Jubileu das Comunicações

Documentos da Igreja sobre comunicação revelam clarividência dos Papas

Especialistas na área analisam reflexões históricas da Igreja sobre progressos tecnológicos ligados à comunicação; relembre principais textos sobre o tema

Julia Beck
Da redação

Papa Pio XII, Papa Paulo VI, Papa João Paulo II e Papa Francisco /Fotos: IMAGOpiemags via Reuters; PA Images via Reuters; PA Images via Reuters; Canva Pro

A Igreja é fruto de um mandato comunicativo de Jesus: anunciar o Evangelho a toda criatura. O mestre e doutor em Ciências da Comunicação, Moisés Sbardelotto, explica que, desde sua origem, a Igreja precisou pôr em prática processos de comunicação para que a Boa Nova atravessasse culturas, territórios e chegasse a todos.

Nos últimos séculos, Sbardelotto – que também é jornalista, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais (MG) e coordenador do Grupo de Reflexão sobre Comunicação (Grecom) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – frisa o desenvolvimento tecnológico extremamente acelerado. Fotografia, cinema, rádio e televisão surgiram aproximadamente no mesmo século, o que fez com que a Igreja repensasse seus processos de comunicação.

“A gente percebe a clarividência, a própria profecia dos papas ao longo da história de perceberem como essas tecnologias afetavam a evangelização e, ao mesmo tempo, como essas tecnologias também demandavam da igreja novas práticas de evangelização, novas práticas de comunicar o evangelho.”

Assim, foram nascendo documentos da Igreja a respeito. “Miranda Prorsus” (1957), “Inter Mirifica” (1963), “Communio et Progressio” (1971), “Evangelii Nuntiandi” (1975), “Aetatis Novae” (1992) e “O Rápido Desenvolvimento” (2005) são alguns deles. 

O escritor, pregador, mestre e doutorando em Comunicação Social, padre paulino Francisco Galvão, salienta que a comunicação no contexto católico tem avançado muito nos últimos tempos. “Passou-se de um olhar desconfiado e meramente crítico a um olhar esperançoso. A presença do Papa Francisco nas redes sociais certamente contribuiu para uma visão mais realista e positiva dos meios de comunicação”, opina.

Miranda Prorsus

De 1957, a encíclica Miranda Prósus, sobre a cinematografia, a rádio e a televisão vai completar 70 anos. Apesar de “ultrapassada” em algumas das suas considerações, ela sublinha a questão da vigilância, algo que Moisés considera atual. O documento de Pio XII reconhece claramente os “maravilhosos progressos” técnicos, especialmente para a difusão do bem, “mas sem negar que esses meios podem ser usados também para a difusão do mal”, sublinha Sbardelotto.

“Algo extremamente atual para o debate contemporâneo é o discernimento que o Papa tem ao falar de liberdade de difusão, liberdade de expressão (…). Ele reconhece, em nome da Igreja, que os meios de comunicação têm a liberdade, o direito de difundir notícias e informações desde que sejam úteis e necessárias para o bem comum”, frisa.

Pio XII reforça que não se pode aceitar uma teoria da liberdade de expressão como se essa liberdade não tivesse nenhum tipo de limite, como se ela fosse total e plena. “Hoje, claro, quando a gente fala de plataformas digitais, falamos de inteligência artificial. Então, também é papel dos poderes públicos que essa comunicação seja mais justa, para que essa comunicação seja mais preocupada com o bem-estar, o bem comum da sociedade e também, claro, com a dignidade humana”, complementa.

Outro elemento importante da Miranda Prúsus é a ideia da comunicação voltada para o apostolado. Mesmo que a expressão já seja considerada “antiquada”, o mestre em Ciências da Comunicação comenta que a ideia foi trabalhada ao longo dos anos, chegando ao Concílio Vaticano II e sendo fomentada pelo decreto “Inter Mirifica”.

Inter Mirifica

Um marco na história da comunicação da Igreja. Assim Sbardelotto define o decreto Inter Mirifica”, sobre os meios de comunicação social. O documento indica que a Igreja também precisa recorrer aos meios de comunicação para o anúncio do Evangelho, frisa o professor. “Não se trata apenas de um mero uso de tecnologias, (…) mas sim de repensar a própria evangelização à luz dessa cultura midiática”.

Com o passar dos anos, o mestre em Ciências da Comunicação reforça que a cultura midiática foi se tornando muito mais complexa. Então, para além de um mero uso de tecnologias, o desafio que a Igreja encontra nesses últimos anos é justamente de como “inculturar” sua mensagem nesse contexto, repensando sua linguagem e ações sem se esquecer de resguardar a essência do Evangelho.

Communio et Progressio

Na instrução pastoral Communio et Progressio”, sobre os meios de comunicação social publicada por mandato do Concílio Ecumênico Vaticano II,  é sublinhada a “urgência” de olhar para a comunicação social e a esperança de olhá-la como uma possibilidade de alcançar a união da humanidade e o estabelecimento da paz.

“A igreja tem um papel central na promoção da paz. Essa é uma questão que aparece já em diversos papados no magistério de diversos papas que tiveram que lidar com momentos de grave crise geopolítica, de grandes guerras. e a Igreja é chamada a ser também expressão dessa paz que é fruto do Espírito Santo. E aqui a comunicação também tem um papel fundamental. A comunicação do Evangelho deve sempre promover a paz social, a paz nos vários grupos sociais. Então, eu diria que é uma realidade possível e, ao mesmo tempo, uma utopia”, assinala o professor da PUC Minas.

Ele esclarece que a paz é algo que a Igreja precisa constantemente buscar, embora nem sempre seja uma realidade possível, até mesmo dentro da própria Igreja.

Padre Galvão acredita ser necessário adquirir a linguagem certa, isto é, a linguagem do Espírito. Ele aponta que as palavras não devem nascer das carências, desejo de fama e reconhecimento, mas da escuta, do diálogo contínuo com Deus.  

Evangelii Nuntiandi

Ao comentar a Evangelii Nuntiandi”, sobre a evangelização no mundo contemporâneo, o mestre em Ciências da Comunicação atribui à essa Exortação Apostólica do Papa Paulo VI uma importante reflexão sobre a Igreja e a evangelização no mundo contemporâneo. “Fundamentalmente, ela vai dizer que anunciar o Evangelho não é apenas transmitir conteúdos, mas testemunhar a fé com a vida”.

O documento também frisa o valor dos meios de comunicação para a evangelização na Igreja. Uma frase de Paulo VI neste documento ficou historicamente marcada:

“A Igreja viria a sentir-se culpável diante do seu Senhor, se ela não lançasse mão destes meios potentes que a inteligência humana torna cada dia mais aperfeiçoados. É servindo-se deles que ela ‘proclama sobre os telhados’, a mensagem de que é depositária. Neles encontra uma versão moderna e eficaz do púlpito. Graças a eles consegue falar às multidões” (Evangelii Nuntiandi).

Aetatis Novae

Um desdobramento da “Communio et Progressio”, a Aetatis Novae”, sobre as comunicações sociais no 20º aniversário da Communio et Progressio – também uma instrução pastoral – é do pontificado de São João Paulo II. Sbardelotto assinala que sua publicação nos anos 90 aconteceu quando o processo de informatização e digitalização estava acelerado. Ele ressalta que a Pastoral da Comunicação (Pascom), articulada a partir da “Communio et Progressio”, encontrou na “Aetatis Novae” uma configuração mais clara e estrutural, principalmente a Pascom Brasil.

“O Rápido Desenvolvimento”

A carta apostólica “O Rápido Desenvolvimento”, direcionada aos responsáveis pelos meios de comunicações sociais, é de João Paulo II. Nas últimas décadas, o professor da PUC Minas frisa o grande crescimento de presenças cristãs nas redes sociais. Pessoas que produzem conteúdos, vídeos, textos, áudios visando comunicar o Evangelho.

Evangelizar nas redes sociais exige coragem, criatividade e humildade, complementa Padre Galvao. “Sem essas três coisas, o risco de tirar Jesus do centro é muito grande”, indica. Sbardelotto alerta para um fato importante: muitas dessas pessoas, infelizmente, não comungam dos valores do Evangelho.

“O Papa Francisco mesmo põe isso por escrito ao reconhecer que muitas vezes os próprios católicos fazem parte de redes de violência, promovem calúnia, difamação também nas redes sociais. (…) Então hoje nós precisamos cada vez mais de um discernimento crítico”, pontua.

O mestre em Ciências da Comunicação reafirma a necessidade de os cristãos católicos promoverem uma comunicação pacífica, que esteja sempre em diálogo com o magistério do Papa Francisco. “Não podemos fazer uma comunicação alternativa à Igreja”, alerta.

Não haverá frutos se faltar o essencial, explica o sacerdote paulino. “É fundamental testemunho e coerência de vida”. Utilizar das novas tecnologias não só para alcançar multidões, prossegue, mas para fazer com que almas sejam alcançadas e tenham o desejo de evangelizar.

Evangelii Gaudium

Apesar de focada na evangelização, Sbardelotto estabelece uma ponte entre a Evangelii Gaudium”, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, (2013), a Evangelii Nuntiandi e a comunicação. “Nesse documento, o Papa Francisco também vai dizer que evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo. E esse também é o papel da comunicação cristã, não apenas comunicar conteúdos, ideias, tornar o reino de Deus presente no mundo”.

O professor da PUC Minas acrescenta que isso significa também uma comunicação crítica, preocupada com a vida da sociedade, com a cultura contemporânea, inculturada na realidade local. Esses dois documentos se articulam, explica o mestre em Ciências da Comunicação, para que seja pensado em 2025, o que é a comunicação da fé, o que é a comunicação pastoral.

Evite nomes e testemunhos muito explícitos, pois o seu comentário pode ser visto por pessoas conhecidas.

↑ topo