Conflito no Iraque

Iraque: Patriarca descreve realidade dos refugiados no país

Patriarca caldeu também afirmou que os ataques aéreos norte-americanos não serão suficientes para parar a pressão e o avanço das milícias do EI

Da redação, com Aleteia

A onda de violência que há meses atinge o Iraque e a Síria, continua fazendo muitas vítimas inocentes e deslocando milhares de pessoas de suas próprias casas. O patriarca iraquiano Luis Sako, em entrevista à Aleteia, explicou como está organizando, em conjunto com o governo do Iraque, uma operação humanitária para transferir o maior número possível de cristãos refugiados para Bagdá.

Dom Luis também criticou aos ataques norte-americanos e afirmou que a solução para a crise passa por um acordo mais amplo com o envolvimento do governo curdo e do governo central iraquiano.

    "Sem uma estratégia geral, o sonho de voltar a ver o povo retornando nas próprias casas não acontecerá", disse Dom Luis Sako / Foto: AIS

“Sem uma estratégia geral, o sonho de voltar a ver o povo retornando nas próprias casas não acontecerá”, disse Dom Luis Sako / Foto: AIS

Sua Beatitude, nos microfones da CNN, Mark Arabo, um empresário californiano e líder cristão, falou de “genocídio dos cristãos” e de “sistemática decapitação das crianças”, por parte do EI. Ele falou também que precisamente “em Mossul existe um parque onde são decapitadas as crianças e suas cabeças são colocadas em varas”. O senhor pode nos confirmar, ou desmentir esta notícia?

Nada disso. Não acorreu nenhuma decapitação. Em Mossul, o dinheiro foi roubado, mas os cristãos não foram atacados fisicamente. Aconteceu uma grande fuga em massa e muito pânico na planície de Nínive. As pessoas foram literalmente expulsas das próprias casas. Um homem foi morto durante um momento de tensão enquanto tentava atravessar o check point.

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É verdade que os militares do EI pedem taxas aos cristãos para que suas vidas sejam preservadas e raptam as mulheres fazendo delas suas mulheres?

São duas notícias verdadeiras. Aconteceram raptos de mulheres cristãs, assim como pedido de pagamento de taxas. Em particular, estes islamitas fanáticos pedem dinheiro aos cristãos para fazê-los voltar para suas próprias casas. Mas os cristãos não confiam. Aquele povo muda de ideia continuamente: eles não são de confiança. Talvez um cristão pague hoje, depois volta para casa para estar em paz, e amanhã os militantes o atacam novamente, e não se sabe com quais consequências.

O governo de Bagdá acusou os jihadistas sunitas do EI de terem jogado centenas de yazidis em valas comuns, com mulheres e crianças ainda vivas. O que o senhor pode dizer sobre o assunto?

O que aconteceu ao povo yazidi é verdade. Foram capturadas e raptadas mais de mil mulheres. Morreram também muitas crianças. Este povo não tem alimento nem água, além de se sentirem isolados do mundo. Não sabem para onde ir e o que fazer.

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“O mundo inteiro precisa se mobilizar perante a situação do Iraque, caso contrário, uma solução estável e permanente estará distante”, afirmou o patriarca / Foto: AIS

Falando da crise iraquiana, Dom Silvano Maria Tomasi, observador permanente da Santa Sé na ONU em Genebra, disse que “a ação militar neste momento é necessária”. O que o senhor pensa sobre uma intervenção militar norte-americana?

Não bastam ataques parciais. A solução para a crise passa através de um acordo mais amplo com o envolvimento do governo curdo e do governo central iraquiano. Sem uma estratégia geral, o sonho de voltar a ver o povo retornando nas próprias casas não acontecerá.

Neste momento os cristãos têm o direito de se organizarem para se defenderem, ou é recomendada apenas a fuga?

Mas como se organizam? Antes de tudo são um número reduzido, 400-500 mil no total. Além do mais, a maior parte fugiu das vilas. Todos estão dispersos. Considere os números e a situação atual deles, não seria possível organizar uma milícia. E diante deles existem os extremistas agressivos.

Segundo o senhor, nos próximos dias, qual cenário veremos?

Eu temo que a situação piore. Existe um problema em relação aos refugiados, a emergência humanitária e um outro problema de ordem política. Neste momento não vejo prospectivas. O mundo inteiro precisa se mobilizar perante a situação do Iraque, caso contrário uma solução estável e permanente, ao meu ver, estará distante irremediavelmente.

Há alguma possibilidade de diálogo com os jihadistas do EIL?

Diga-me, como se faz para dialogar com um fanático? Temos diante de nós um muro! Eu, no começo da crise, tentei falar com um deles, mas é difícil, não existe confiança, e eles mudam de ideia continuamente.

Existe o risco de que a influência desses extremistas islâmicos possa chegar a Bagdá?

É difícil que cheguem até Bagdá, mas não é impossível.

E a Igreja Católica, como está tentando cuidar da situação dos refugiados?

Em todas as igrejas do país temos grupos em escolas, dormitórios, espaços para comer. Em cada cidade, em cada vilarejo das proximidades da região atacada pelas milícias, as regiões de acolhimento estão lotadas. Agora, a melhor coisa a se fazer é transferir quanto mais pessoas possível para Bagdá. Estou em contato com o governo até que aconteça.

Como deveria acontecer esta transferência?

As vias terrestres estão fechadas, a única possibilidade são os aviões. Aqui na capital temos mais espaço para hospedar este povo que corre riscos a cada momento. Também existem hospitais e lugares para cuidar deles. Temos já vinte famílias, mas continuaremos a acolher outras em breve.

O que os refugiados contam?

Ouvi o testemunho deles e é sempre algo dramático. Eu já estava em contato com alguns cristãos daquele local durante a visita que fiz a Erbil e às vilas atacadas. Ouvi-los é uma experiência de voltar no tempo, parece que estamos na Idade Média. Meu coração chora lembrando as histórias tristes que contam marcadas pelo medo e o temor de serem maltratados, espancados e assassinados. Eles não têm mais nada: nem casa, nem economias, após anos e anos de sacrifícios. Mas eles temem sobretudo que esta situação dure muito tempo.

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