Simpósio

Precisamos preservar a água, diz coordenador de Fórum Mundial da Água

Rogério Menescal, coordenador do Comitê Executivo do 8º Fórum Mundial da Água, alerta para o uso consciente da água no Brasil

Thiago Coutinho
Da redação

No mundo, o Brasil é o país com maior quantidade de água doce: 12% deste total se encontra em solo brasileiro. No entanto, por que nos últimos anos grandes metrópoles do país, como São Paulo e, mais recentemente Brasília, têm enfrentado crises hídricas? Para responder a esta e a outras perguntas, conversamos com Rodrigo Menescal, coordenador do 8º Fórum Mundial da Água, que ocorre em Brasília, de 18 a 23 de março. O evento, organizado pelo Conselho Mundial da Água, quer alertar e conscientizar população e sociedade acerca da preservação, proteção e gestão consciente da água.

Canção Nova ― Brasília passa há algum tempo por uma crise severa na distribuição e fornecimento de água. Este Fórum pode despertar a atenção não só das autoridades, mas da população para o uso racional da água?
Rogério Menescal ― Um dos objetivos do Fórum é exatamente este: conscientizar a população sobre a necessidade de se preservar a água. Isso não só no Brasil, mas no mundo inteiro. As experiências que os países trazem, as experiências pelas quais passaram, será uma oportunidade para trocar de informações, conhecimento e aprendizado. Esta conscientização da população de que a água precisa entrar na agenda política dos países é um dos principais objetivos do Fórum. São mais de sete mil inscritos já confirmados. Brasília está passando por um momento de dificuldade. Graças às recentes chuvas, há indícios de que o racionamento pode ser flexibilizado mais um pouco. Especificamente sobre Brasília, constatamos que o padrão de consumo é acima da média nacional. Isso nos leva alertar as pessoas que devemos tomar cuidado com relação ao uso dos mananciais da região.

Canção Nova ― Este consumo acima da média nacional do povo brasiliense se deve às características climáticas da região?
Menescal ― Não é apenas isto, mas também se deve ao fato de que as pessoas não sabem a origem da água, não sabem de onde ela vem, desconhecem como ela é transportada, o processo de construção de um reservatório, do tratamento. As pessoas acabam por não dar o devido valor e a utilizam para coisas como lavar a calçada, carro ou deixando a torneira aberta de forma desnecessária. Precisamos de um espírito mais educativo.

Canção Nova ― Regiões como o nordeste do Brasil ainda vivem situações extremas de racionamento, como um dia com água para quinze dias sem. Podemos esperar um quadro como este no país, se as autoridades não melhorarem os sistemas de distribuição e captação de água e a população não se conscientizar do uso mais razoável deste recurso natural tão importante à vida humana?
Menescal ― Sem dúvidas. O processo de urbanização traz esta dificuldade de ter que sempre suprir o abastecimento da população. Existem limites financeiros e físicos para isto ― às vezes não tem mesmo de onde tirar água, como na região Nordeste. Fortaleza (CE) já consome água de canais que ficam a mais de 400 quilômetros da cidade. Estão agora estudando plantas de dessalinização [processo que transforma a água salgada em água potável]. Israel faz isto há anos. É um problema que temos que ficar atentos. A conscientização da população é importante tanto para ela mesmo, de evitar consumir, como de ajudar o poder público a otimizar o sistema e reduzir perdas. Brasília nunca passará por uma crise tão grave como esta. Então, de alguma maneira, isto ficará na memória da população brasiliense e eles aprenderão a lição.

Canção Nova ― O estado de São Paulo também passou por uma crise hídrica muito grave. Na época, houve críticas tanto à população, que não poupava, quanto ao poder público, por não investir em um sistema de distribuição adequado. Realmente falta uma tecnologia melhor para isto?
Menescal ― Os sistemas de distribuição vão envelhecendo com o tempo. E isto numa rede de milhares de quilômetros como na cidade de São Paulo, que ainda tem obras de metrô e escavações próximas às tubulações. Então, é um trabalho permanente, tem que se trocar tubulação, reduzir vazamento. O poder público tem que estar atento, porque não basta colocar tubulação e esquecê-la lá. Com o tempo ela envelhece e tem que ser trocada. Elas perdem a vida útil. Existem tecnologias, por exemplo, que controlam a pressão da água, de forma que você não ultrapasse a capacidade de carga naquela tubulação.

Canção Nova ― Como as mudanças de hábito, por exemplo, de reaproveitar melhor a água da chuva ou não utilizar água potável para lavagem de máquinas podem ser inseridas na população?
Menescal ― A água tratada é muito cara. Ela vem de longe e traz consigo o problema da captação, do tratamento e até chegar ao seu destino final. Ela traz um custo muito alto. Isto sem contar as perdas. Portanto, se você puder usar uma água mais próxima a você, como a água da chuva ― que ajuda a evitar problemas de drenagem urbana, que causa cheias nos bairros. Então, se você puder usar esta água da chuva ajudaria não só na sua conta mensal, mas também diminui a demanda em trazer águas de longa distância a preços pouco econômicos.

Canção Nova ― O senhor acredita que o brasileiro demorou a discutir o uso racional da água por conta da abundância que sempre foi desfrutada pelo país, por ter um clima tropical e de chuvas recorrentes?
Menescal ― Existe um pouco de verdade nisto sim. O Brasil é um país bem-dotado quando se trata de recursos hídricos. Mas, ao mesmo tempo, é muito heterogêneo. E como dissemos no início desta conversa, há estados que convivem com a seca há séculos, como o semiárido ou até o Rio Grande do Sul. Embora seja uma região fria, existem partes bem secas ali. Então, não é algo que podemos dizer de forma generalizada, mas o brasileiro tem, sim, esta percepção de que água para ele não é um problema. Há muitos estados que convivem com a seca e tiveram que aprender a lidar com esta questão. O Ceará é um exemplo nesta área de gestão de recursos hídricos. Gerenciam toda aquela rede de reservatórios, canais e adutoras para garantir o abastecimento da população, indústrias e até irrigações de fruticulturas. É algo que tem acometido outras regiões do Brasil, como São Paulo e Brasília e até o Rio de Janeiro, que é abastecido com água do rio Paraíba do Sul.

Canção Nova ― O Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) prevê que a água pode ser privatizada. Por outro lado, alguns estudiosos dizem que a água é um bem público e seria impossível privatizá-la. Qual sua opinião a respeito?
Menescal ― A constituição brasileira deixa claro que a água é um direito da população. A própria legislação brasileira de recursos hídricos é muito avançada no sentido de preservação do bem público, na gestão compartilhada e empoderamento dos comitês de bacias e participação pública em suas decisões. Mas não vejo nenhuma possibilidade disto acontecer por aqui.

 

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