Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa é celebrado hoje; geriatra e psicóloga comentam esta realidade também presente no Brasil
Denise Claro
Da redação
Nesta segunda-feira, dia 15 de junho, é celebrado o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra o Idoso. A data foi instituída em 2006, pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa, com o objetivo de conscientizar a população da existência desta realidade e de incentivar a criação de medidas para proteger os idosos da violência. Além disso, a data recorda que o envelhecimento da população é um fenômeno mundial.
A geriatra e membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Ana Lúcia Vilela, lembra que este tema é de extrema importância e que são várias as formas de violência contra o idoso: física, psicológica e emocional. Ana Lúcia destaca que além das lesões observadas em idosos, muitas vezes estes são vítimas de contenções físicas e químicas: “Há familiares que, por não saberem lidar com o idoso, o amarram quando ele está ‘agitado’ ou aumentam a dosagem de seus medicamentos por conta própria para que o idoso se acalme, acabando por dopá-lo.”
A violência também está presente no abuso financeiro do idoso: “Casos de filhos adultos que se casam e não saem da casa dos pais, contando que eles os sustentem, ou que ‘abandonam’ os netos com os avós deixando que eles assumam suas despesas são exemplos disso, visto que são uma apropriação indevida dos recursos deste idoso.”
Para a geriatra, há situações em que o idoso é vítima também de violência emocional, a mais comum observada, quando seus cuidadores (familiares) os chantageiam, causando no idoso uma angústia mental. “Dizer ao idoso que não vai mais visitá-lo, cuidar dele ou amá-lo se ele não o obedecer faz com que ele tenha um sofrimento psicológico e seja permissivo quanto às ações deste parente.” Esta é talvez a causa de muitas vezes o idoso não denunciar as ações violentas da família ou de um cuidador.
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), constitui violência também a negligência, quando “um filho se recusa a cuidar de um pai idoso ou executa mal este cuidado, deixando falhas, o que pode ser consciente ou não. A obrigação de cuidar do idoso é primeiramente da família.”
Realidade no Brasil
Os idosos representam 11% da população brasileira, o que equivale a quase 20 milhões de pessoas. Os dados são do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo levantamento feito pelo Disque 100, responsável por receber denúncias de violência contra a pessoa idosa, só em 2013 foram 40 mil ligações do tipo. As denúncias confirmam a dura realidade de que a maioria dos maus-tratos contra os idosos é cometida pela própria família.
Para a psicóloga Elaine Ribeiro, o que se observa em muitas famílias é que há ocasiões em que o idoso fica sob a responsabilidade de uma única pessoa. Esta violência pode, então, ser consequência de um desgaste emocional do cuidador. Há famílias numerosas que delegam o cuidado com o idoso a apenas um filho, por exemplo. Esta pessoa tem então a tarefa de cuidar sozinho de alguém que, além da idade, apresenta restrições físicas, psicológicas e neurológicas.
Além disso, em algumas situações o próprio cuidador foi vítima de violência, e reproduz a ação. Porém, para a psicóloga, nada justifica essa violência, que é fruto também da sociedade atual: “Nossa sociedade impõe uma necessidade de produção, agilidade e modernidade que o idoso não pode atender, por suas limitações. Há uma cultura da valorização daquilo que é novo, atual e que muitas vezes descarta as pessoas com mais idade.” Para Elaine, “é importante que a família busque compreender a situação física, neurológica e emocional do envelhecimento, da perda da vitalidade, mas também de integrar o idoso à vida da família, permitindo que ele participe e sinta-se útil.”
A fisioterapeuta Beatriz Carrapatoso pertence a uma família que entende este processo. Ela conta que sempre teve o exemplo de seus pais, que cuidaram de seus avós e bisavós e deram a eles dignidade até o último dia de vida. “Na nossa família existe uma cultura e uma reverência àquelas pessoas que foram as formadoras do que nós somos hoje. Sempre houve um senso de família e de responsabilidade muito grande.”
Beatriz lembra que o cuidado com os idosos exige paciência, fé e muito amor: “Sempre houve as preocupações com médicos, medicamentos, mas também havia a preocupação com a carência que os idosos da família apresentavam, como por exemplo, a necessidade de diálogo, de estar amparado pela família, de carinho. Não é fácil, o cuidado com os idosos é exigente e desgastante. Muitas vezes tivemos que reorganizar toda a nossa vida e a nossa rotina, em virtude das necessidades deles, mas Deus sempre nos deu força e nos orientou para cumprirmos nosso papel.” Beatriz hoje é casada, tem uma filha, e se desdobra entre a atenção com a família que formou e com seus pais: “Agora chegou a minha vez de exercer um pouquinho desse cuidado.”
Leia também
.: Abandono é a ‘doença’ mais grave do idoso, diz Papa
.: Papa explica valor e missão dos idosos na família
Igreja e idosos
A Igreja está atenta a esta realidade. O Papa Francisco em 2014 se encontrou com idosos e avós, em um evento intitulado “A benção da vida longa”, na Praça de São Pedro, no Vaticano. O presidente do Pontifício Conselho para as Famílias (organizador do evento), Dom Vicenzo Paglia, afirmou que a iniciativa partia do pressuposto de que a velhice não é um naufrágio, mas uma vocação, e destacou que os idosos “não são só objeto de atenção ou de cuidado, mas que são também sujeitos de uma nova perspectiva de vida.”
O Papa Francisco, em sua catequese do dia 11 de março deste ano, falou sobre o valor e a missão dos idosos, e lembrou que Deus não nos descarta nunca, mas nos chama a seguí-Lo em cada idade. “Mesmo a velhice contém uma graça e uma missão, uma verdadeira vocação.”
O Santo Padre frisou que não faltam testemunhos de santos e santas idosos e que o papel do idoso na família é muito importante, podendo contribuir com sua oração, sua sabedoria e seu exemplo.
Em relação a sociedade atual, Francisco lamentou a existência da cultura do descartável e do vazio da ingratidão e disse ser necessário rezar pelas novas gerações, para que estas dêem dignidade à memória e aos sacrifícios dos idosos.
Uma semana antes, na catequese, o Papa afirmou que abandonar os idosos é pecado mortal, e que “os idosos são abandonados não só em condições materiais precárias, mas também enfrentam numerosas dificuldades para sobreviver em uma sociedade que não quer a sua participação.”
No Brasil existe a Pastoral da Pessoa Idosa, organismo vinculado à CNBB, que capacita voluntários para visitar mensalmente idosos em suas residências. Seu objetivo, segundo o site da PPI, é formar redes de solidariedade humana, fortalecendo o tecido social e contribuindo para melhorar a qualidade de vida das pessoas idosas na família, buscando a compreensão das dimensões do envelhecimento (física, psicológica, social e espiritual) e gerando uma cultura que cuida do ser humano em sua plenitude.