Mil dias desde o início da guerra na Ucrânia e o historiador italiano Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Sant’Egidio, fala sobre a importância dos caminhos abertos pelo diálogo
Da redação, com Vatican News
Mil dias é um período de tempo que faz o mundo parar para pensar e conta uma história de sofrimento incrível. Andrea Riccardi, historiador italiano e fundador da Comunidade de Sant’Egidio, conversou com o Vatican News sobre o triste aniversário de um conflito que, dois anos e nove meses depois, ainda não deu lugar à paz.
Vatican News — Professor, recordando as palavras do Papa Francisco em Luxemburgo, parece que ninguém tomou passos em direção a “compromissos honrosos” para construir segurança a paz…
Andrea Riccardi — Nós nos acostumamos com as notícias diárias, resignando-nos à continuidade desta guerra. Mil dias é um período que faz uma pausa. Deixe-me lembrá-lo de que, para a Itália, a Primeira Guerra Mundial durou 1.261 dias, e é chamada de Grande Guerra; para o mundo, durou 1.568 dias. Mil dias não é a história de um pequeno conflito, mas de um que, por um lado, devastou um país inteiro, a Ucrânia, e por outro, mudou o mundo. E isso porque, como o Papa corretamente diz, estamos em um estado de guerra quase global, sombreado pela ameaça nuclear. Ressuscitamos uma cultura de guerra e banimos a paz e o diálogo do léxico das relações internacionais. Hoje, o discurso gira em torno de armas, geoestratégias e operações militares, com pouca consideração para olhar além. O diálogo como método é descartado, e a busca pela paz é abandonada. Até mesmo a palavra ‘paz’ é evitada.
Vatican News — Parece que a comunidade internacional, ao longo desses mil dias, fez mais para apoiar a guerra do que para se opor a ela, por mais duro que isso possa parecer…
Andrea Riccardi — Não vamos dizer “comunidade internacional”, porque a comunidade a que nos referimos não existe mais. Vamos falar do Ocidente — OTAN, Europa — que cada vez mais parecem ser a mesma entidade. Eles foram pegos na euforia da guerra e da vitória após a corajosa resistência da Ucrânia, arriscando uma guerra indireta travada pelos ucranianos, mas apoiada pelo Ocidente. A comunidade internacional como a conhecíamos se foi. Considere o surgimento de críticas generalizadas ao conflito, particularmente no Sul Global. O alinhamento da Rússia com a China é outra questão grave. Os laços históricos entre a Rússia e a Europa, sem surpresa, entraram em colapso. Na esteira da invasão da Rússia, um fervor militarista tomou conta. Embora eu não seja um especialista em assuntos militares, nunca acreditei que a Rússia pudesse ser derrotada por meio de sanções ou militarmente. Não que a Rússia não tenha sofrido nesta guerra, mas seus vastos recursos humanos e econômicos permitem que ela resista. A Ucrânia, no entanto, é muito menos resiliente e foi dolorosamente enfraquecida pelo implacável bombardeio russo.
Vatican News — Até o momento os líderes falaram apenas sobre armas e guerra. É hora, como você sugere, de propor estratégias diplomáticas e de negociação criativas? Sobre quais fundamentos, dada a situação atual?
Andrea Riccardi — A paz é mais urgente do que nunca, especialmente com a aproximação do inverno. Sessenta e cinco por cento da capacidade de produção de eletricidade da Ucrânia foi alvo de ataques de mísseis. Este inverno pode trazer a morte a muitos ucranianos. A paz é necessária, e rapidamente. Não há fórmula mágica. Devemos começar conversando, sentando à mesma mesa. Mas isso é complexo; requer o estabelecimento de canais diplomáticos. Acredito que a negociação é possível. Apenas dois meses após o início da guerra, um acordo estava próximo — até que alguns países ocidentais aconselharam a Ucrânia a não fazê-lo. Devemos começar agora com questões humanitárias: reunir famílias, trocar prisioneiros e corpos de soldados mortos. Os contatos devem ser buscados em todos os níveis porque os muros do ódio e da propaganda de guerra estão se elevando. A Ucrânia não deve ser vendida na mesa da paz. Tudo deve ser negociado. Depois, há a imensa tarefa da reconstrução da Ucrânia — um esforço monumental que requer etapas e reuniões significativas. Todas as pontes possíveis devem ser abertas, e rapidamente.