Entrevista

Crise de refugiados: por que tantas mortes no Mediterrâneo?

Travessia é a principal rota disponível para imigrantes africanos chegarem à Europa; mortes no Mediterrâneo já passam de 2 mil só neste ano

Jéssica Marçal
Da Redação

Com a recente crise de refugiados, o Mar Mediterrâneo ganhou destaque no noticiário, infelizmente de forma negativa. Mais de 2 mil pessoas morreram nessas águas, tentando alcançar o sonho de uma vida longe de guerras, pobreza e perseguições. A pergunta que não quer calar é: por que tantas mortes nessa travessia?

Mar Mediterrâneo na região de Lamezia Terme, cidade italiana da Calábria / Foto: Danusa Rego - CN Roma

Mar Mediterrâneo na região de Lamezia Terme, cidade italiana da Calábria / Foto: Danusa Rego – CN Roma

A região tem problemas climáticos, como tempestades e chuvas fortes, sobretudo na época do outono/inverno. Outro fator agravante é o fato do Mar Mediterrâneo ter um litoral muito acidentado, com a presença de muitos rochedos. Na Grécia, por exemplo, há várias ilhas, o que aumenta o risco de impactos com rochas.

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Localizado entre Europa, Ásia e África, o Mediterrâneo é considerado o maior mar do mundo em extensão: são aproximadamente 2, 5 milhões de quilômetros quadrados. Essa é a principal rota disponível para imigrantes africanos que desejam ir para a Europa, conforme explica o mestre em Geografia pela Unesp, professor Júlio César Lázaro da Silva.

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Em entrevista ao noticias.cancaonova.com, Júlio explicou as prováveis causas do número tão elevado de mortes no Mediterrâneo: além das condições adversas em determinadas épocas no ano, o que prejudica bastante é a qualidade das embarcações. Muitas vezes, elas não têm nenhum instrumento meteorológico e navegam com um número de tripulantes bem acima da sua capacidade.

Confira a entrevista:

1- Dados da Organização Internacional para Migração divulgados em agosto deste ano  revelam que 2.373 migrantes e refugiados morreram nos oito primeiros meses deste ano na tentativa de atravessar o Mar Mediterrâneo para chegar à Europa. Por que esse número é tão elevado?

Júlio César – Os deslocamentos em direção da Europa possuem grande relação com as condições políticas, econômicas e sociais nos locais de origem desses imigrantes. No caso da Síria, são duas problemáticas que estão incrementando esses movimentos: a guerra civil e a presença do Estado Islâmico. A guerra civil na Síria foi iniciada após o desenvolvimento da “Primavera Árabe”, em 2011, situação que opôs o ditador Bashar al-Assad e os diferentes grupos rebeldes contrários ao seu governo. No último ano, o grupo extremista Estado Islâmico atravessou as fronteiras entre Iraque e a Síria, dominando cidades localizadas ao sul do país. Nesse sentido, o número de refugiados sírios aumentou consideravelmente, somando-se aos imigrantes provenientes de outros países do Oriente Médio como Afeganistão e Iraque, além daqueles originados em países do norte da África, sobretudo a Líbia.

2- As dificuldades maiores são devidas às condições climático-geográficas ou acontecem devido à má qualidade das embarcações?

Júlio César – Na maioria dos casos são as condições das embarcações e a quantidade de pessoas, sempre muito acima da capacidade mínima de segurança, que produzem os acidentes. Mesmo nos meses de verão, entre junho e setembro, quando as águas do Mediterrâneo registram as maiores calmarias, foram noticiados acidentes nas travessias de imigrantes. Como os preços cobrados pelos atravessadores podem chegar a cerca de US$ 10 mil dólares por pessoa, a possibilidade de ganhos financeiros rápidos acabam superlotando botes e barcos.

3- O Mediterrâneo é o único caminho possível para a fuga? Quais as outras opções?

Júlio César – O Mediterrâneo representa a melhor rota disponível para imigrantes africanos que desejam ingressar na Europa. No caso dos sírios, além do Mediterrâneo, é até possível entrar no continente europeu atravessando, pelo continente, as fronteiras entre Turquia e Bulgária, seguindo na direção dos Balcãs (região da Antiga Iugoslávia), rota que teve um fluxo maior nos últimos meses por conta da maior facilidade de interiorização. Por outro lado, países como Sérvia, Hungria e Bulgária estão aumentando o controle de suas fronteiras e até mesmo impondo barreiras físicas contra a passagem desses imigrantes.

4 – Aproximadamente, de quantos quilômetros/horas de viagem estamos falando quando uma pessoa sai, por exemplo, da Síria rumo à Itália, pelo mar Mediterrâneo?

Júlio César – A distância entre Damasco, capital da Síria, e Bari, ao sul da Itália, levando em consideração o trajeto utilizado pelos imigrantes, possui aproximadamente 2.800 quilômetros, o equivalente à distância em linha reta entre as cidades de São Paulo e Rio Branco, capital do Acre. Já o tempo de travessia pode variar entre dias e semanas, uma vez que, ao ingressar na Turquia, o imigrante precisa realizar a travessia entre Boldrum e Kos, esta última em território grego, e em seguida iniciar outra travessia marítima, em direção da Itália. Nesse sentido, as fiscalizações e o acolhimento recebido das autoridades locais interferem diretamente nesse processo. Por fim, as condições financeiras e físicas dos imigrantes, expostos aos mais diferentes enfrentamentos ao longo de sua jornada, também devem ser consideradas, o que pode prolongar ou mesmo abreviar a viagem.

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