“É a misericórdia que nos move para Deus, enquanto a justiça nos assusta, em relação a Ele”, afirma Bento XVI
Da redação, com Agência Ecclesia
O Papa emérito Bento XVI elogiou o caminho seguido pelo seu sucessor, Francisco, ao decidir valorizar o tema da “misericórdia”, particularmente importante para a sociedade contemporânea.
“Só onde há misericórdia tem fim a crueldade, acabam o mal e a violência. O Papa Francisco está completamente de acordo com esta linha, a sua prática pastoral exprime-se precisamente no fato de falar continuamente da misericórdia de Deus”, disse o Papa emérito, em uma rara entrevista divulgada nesta quarta-feira, 16, pelo jornal do Vaticano, ‘L’Osservatore Romano’.
O texto transcreve na íntegra o depoimento de Bento XVI ao jesuíta Jacques Servais, publicado no livro ‘Por meio da Fé. Doutrina da justificação e experiência de Deus na pregação da Igreja e nos exercícios espirituais’ (2016), no qual o Papa emérito fala da centralidade da misericórdia na fé cristã.
“É a misericórdia que nos move para Deus, enquanto a justiça nos assusta, em relação a Ele. Do meu ponto de vista, isto evidencia que por baixo da camada de autossegurança e da sua própria justiça, o homem de hoje esconde um profundo conhecimento das suas feridas e da sua indignidade”, refere.
Humanidade está à espera da misericórdia
Para Bento XVI, cujo pontificado se concluiu a 28 de fevereiro de 2013, a humanidade atual “está à espera da misericórdia”.
“Não é por acaso que a parábola do bom samaritano é particularmente atraente para os nossos contemporâneos. Não só porque está fortemente sublinhada a componente social da existência cristã ou porque nela o samaritano, o homem não religioso, aparece por assim dizer como aquele que age de modo verdadeiramente conforme a Deus”, refere.
O Papa emérito defende que continua a existir uma percepção da “necessidade da graça e do perdão”.
Sinal dos tempos
“Para mim, é um ‘sinal dos tempos’ o fato de que a ideia da misericórdia de Deus se torne cada vez mais central e dominante”, explicou.
Num mundo dominado pela tecnologia, “em que os sentimentos já não contam”, o predecessor do Papa Francisco vê aumentar “a espera de um amor salvífico que seja oferecido de forma gratuita”.
“Parece-me que o tema da misericórdia divina exprime de um modo novo aquilo que significa a justificação pela fé”, realça Bento XVI.
A Igreja Católica está a viver até novembro o terceiro ano santo extraordinário da sua história, convocado pelo Papa Francisco para a celebração do Jubileu da Misericórdia.
Outros aspectos
A entrevista de Bento XVI espalha-se por duas páginas da edição em italiano do jornal do Vaticano, com referências à importância da fé, que não é “produto da reflexão” ou procurar “penetrar na profundidade do ser”.
Em seguida, o Papa emérito explica que a Igreja não é uma “assembleia de homens com ideias em comum” que as propõem aos outros.
Sublinhando que na segunda metade do século XX se afirmou a consciência de que “Deus não pode deixar ir para a perdição todos os não batizados”, Bento XVI rejeita as “teorias pluralistas das religiões”, que fazem de todas elas “caminhos de salvação” equivalentes.