Agradeço antes de tudo ao próprio Deus, doador de todo o bem, que me deu a vida e me guiou em vários momentos de confusão; levantando-me sempre que eu começava a escorregar e me dando sempre de novo a luz de seu rosto.”

O testamento também traz a gratidão de Bento XVI aos seus pais. “Deram-me a vida em um tempo difícil e, a custo de grandes sacrifícios, com o seu amor me prepararam um magnífico lar que, como luz clara, ilumina todos os meus dias até hoje”. Bento frisa a fé de seu pai, a devoção e grande bondade de sua mãe e também o auxílio de seus irmãos.

Bento XVI também deixou por escrito seu agradecimento pelos tantos amigos e colaboradores que Deus colocou ao seu lado. Recordação especial do povo de sua pátria, a Alemanha, que sempre lhe permitiu experimentar a beleza da fé. Gratidão também por tudo o que viveu na Itália, que se tornou sua segunda pátria. E um pedido de perdão a quem, de algum modo, tenha prejudicado.

Permanecer firme na fé

O documento papal deixado como testamento exorta, uma vez mais, a permanecer firme na fé. “O que antes dizia aos meus compatriotas, digo agora a todos os que na Igreja foram confiados ao meu serviço: permaneçam firmes na fé!”.

Bento quis lembrar que Jesus Cristo é verdadeiramente o caminho, a verdade e a vida, e que a Igreja, com todas as suas deficiências, é verdadeiramente o Seu corpo.

“Por fim, peço humildemente: rogai por mim, para que o Senhor, apesar de todos os meus pecados e faltas, me acolha nas moradas eternas. A todos aqueles a mim confiados, minha oração sincera vai dia após dia.”

Na íntegra

Leia abaixo o texto na íntegra, conforme publicado pelo Portal Vatican News: 

O meu testamento espiritual

Se nesta tarda hora da minha vida olho para as décadas que percorri, como primeira coisa vejo quantas razões tenho para agradecer. Agradeço antes de tudo ao próprio Deus, o dispensador de todo bom dom, que me doou a vida e me guiou através de vários momentos de confusão; levantando-me sempre toda vez que começava a escorregar e dando-me sempre novamente a luz da sua face. Retrospectivamente vejo e compreendo que mesmo os trechos obscuros e cansativos deste caminho foram para a minha salvação e que justamente neles Ele me guiou bem.

Agradeço aos meus pais, que me doaram a vida num tempo difícil e que, a custa de grandes sacrifícios, com o seu amor me prepararam uma magnífica morada que, com sua clara luz, ilumina todos os meus dias até hoje. A lúcida fé de meu pai me ensinou a nós, filhos, a crer, e como indicador sempre foi firme em meio a todas as minhas aquisições científicas; a profunda devoção e a grande bondade de minha mãe representam uma herança à qual jamais poderei agradecer suficientemente. Minha irmã me assistiu por décadas de maneira desinteressada e com afetuoso cuidado; meu irmão, com a lucidez dos seus juízos e a sua vigorosa determinação, sempre me abriu o caminho; sem este seu contínuo preceder-me e acompanhar-me, não poderia ter encontrado o caminho justo.

De coração agradeço a Deus pelos muitos amigos, homens e mulheres, que Ele sempre colocou ao meu lado; pelos colaboradores em todas as etapas do meu caminho; pelos mestres e os estudantes que Ele me deu. Agradecido, confio a todos à Sua bondade. E quero agradecer ao Senhor pela minha bela pátria nos pré-alpes bávaros, na qual sempre vi transparecer o esplendor do próprio Criador. Agradeço às pessoas da minha pátria, porque nelas pude sempre experimentar de novo a beleza da fé. Rezo para que a nossa terra permaneça uma terra de fé e vos peço, queridos compatriotas: não vos distraiais da fé. E finalmente agradeço a Deus por todo o belo que pude experimentar em todas as etapas do meu caminho, especialmente, porém, em Roma e na Itália, que se tornou a minha segunda pátria.

A todos aqueles que de algum modo tenha cometido um erro, peço perdão de coração.

Aquilo que antes disse aos meus compatriotas, o digo agora a todos aqueles que na Igreja foram confiados ao meu serviço: permanecei firmes na fé! Não vos deixeis confundir! Com frequência, parece que a ciência – as ciências naturais de um lado e a pesquisa histórica (em particular a exegese da Sagrada Escritura) de outro — seja capaz de oferecer resultados irrefutáveis em contraste com a fé católica. Vi as transformações das ciências naturais desde tempos remotos e pude constatar como, ao contrário, tenham desaparecido aparentes certezas contra a fé, demonstrando-se ser não ciência, mas interpretações filosóficas somente aparentemente incumbentes à ciência; assim como, por outro lado, é no diálogo com as ciências naturais que também a fé aprendeu a compreender melhor o limite do alcance de suas afirmações e, portanto, a sua especificidade. São pelo menos 60 anos que acompanho o caminho da Teologia, em especial das Ciências Bíblicas, e com o subseguir-se das várias gerações vi ruir teses que pareciam inabaláveis, demonstrando-se serem simples hipóteses: a geração liberal (Harnack, Jülicher ecc.), a geração existencialista (Bultmann ecc.), a geração marxista. Vi e vejo como do emaranhado das hipóteses tenha emergido e emerja novamente a razoabilidade da fé. Jesus Cristo é realmente o caminho, a verdade e a vida — e a Igreja, com todas as suas insuficiências, é realmente o Seu corpo.

Por fim, peço humildemente: rezem por mim assim que o Senhor, não obstante todos os meus pecados e insuficiências, me acolher nas moradas eternas. A todos aqueles que me são confiados, dia após dia, vai de coração a minha oração,

Benedictus PP XVI

 

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