A Igreja recebe a notícia com grande pesar, diz padre Wagner Ferreira, reiterando a necessidade de proteger a vida humana
Jéssica Marçal
Da Redação
Um referendo na Irlanda na última sexta-feira, 25, disse “sim” à legalização do aborto no país. Foram 66,4% dos votos favoráveis à legalização, em um país marcado por forte tradição católica. Sobre os reflexos dessa decisão, o noticias.cancaonova.com conversou com o doutor em Teologia Moral, padre Wagner Ferreira, da Comunidade Canção Nova.
“A Igreja não somente na Irlanda, mas a Igreja de Cristo, a Igreja católica, recebe esta notícia com grande pesar, porque legalizar o aborto é exatamente legalizar aquilo que o nosso querido João Paulo II já denunciava: legalizar a cultura da morte”.
Entre os argumentos comumente utilizados para defender o aborto, coloca-se a ideia de que o embrião humano não é uma pessoa humana, logo, não recebe o estatuto de cidadão. Mas padre Wagner ressalta o que a Igreja pensa sobre isso: “Na realidade, a Igreja segue uma tradição que também tem embasamento científico, que é a tradição de afirmar que, desde quando acontece a concepção, desde quando a pessoa humana é concebida no encontro entre os gametas masculino e feminino, espermatozóide e o óvulo, ali já começa uma vida humana”.
Com a aprovação no referendo, o aborto passa a ser visto como uma prática legal sob o ponto de vista da lei irlandesa até a 12ª semana de gestação e, em caso de risco para a mulher ou de alguma anormalidade fetal, até a 23ª semana. Padre Wagner enfatiza, porém, que a vida humana precisa ser protegida, e recorda que algumas vezes na história da humanidade já houve casos dessa dignidade ser desrespeitada, citando como exemplo os campos de concentração no período do nazismo. “Disso, consequentemente, nasceu o que nós temos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e um dos seus primeiros artigos prescreve exatamente a defesa da dignidade de toda e qualquer pessoa humana”.
Outro ponto levantado pelo doutor em Teologia Moral é a hierarquia de valores: ele destaca que a vida vem em primeiro lugar em comparação, por exemplo, ao direito de liberdade, embora este também seja um valor importante e que deva ser protegido.
“Antes da liberdade, vem a vida. A vida é um valor superior à liberdade. Quando em nome da liberdade pessoal eu quero eliminar a vida do outro, isso é um atentado ético, um atentado moral. A lei não pode prescrever, por exemplo, dar a proteção ao direito à liberdade indo contra o direito à vida”.
Veja também a entrevista que padre Wagner concedeu ao Canção Nova Notícias sobre o assunto:
Aborto x tradição católica na Irlanda
Apesar de ser um país de tradição católica, a maioria dos irlandeses decidiu, no referendo, dar o “sim” ao aborto. Segundo padre Wagner, trata-se da cultura da morte que vai se estabelecendo, colocando um grande desafio à ação evangelizadora da Igreja.
“Infelizmente, quando a gente se depara com essas situações, de legalização de aborto, de aprovação dessa cultura da morte, isso nos assusta, nos coloca em situação de atenção. Mas a nossa atenção como Igreja deve ser acreditar na ação evangelizadora, no anúncio da Boa Nova de Cristo, no Evangelho da Vida. A Igreja sempre enfrentou situações difíceis na sua missão evangelizadora, então: não perder a esperança, continuar o caminho de diálogo com as diversas instâncias da sociedade, procurando anunciar a dignidade da pessoa humana”.
Influência dessa decisão
O resultado desse referendo na Irlanda desperta um ponto de atenção para a discussão dessa mesma temática em outros países. No Brasil, por exemplo, voltou a tramitar no Supremo Tribunal Federal a discussão sobre a legalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Deve ser marcada uma audiência pública sobre o assunto para o início de junho.
Para padre Wagner, a decisão da Irlanda pode acabar interferindo na legislação de outros países, uma vez que se trata de um país com uma importância histórica, inclusive para a história da Igreja, como é o caso da Irlanda. Por ter sido aprovado lá, pode passar uma ideia de que a legalização do aborto signifique, também para o Brasil, um sinal de avanço, mas não é.
“Na realidade, isso é um grave crime, continua sendo um crime, um atentado contra dignidade da pessoa humana, um atentado contra a vida humana. Nós, como Igreja católica aqui no Brasil, vamos continuar a nossa luta para proteger a vida humana, a luta de tentar dar ao embrião humano estatuto jurídico”.
“A gente suplica a Deus que os nossos juízes, os que têm essa autoridade de legislar no nosso país tenham em consciência a importância de proteger a dignidade da vida humana e não permitir que o aborto seja legalizado”, acrescentou.
Encontro Mundial das Famílias
Em meio à discussão que dividiu a opinião dos irlandeses e levou à aprovação do aborto no país, a Irlanda se prepara para receber a nona edição do Encontro Mundial das Famílias, que será realizado de 21 a 26 de agosto na capital Dublin.
Padre Wagner exaltou a realização do Encontro como oportunidade de destacar o valor da família e do matrimônio cristão, o valor de que as famílias tenham filhos, uma vez que a família é a garantia da sociedade humana. “Os atentados contra a dignidade da família, do matrimônio, os atentados contra a vida humana em família se tornam, na realidade, um atentado contra a própria sobrevivência da sociedade. Famílias enfraquecidas significam, futuramente, uma sociedade também enfraquecida, do ponto de vista político, econômico e social”.
“Esse Encontro Mundial das Famílias é uma grande benção, é uma oportunidade de um testemunho público da parte da Igreja e das famílias cristãs para demonstrar a toda a sociedade que vale a pena o matrimônio cristão, a família cristã, a pessoa humana em família”.